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Diálogo na Venezuela anunciado pelo Vaticano naufraga antes de começar

Declarações da oposição venezuelana encerram as negociações convocadas pela Igreja

Maduro se dirige a uma reunião com Papa Francisco.
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Um conjunto de declarações cruzadas do lado oposicionista fez naufragar na segunda-feira à noite o diálogo entre Governo e oposição na Venezuela, poucas horas depois de o Vaticano anunciar o início das conversações, e sem que seus supostos atores tivessem zarpado para a Ilha de Margarita, sede programada para o encontro no próximo domingo.

Monsenhor Emil Paul Tscherrig, núncio apostólico em Buenos Aires e enviado especial do papa Francisco para intervir na crise Venezuelana, leu na segunda-feira à tarde um comunicado no qual era informado um acordo mínimo para uma reunião a partir de domingo na ilha a fim de abordar "a busca de acordos, a criação de um clima de confiança, a superação da discórdia e a promoção de um mecanismo que garanta a convivência pacífica". O documento foi divulgado na saída de uma reunião em um hotel de Caracas entre o delegado do Vaticano, representantes do Governo e o secretário-geral da oposicionista Mesa da Unidade Democrática (MUD), Jesús Torrealba. De Roma, onde se encontrou com o papa Francisco, o presidente Nicolás Maduro deu as boas-vindas à nova gestão diplomática.

Pouco antes, na sede Nunciatura Apostólica na capital venezuelana, Tscherrig se encontrara com uma comissão da MUD, que incluía o coordenador nacional do partido Primeiro Justiça (PJ), Julio Borges, e o prefeito do município de Sucre, na área metropolitana de Caracas, Carlos Ocariz, do mesmo partido; o secretário-geral do partido Ação Democrática (AD), Luis Aquiles Moreno, o secretário-geral do partido Vontade Popular (VP), Luis Florido, e o presidente do partido Um Novo Tempo (UNT), Enrique Márquez.

Quase de imediato, porém, alguns líderes da oposição começaram a manifestar em suas contas no Twitter sua estranheza sobre um acordo do qual, diziam, estavam se inteirando através da mídia. Nas mesmas redes sociais a reação do público oposicionista tinha sido esmagadoramente contrária ao anúncio de diálogo, envolvido como está com o chamado às ruas feito pelos dirigentes opositores na sexta-feira e no espírito de luta que reina na agenda política desde a turbulenta sessão da Assembleia Nacional no domingo passado, na qual o Parlamento, dominado por uma maioria oposicionista, se declarou em campanha para restituir a ordem constitucional.

Entre os que se declararam surpresos pelo anúncio das conversações estavam a ex-deputada María Corina Machado, o prefeito do município de El Hatillo, na área metropolitana de Caracas, e também dirigente da VP, David Smolansky, e o governador do Estado de Miranda e duas vezes candidato presidencial, Henrique Capriles Radonski.

Na prática, Capriles foi o encarregado de dar o golpe final ao diálogo, que nem chegou a nascer, em uma transmissão à noite pela Internet. Ali disse que "não tinha sido definido" fazer uma reunião em Margarita, longe do escrutínio público. Sugeriu que o enviado papal tinha sido surpreendido em sua boa-fé e que o comunicado que havia difundido era um texto do ex-primeiro-ministro (presidente de Governo) espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, que integra o trio de ex-presidentes ibero-americanos que busca propiciar o diálogo na Venezuela.

O líder oposicionista advertiu o papa Bergoglio de que na crise política venezuelana está "tratando com o diabo", referindo-se aos representantes do chavismo –"esses não são católicos, são uns diabos"– ,e afirmou que o Sumo Pontífice se mantém a par dos desmandos que o Governo cometeu nas últimas semanas. "Aqui foi dado um Golpe de Estado", enfatizou, "e a situação de diálogo apresentada pelo núncio em Buenos Aires não existe".

Em linha com o expressado por Capriles, na noite de segunda-feira a MUD difundiu um pronunciamento no qual esclarece que "qualquer processo de diálogo tem quatro objetivos fundamentais: respeito ao direito ao voto, liberdade para os presos políticos e retorno dos exilados, atenção às vítimas da crise humanitária e respeito à autonomia dos poderes", as mesmas condições expostas desde que em meados de maio ganharam corpo as primeiras gestões internacionais para que Governo e oposição se reunissem na República Dominicana.

Também como Capriles, o comunicado definitivo da MUD exige que qualquer rodada de negociações ocorra em Caracas e ratifica o chamado a uma sessão parlamentar na qual nesta terça-feira terá início o julgamento político do presidente Nicolás Maduro, assim como para a mobilização de massa na quarta-feira, batizada como Tomada da Venezuela.

Ao mesmo tempo, as autoridades do partido Vontade Popular (VP) declaravam que não fariam parte das conversações. Lilian Tintori, esposa de Leopoldo López, líder da VP que está preso, lembrou que o marido tinha dito que "o diálogo não é possível depois que o Governo roubou ao povo a opção do revogatório". Outro dirigente do partido, Fredy Guevara, explicou em um programa de televisão que houve desavenças "e não conseguimos entrar em acordo (...), mas na mobilização estamos todos de acordo".

Pragmático, o presidente da Assembleia Nacional e dirigente da Ação Democrática (AD), Henry Ramos Allup, ironizou no Twitter: "Se agora todos dizemos que nos inteiramos pela TV, nós também não vamos" ao diálogo. No entanto, na manhã desta terça-feira o veterano político declarou em um programa de rádio que "todos os partidos da MUD sabiam do que Jesús Torrealba negociava".

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