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China vai usar dados pessoais para catalogar cidadãos e empresas

Sistema será usado para avaliar a confiabilidade e a lealdade política de cada indivíduo e companhia

Macarena Vidal Liy

A China prepara um sistema disciplinar baseado na coleta exaustiva de dados pessoais de pessoas e empresas, que serão usadas para avaliar a confiabilidade e a lealdade política de cada indivíduo e de cada empresa. Ser catalogado como mau cidadão implicará castigos tão diversos como a proibição de se alojar em alguns hotéis, viajar da forma mais confortável ou a possibilidade de que os filhos estudem em escolas melhores. Um sistema orwelliano que as autoridades chinesas querem ter funcionando até 2020 ou antes.

Vários clientes revisam seus celulares em um supermercado de Tianjin (China), em 28 de setembro.
Vários clientes revisam seus celulares em um supermercado de Tianjin (China), em 28 de setembro.Qilai Shen (Bloomberg)

O chamado “sistema de crédito social” é uma das prioridades, e uma das mais ambiciosas por seu alcance e objetivos, do Governo liderado pelo presidente Xi Jinping. A ideia, segundo os documentos que o Conselho de Estado – o equivalente ao Poder Executivo chinês – foi publicando aos poucos desde 2014, é ir além dos sistemas de classificação de crédito financeiro que já existem no Ocidente para encorajar uma sociedade onde imperem a honestidade e o civismo.

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É algo certamente louvável e necessário, em um país onde as imitações são onipresentes, a corrupção é um dos principais flagelos e no qual os escândalos, como o uso de materiais contaminados em escolas ou o uso de terapias duvidosas em hospitais militares – dois exemplos deste ano – fomentam constantemente a desconfiança dos cidadãos em relação às autoridades.

O preocupante é como querem conseguir isso. Um dos focos do projeto é a coleta do chamado big data – dados de todos os tipos, pessoais, financeiros e de consumo – para detectar possíveis comportamentos fraudulentos, mas também para criar o que poderia facilmente ser usado como um instrumento de vigilância política de massa. “Se o aparato de segurança pode ter acesso a essa informação, não haverá vida privada na China”, diz o professor Willy Lam, da Universidade Chinesa de Hong Kong.

As autoridades centrais e provinciais já obtêm alguns desses dados por meio de registros oficiais. As empresas privadas em setores como o comércio eletrônico ou as redes sociais conseguem outros: no ano passado, em uma espécie de projeto-piloto, Pequim já autorizou oito empresas a iniciar a coleta de dados para avaliação de crédito.

Quando uma empresa ou um indivíduo se tornarem suspeitos um procedimento administrativo seria responsável por decidir se é declarado oficialmente como entidade socialmente pouco confiável. Não só seria levado em conta a violação das leis ou de contratos, mas também uma ampla gama de critérios sociais e políticos.

A inclusão desses parâmetros “é para assegurar que a participação econômica, social e política no futuro apenas será permitida para indivíduos e empresas que cumpram com as normas sociais e políticas do Partido Comunista da China”, explica Mirjam Meissner, do centro de estudos alemão MERICS e coautora de um estudo recente no qual descreve o projeto como “autoritarismo apoiado pela tecnologia da informação”.

Aqueles considerados culpados de comportamento desonesto podem esperar castigos além do âmbito tradicional, que irão transformá-los em párias sociais. Um documento do Conselho de Estado publicado em setembro prevê, entre outras sanções, a proibição de compras de casas para seu uso pessoal, viajar nas melhores classes ou ficar em hotéis de alto nível. Seus filhos não poderão se inscrever em escolas privadas. Não poderão ter contratos com o Governo e, se pensavam em uma carreira militar, suas chances seriam quase nulas.

O novo documento “torna explícita a ideia que representa o núcleo deste sistema de crédito social: se você quebrar a confiança em uma área, serão impostas restrições em todas”, explica Rogier Creemers, da Universidade de Leiden na Holanda e especialista em legislação sobre mídia e Internet na China. “A proporcionalidade no castigo, pelo menos para algumas categorias de pessoas pouco confiáveis, desaparece”.

O sistema vai ser caro e complicado de implementar. Enfrenta problemas técnicos difíceis, como a harmonização de uma série de diferentes bases de dados ou dificuldades para manter um mecanismo tão vasto constantemente atualizado e livre de erros, aponta Creemers. Do ponto de vista político, não está claro até que ponto os cidadãos poderiam aceitar esse controle. Ou como pontuar de forma equilibrada o complexo comportamento humano: “O que acontece se você gosta de dirigir muito rápido, mas é um grande médico que faz um monte de trabalho de caridade”, pergunta o especialista.

O projeto também encontrou vozes de advertência interna. Um estudo recente do think tank da agência estatal Xinhua alerta sobre os riscos de vazamento de dados em um sistema que envolve muitas fontes e pede que sejam adotadas regras claras para proteger os direitos dos consumidores e impedir que a informação seja obtida ilegalmente.

O objetivo inicial do Governo chinês é que o sistema esteja operacional em 2020. Mas está disposto a acelerar. O novo documento do Conselho de Estado prevê que o sistema de supervisão seja implantado até 2018.

“É um claro sinal político”, acredita a especialista Meissner. Apesar das críticas internas, “não há dúvida de que os líderes chineses vão investir todos os esforços técnicos e políticos fazer o sistema funciona o mais rápido possível”.

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