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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Por que largamos as baladas depois dos 30?

Um jantar, uns drinques, mas com muita moderação... Quem já não percebeu que, depois dessa idade fatídica, sua vida noturna acabou? Será que isso é definitivo, e que é hora de abrir mão das festas?

Sergio C. Fanjul
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Já saí por aí com a selvagem brutalidade dos piratas, com a minúcia dos relojoeiros, com a tenacidade das travestis. Já saí muito, e saí bem; acho que as aventuras noctâmbulas são uma das coisas às quais dediquei mais carinho e esforço nesta vida. Não só para sair, mas também para pensar em sair, falar sobre sair, recuperar-me depois de sair, como um engenheiro do lazer noturno. Um baladeiro sem frescuras: frequentava pés-sujos, espeluncas roqueiras, clubes techno, casas de flamenco, o que aparecesse pela frente – o amanhecer na casa de um desconhecido qualquer, com as persianas fechadas e vontade de mais balada. Quem eram todos aqueles caras de jeito esquisito? Tanto fazia, qualquer coisa estava valendo. Era como um gesto subversivo, embora fosse apenas contra a minha própria saúde, ou contra os horários de trabalho, ou contra as pessoas decentes que dormiam na hora certa. Os dias de semana, de pegar no batente, eram apenas o resto da existência, o intervalo entre dois fins de semana, o contrário de um pão de forma. Caramba, era uma coisa heroica.

Mas acontece que, como disse o poeta, a vida avança, e a desagradável verdade mostra a cara. A vida é outra coisa, e agora que acabo de passar dos 35 já não saio tanto nem, sobretudo, da mesma maneira. Ah, que falta eu sinto daquela voz do outro lado da linha que me dizia: “E aí, baladinha hoje?”. E era terça-feira! Agora as pessoas ligam na sexta-feira para jantar e depois, quando muito, tomar uns drinques, que acabam sendo um só, de maneira que voltamos para casa à 0h45, sóbrios, enfastiados e entediados, olhando pela varanda a rapaziada em flor, toda feliz a caminho de se esfregar numa discoteca. E o último talk show da televisão ainda nem terminou...

Hoje em dia, quando me falam em sair para beber alguma coisa, já começa a me dar um baixo astral, porque sei que todo mundo vai querer ir embora logo, para cuidar dos seus filhos, do seu trabalho e das suas preocupações, que ninguém vai me seguir de bar em bar, que ninguém vai querer chacoalhar o esqueleto numa casa noturna... Então começo a beber bem rápido, com a ingênua ilusão de que assim vou me divertir mais, como um beberrão britânico antes de fecharem o pub, com a diferença que depois não brigo com ninguém, só comigo mesmo. Ao final, quando chego em casa, derrotado, os apresentadores do tal talk show me flagram e, cheios de malandragem, me olham da telinha e me chamam de babaca.

Nada é pior que o profundo choque existencial de constatar que você é o mais velho na pista de dança

Também me dizem por aí para parar com essa imaturidade, com essa minha Síndrome de Peter Pan. Eu lhes digo: não, eu sou apenas um nostálgico, uma amante da joie de vivre, um baladeiro crepuscular. Por que eu gostava tanto de sair? Bem, porque toda noite podia acontecer alguma coisa que mudaria a minha vida para sempre (para o bem ou para o mal, é claro). A selva noturna é um lugar onde as leis da lógica se distorcem, o espaço-tempo poético se retorce e tudo pode acontecer, por mais absurdo, belo ou horrível que seja; essas coisas que depois contamos no dia seguinte e que, às vezes, atingem a categoria de lenda. Sair é o único reduto de aventura proporcionado por este mundo previsível, rotineiro, hiperseguro, antialérgico e super-higiênico, que cumpre todas as normas da União Europeia (bem, a tirolesa perto da cidade também é uma aventura). Poderia parecer, além disso, que as hordas noturnas são formadas por gente simples, dominada pelos seus vícios e suas paixões vis, mas nada é mais distante da realidade: sempre encontrei, nos bares, nas casas noturnas e nos after hours, as pessoas mais inquietas, que depois, à luz do dia, não paravam de tramar coisas brilhantes. Cabeças faiscantes também sob a luz do sol. E acredito que é por isso que elas saíam, para decapitar totalmente aquela inquietação que não conseguiam sublimar à base de performances esquisitas.

Sair é o único reduto de aventura proporcionado por este mundo previsível e rotineiro

Não se deve esquecer, quando se fala em vida noturna e em público entrando na meia-idade, das limitações físicas que a biologia nos impõe. Sim, elas existem, e não são nada desprezíveis: ressacas como a obra de Proust, agonia diante de uma luz e um som fortes demais, menos resistência ao álcool e ao quer vier junto, cansaço cotidiano e, acima de tudo, o profundo choque existencial de constatar que as pessoas nos bares já não são as mesmas, ou que os próprios bares já não existem mais, ou que você é o mais velho na pista de dança. Mas isso tudo tanto faz: sair é para gente de coragem.

Quando tinha 23 anos, num beco cheio de bares, entre a luz amarelenta e as pedras da cidade provinciana, com uma cerveja na mão, meu amigo Nacho me disse que deixaria de sair aos 28 anos. Aquilo me deixou horrorizado, e a ideia rondou a minha cabeça por muito tempo. Afinal, durei um pouco mais, mas acredito que a natureza já me pede, salvo em algumas exceções, para assentar a minha bunda pequeno-burguesa. Talvez, para acalmar os meus instintos festivos, eu tenha de fazer como alguns dos meus amigos: ter filhos.

Sergio C. Fanjul tem 36 anos, é escritor e jornalista espanhol. É formado em astrofísica. Também é uma subcelebridade do meio intelectual de Madri. Este texto foi publicado em Tentaciones, revista do EL PAÍS.

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