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eleições municipais
Tribuna
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Quem manda no Rio de Janeiro?

O transcurso da campanha eleitoral no Rio de Janeiro revelou a variedade de poderes paralelos que convivem – nada pacificamente – na cidade

María Martín
Patrulha da polícia no morro Pavão-Pavãozinho em 10 de outubro, no Rio.
Patrulha da polícia no morro Pavão-Pavãozinho em 10 de outubro, no Rio.Silvia Izquierdo (AP)

O transcurso da campanha eleitoral no Rio de Janeiro revelou a variedade de poderes paralelos que convivem – nada pacificamente – na cidade. Em plena batalha eleitoral do segundo turno, um dos candidatos à Prefeitura, Marcelo Crivella (PRB), recebeu o apoio público da ex-vereadora Carminha Jerominho, filha e sobrinha de dois políticos vinculados às milícias. Jerominho e Natalino Guimarães comandavam, até serem presos em 2007 e 2008, respectivamente, a principal milícia da Zona Oeste carioca, território ainda submetido extraoficialmente às ordens e armas de grupos paramilitares formados não por narcotraficantes, mas por agentes corruptos do Estado que oferecem aos moradores inúmeros tipos de serviços que não lhes corresponderiam, de segurança à Internet.

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Crivella não desprezou o apoio de Carminha, pelo contrário. Disse que todo voto é importante: “Sem voto, ninguém ganha eleição”, disse aos jornalistas.

Foi justamente num restaurante da Zona Oeste, uma das áreas mais povoadas de Rio e onde Crivella é o candidato mais votado, que um guarda-costas dele admitiu a este jornal, ainda no primeiro turno, que para algum candidato fazer comício ali precisaria pedir autorização da milícia. “É assim que funciona, eles mandam aqui. Todo mundo precisa pedir autorização, não só nós”, contava, com naturalidade.

Além de dar sua bênção aos candidatos, o crime também os extorque: os milicianos cobraram até 120.000 reais para que os candidatos pudessem distribuir sua propaganda nos territórios sob seu controle, conforme revelou o jornal O Globo. A taxa imposta pelos milicianos, que já participaram ativamente da política e hoje optam por apoios nos bastidores para perpetuar seu poder, garantia aos aspirantes certa exclusividade frente a outros políticos.

Foi também durante esta campanha eleitoral que, a 55 quilômetros do restaurante da Zona Oeste, um grupo de narcotraficantes desceu um morro encravado num bairro de classe média alta e obrigou dezenas de comerciantes a fecharem suas portas. É assim que, em pleno 2016, o narcotráfico impõe o luto pela morte de algum de seus chefes. Todos os comerciantes fecharam sem pestanejar, apesar de a polícia ter reforçado sua presença no bairro. “Obedecemos ao poder paralelo. Prefiro ter prejuízo a sofrer represálias”, dizia o gerente de uma loja de tintas, com uma viatura em frente às portas abaixadas do seu estabelecimento. É o mesmo discurso do cidadão submetido aos milicianos.

Naquele mesmo dia, um ex-policial, candidato a vereador e presidente de uma das mais tradicionais escolas de samba do Rio – que se abastecem com recursos de origem duvidosa – era executado com 15 tiros em seu comitê de campanha. Para investigar sua morte, a polícia abriu várias frentes, praticamente uma para cada poder paralelo que atua no Rio: as rivalidades que sua candidatura pode ter despertado, sua suposta relação com os milicianos e seus vínculos com os bicheiros e donos de caça-níqueis que, num país onde o jogo é ilegal, são tão ricos e temidos como os traficantes e as milícias, só que ainda mais invisíveis.

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