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Leonard Cohen, “diante da proximidade da morte”

O músico reconhece que “está preparado para morrer” antes de lançar um álbum com sabor de despedida

Fernando Navarro
Leonard Cohen durante show em Madri em 2012.
Leonard Cohen durante show em Madri em 2012.BERNARDO PÉREZ
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De uns tempos para cá, tem sido comum ouvir ou ler algo sobre Leonard Cohen fazendo referência à velhice, mas nunca, até o momento, o havia feito de maneira tão concisa sobre si mesmo. Aos 82 anos, o músico canadense não apenas está prestes a lançar um álbum repleto de referências à morte e com um amargo sabor de despedida, mas também acaba de reconhecer que está “preparado para morrer”, inclusive afirmando que não acredita que voltará a fazer uma turnê por causa de problemas de saúde, que não lhe permitem manter “os rigores” de antes.

Em um longo artigo publicado pela revista The New Yorker, o jornalista David Remnick, depois de entrevistar Cohen, traça um profundo perfil do autor de Hallelujah, diante de sua venerável experiência. Cohen fala sobre seu futuro e afirma que há uma “grande mudança” em sua vida, e esta consiste na “proximidade da morte”. “Espero que não seja muito desconfortável. Só isso”, diz. De fato, afirma que está concentrado em “colocar a casa em ordem” para quando a hora chegar. “Estou confinado no quartel”, diz em referência ao seu dia a dia. O cantor também observa que tem se concentrado recentemente no papel de marido e pai e revela que possui uma caixa cheia de poemas e canções inacabadas devido à “condição de seu corpo”. “Sou uma pessoa organizada. Se posso, gosto de ter todas as pontas amarradas. E, se não posso, tudo bem também. Mas, meu impulso natural, é o de terminar as coisas que comecei.” Essa mesma condição física, destaca, é a que certamente o impedirá de fazer uma turnê.

Tudo soa como despedida, incluindo o tão aguardado novo álbum, que será lançado em poucos dias. Bastaria o título do disco, You Want It Darker (Você quer mais escuro), para dar sentido às palavras do músico, mas no interior da obra há mais coisas. Na sombria faixa-título, Cohen, com sua característica voz sussurrante, canta que “está fora de jogo”, “quebrado” e “manco”. E confessa: “Estou pronto, meu senhor”. Há mais pistas em um álbum de atmosfera invernal e austera. “Imagino que seja alguém que tenha simplesmente renunciado a mim e a você”, diz a letra de Traveling Light. É uma obra que planeja a morte do início ao fim, com canções reveladoras como Treaty, onde sugere o final de uma guerra — uma recorrente metáfora da vida na lírica coheniana — com uma solução acordada, e uma coda como Steer Your Way, onde fala das “ruínas do altar”. Como demonstrou nos álbuns anteriores, como em Old Ideas e Popular Problems, não é a primeira vez que recorre a essas ideias de abandono e de expiração, mas, desta vez, o grande escultor de palavras parece esculpir um templo definitivo.

De forma impactante, David Bowie nos mostrou com o lançamento de Blackstar como um artista pode escrever melhor do que ninguém seu próprio epitáfio. Aquele opaco e inquietante álbum era uma despedida deste mundo, feito por um homem que sofria de câncer sem que ninguém soubesse, e que acabaria viajando para a galáxia mais distante dois dias após o lançamento de seu álbum. Só os gênios, e nem todos, têm o poder de trabalhar de uma forma tão surpreendente. E, com seu típico chapéu Fedora e expressão gentil, Leonard Cohen é um gênio.

Em meados deste ano, quando soube da doença de sua amiga Marianne Ihlen, a musa que inspirou a famosa canção So Long, Marianne, Cohen enviou uma mensagem àquela que foi sua amante, na qual escrevia: “Bem, Marianne, chegamos àquela fase em que somos tão velhos que nossos corpos estão caindo aos pedaços; acredito que te seguirei em breve. Saiba que estou tão perto de você que, se estender a mão, acredito que poderá tocar a minha... Todo o amor, te vejo no caminho”. O gênio está dizendo adeus à vida. E You Want It Darker soa como a morada de seu último suspiro.

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