_
_
_
_
_

Macri quer mudar nomes de ruas e edifícios públicos que homenageiam Néstor Kirchner

Centro Cultural Kirchner, que se tornou um lugar crucial na era macrista, passaria a se chamar Bicentenário

Carlos E. Cué

Mauricio Macri vive há 10 meses numa permanente contradição. Quase diariamente fala de uma Argentina nova e busca apagar qualquer rescaldo de kirchnerismo, o movimento que dominou o país durante quase 13 anos. O presidente já mudou completamente a Casa Rosada, retirou os retratos de Che Guevara, Perón e Allende e do próprio Kirchner que dominavam os pátios do seu local de trabalho; remodelou a Quinta de Olivos, sua residência oficial; promoveu uma guinada na política externa, abrindo os braços para os EUA, e o Fundo Monetário Internacional voltou à Argentina após 10 anos de rompimento. Mas o epicentro dessa abertura ao mundo, dessa ruptura com a linha kirchnerista, é nada mais, nada menos que o Centro Cultural Kirchner, onde o macrismo organiza todos os seus principais atos.

Cristina Fernández inaugura o Centro Cultural Néstor Kirchner, em 21 de maio de 2015.
Cristina Fernández inaugura o Centro Cultural Néstor Kirchner, em 21 de maio de 2015.Telam
Mais informações
Cristina Kirchner dá a largada em sua campanha para as eleições de 2017
Buenos Aires proíbe todo tipo de prostíbulo
Macri admite oficialmente que um em cada três argentinos é pobre

Por isso, agora Macri quer trocar o nome desse local, usando para isso uma lei promovida por Hernán Lombardi, seu ministro dos Meios de Comunicação Públicos, cujo gabinete funciona justamente no Centro Kirchner. Lombardi quer aproveitar o projeto de lei para proibir que qualquer edifício público ou logradouro leve o nome de um presidente morto há menos de 20 anos. Kirchner morreu em 2010, por isso até 2030 não poderia haver nada com seu nome. A norma teria efeito retroativo e obrigaria à mudança do nome do Centro Kirchner para Centro Cultural do Bicentenário, que era a ideia inicial antes que Cristina Fernández de Kirchner, viúva e sucessora do presidente, decidisse dedicar o edifício ao seu marido.

Esse imponente palácio neoclássico, construído na época de esplendor de Buenos Aires para abrigar a sede dos Correios, foi restaurado no Governo de Cristina Kirchner numa obra de 275 milhões dólares (886 milhões de reais, pelo câmbio atual). Ele é ao mesmo tempo a mais clara lembrança visível da presença kirchnerista no centro da capital e o mais claro epicentro da guinada macrista. Lá Macri recebeu Barack Obama e François Hollande. Lá organiza os grandes encontros do seu próprio Governo, e seus grandes anúncios. E lá teve lugar uma conferência de investidores que marcou o apoio de grandes multinacionais a Macri, tendo o executivo-chefe mundial da Coca Cola como protagonista. E, entretanto, sempre que entra nesse lugar, e mesmo quando sai à janela da Casa Rosada, que está a poucos metros, Macri pode ver as letras garrafais que dominam a fachada principal: Centro Cultural Kirchner.

O macrismo tentou resolver esse conflito por via indireta: nenhum dos diretores o chama de Centro Kirchner, preferindo a sigla CCK. Mas não basta. Macri quer apagar esse aviso diário do poder que teve seu antecessor, que chegou a controlar todas as alavancas do país, a tal ponto que, segundo o Governo, há na Argentina 1.300 lugares públicos dedicados à sua memória – e que teriam de ser rebatizados. Seu mausoléu, em Río Gallegos é um descomunal cubo de 11 metros de altura, destacando-se entre as discretas tumbas dessa pequena cidade patagônica. O culto a Kirchner está muito vivo, e a cada ato kirchnerista o público vibra quando os mais jovens cantam “Néstor não morreu, Néstor não morreu, Néstor vive no povo, puta que o pariu”.

Muitos macristas exigiam que o Governo substituísse o nome do CCK desde o primeiro dia. Lombardi tentou, mas a polêmica desatada levou a Casa Rosada a adiar um pouco a decisão. Macri já tinha problemas suficientes àquela altura, e buscava o apoio de vários ex-kirchneristas na Câmara dos Deputados e no Senado para aprovar seu pacto com os fundos abutres. Mas agora sua vitória eleitoral está prestes a completar um ano, e parece finalmente chegada a hora desta decisão que é não só simbólica.

Lombardi argumenta que seu projeto pretende “unir os argentinos”, ao eliminar as divisões decorrentes das homenagens com nomes de ruas e edifícios públicos a um determinado líder. Com esta lei, também ficaria proibido que qualquer infraestrutura pública leve o nome de Macri num prazo de 20 anos após sua morte. Mas os kirchneristas não acham o mesmo, e a polêmica está garantida, razão pela qual sua aprovação não é certa. Lombardi oferece um argumento de peso para mudar o nome do Centro Kirchner: uma das placas da sua inauguração tem o nome do então secretário de Obras Públicas, José López, que foi preso em flagrante tentando esconder nove milhões de dólares num convento.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_