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Editoriais
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

A conversa de que a Espanha necessita

Um novo tom de debate deve resolver a polarização para abordar o futuro

Mariano Rajoy, presidente em exercício, e Pedro Sánchez
Mariano Rajoy, presidente em exercício, e Pedro SánchezSAMUEL SÁNCHEZ

A Espanha se encontra em uma conjuntura crítica, um momento de importância singular em sua história democrática recente. Da forma como enfrentará esta conjuntura dependerá como sairá dela: mais fortes, unidos e preparados para encarar um futuro de esperança, ou divididos e enfraquecidos e sem um projeto comum. Superar com sucesso o buraco que o país atravessa requer não só a capacidade política de tomar as decisões corretas, mas o caráter e o espírito adequados. Diante da tentação do desânimo frente a complexidade dos problemas que os afligem em todas as ordens da vida política, econômica e social, devem-se rearmar de vontade, determinação e confiança neles mesmos.

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Os problemas que têm não são excepcionais, mas próprios daquilo que são e que com muito esforço conseguem ser: uma democracia avançada inserida no coração da Europa, o continente mais próspero, livre e privilegiado do planeta e, ao mesmo tempo, aberta ao mundo. Desde a corrupção até o envelhecimento, passando pela desigualdade; desde os desafios de sustentar o Estado de bem-estar em uma economia global até os problemas de articulação territorial; desde a fratura geracional até a precariedade no emprego, todos esses problemas são padecidos também por parceiros e vizinhos.

É verdade que alguns desses problemas podem parecer especialmente graves, mas a Espanha também desfruta de ativos dos quais outros carecem e até invejam: uma sociedade coesa em torno de valores democráticos dos quais não se aproximam movimentos xenófobos de extrema direita; uma população que pode se orgulhar quanto aos avanços obtidos em termos de direitos individuais e liberdades pessoais; uma cultura, língua e forma de vida aberta que atrai milhões de pessoas e nos projeta globalmente; e um consenso muito amplo em relação à necessidade de contar com um Estado que redistribua riqueza e oportunidades e garanta a universalidade dos sistemas de saúde, educação e aposentadoria. Não é pouco: ao contrário, é uma base excelente sobre a qual trabalhar.

Para poder ganhar o futuro, tem-se antes de ganhar o presente, um presente marcado pelo fato de estarem há 300 dias sem Governo, o que significa o adiamento, e o agravamento, de todos os problemas que eles tem a resolver e cujas soluções não podem esperar mais. Mas em vez de falar dos problemas e procurar em conjunto as soluções, acabam enredados em uma conversa altamente emocional e, em ocasiões demais, violenta, que impede qualquer tipo de discussão racional. São os primeiros a defender o direito a criticar, mas convém levar em conta que a polarização que sofrem não é tanto uma consequência inocente do transbordamento das paixões no calor do debate, algo em que podem incorrer às vezes, mas de uma estratégia deliberada que pretende impedir que se tenha a conversa de que necessitam e, pior ainda, intimidar e atemorizar os que têm opinião diferente. A péssima divisão entre os de cima e os de baixo, os patriotas e os traidores, o exagero paranoico da maldade do contrário, a obstinação disfarçada de princípios ou a simplificação das opções políticas até o extremo ridículo dos bons e dos maus são o melhor caminho para privar os cidadãos do debate de que precisam.

Diante de um desenho grosseiro, que deslegitima o projeto coletivo que teve início com a Constituição de 1978, sem dúvida o melhor da história espanhola, é preciso recordar que a Espanha não é um regime sustentado por poucos em detrimento dos muitos cuja queda é preciso buscar, mas uma democracia representativa dotada de um Estado social e de direito e de um marco de direitos e liberdades tão amplo quanto homologado pelos mais avançados países do mundo, no qual não há nem cidadãos de segunda categoria nem privação de direitos de nenhuma minoria ou identidade. Desenhar uma nação em decadência que tem de ser resgatada por algum salvador é estratégia típica do populismo, de direita ou de esquerda, e que sempre acaba desencadeando em nacionalismo chovinista, no fechamento à influência externa e na agitação de diferenças identitárias ou de classe.

Diante da polarização e dos ódios cruzados, a Espanha quer reivindicar a reconstrução de um espaço comum para o pragmatismo e as reformas, um lugar em que se intercambiem e negociem razões, ideias e soluções que os ajudem a encontrar a saída para esta crise. As soluções para os problemas são complexas, exigirão tentativas e erros, e não serão nunca cem por cento satisfatórias. Mas existem. Só é necessário que se apliquem na busca. E, para isso, é preciso mudar a conversa.

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