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STF ratifica regra para prisão defendida pela Operação Lava Jato

Corte avaliou que réus condenados em segunda instância já devem começar a cumprir penas

Gil Alessi

O Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quarta-feira, permitir o início do cumprimento de pena de pessoas já condenadas em tribunais de segunda instância, que agora vale para todo o Judiciário. A matéria é considerada central para a Operação Lava Jato, uma vez que a possibilidade da prisão logo após um segundo julgamento serviria de incentivo para que empresários e políticos ligados ao esquema de corrupção firmassem acordos de delação premiada para se livrar do cárcere. Por outro lado, é criticada por defensores públicos que temem a piora da situação de superlotação do sistema carcerário e a punição maior de réus com menos condições de recorrer.

Os ministros do STF nesta quarta-feira.
Os ministros do STF nesta quarta-feira.Nelson Jr./STF

Em sessão que durou mais de cinco horas e terminou às 20h30, a corte julgou duas ações, uma apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e outra pelo Partido Ecológico Nacional (PEN), segundo as quais o principio de presunção de inocência da Constituição impediria que réus começassem a cumprir pena antes de julgados todos recursos em última instância. O placar na corte estava empatado em 5 a 5, e o voto de minerva foi da presidenta da corte, Carmen Lúcia. Ela se manifestou contraria às ações. A determinação ratifica o decidido no começo do ano. Em fevereiro, por um placar de 7 a 4, a corte já havia chegado a um entendimento semelhante quanto ao assunto. No entanto, em julho, contrariando a decisão do STF, o decano Celso de Mello mandou soltar um homem condenado por homicídio que já cumpria pena, o que fez com que o STF tivesse que voltar a discutir a matéria.

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O empreiteiro Marcelo Odebrecht é um dos afetados pelo novo entendimento do STF, uma vez que já foi condenado pelo juiz Sérgio Moro na primeira instância e ainda negocia uma possível colaboração com as autoridades. O próprio magistrado, aliás, divulgou nota em fevereiro dizendo que a decisão do Supremo “fechou uma das janelas da impunidade no processo penal brasileiro”. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu o entendimento da corte, e afirmou que ele "influenciará, com certeza, em vários processos de colaboração premiada em curso ou que virão em todas as investigações do Ministério Público, seja federal, seja dos Estados”.

Antes desta nova mudança na jurisprudência, era preciso aguardar a sentença em tribunais superiores para que um réu de fato começasse a cumprir pena – o que é chamado de trânsito em julgado. Nesse período, que pode durar anos, a defesa do réu pode utilizar recursos com o objetivo de protelar uma decisão final, o que pode levar à prescrição e penas. Deltan Dallagnol, procurador federal e integrante da força-tarefa da Lava Jato, usou seu perfil no Facebook para defender a decisão do tribunal: “Em casos de réus poderosos econômica e politicamente, aguardar todos os recursos costuma significar dezenas e dezenas de recursos até a prescrição e completa impunidade”. No entanto, existe o temor por parte de entidades de defesa dos Direitos Humanos de que a prisão após julgamento em segundo grau pode colaborar com a superlotação do já precário sistema penitenciário. Além disso, juristas apontam que o cumprimento de pena após condenação em segunda instância pode cercear o direito de defesa.

O ministro Marco Aurélio, relator da matéria, se manifestou favoravelmente às ações da OAB e do PDN, e se disse contrário ao que chamou de “execução provisória da pena”. Foi acompanhado por Ricardo Lewandowski , Rosa Weber, Celso de Mello e Dias Tofolli, que mudou nesta quarta-feira seu voto, e defendeu o cumprimento de pena somente após julgados os recursos na terceira instância. Os ministros Teori Zavascki (que é relator dos processos da Lava Jato no STF) Edson Fachin, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso votaram contrariamente às ações, e defenderam o início do cumprimento de pena após sentença de segunda instância.

Barroso afirmou que o sistema de Justiça brasileiro como está “frustra” o senso de Justiça da população. “Imagine um pai que está na mesma arquibancada de um estádio que o assassino de sua filha, já condenado!”, disse durante o julgamento. Ele também afirmou que o Judiciário precisa fortalecer os tribunais de primeira instância, e que as instâncias superiores não podem servir como “cortes para revisar decisões já tomadas”.

Zavascki afirmou que "se a presunção [de inocência] deve disponibilizar meios e oportunidades para o réu intervir no processo, ela não pode esvaziar o senso de Justiça". O ministro afirmou também que o problema de superlotação do sistema carcerário tem relação com o fato de que “quase metade dos presos sequer foi julgada, são presos provisórios”.

Gilmar Mendes mandou um recado aos advogados de réus da Lava Jato. “Por que figurões da advocacia agora estão preocupados com a situação dos presídios?”, indagou. O ministro disse ainda que a situação calamitosa dos presídios deve melhorar agora que existem “visitantes ilustres” nas celas do Paraná, e afirmou que agora tem “banho quente em Curitiba”. Mendes frisou que metade dos presos do país são provisórios “e até aqui ninguém se preocupou com isso”. Segundo ele, "esse discurso de que acelerar o cumprimento de pena [é negativo] ignora que grande parte da população carcerária já cumpre pena sem a condenação em última instância”, disse. Para ele, não existe nenhum país “civilizado que não aceite o início do cumprimento de pena após decisão de segunda instância”.

Rosa Weber afirmou que a Constituição é clara quanto à importância dos recursos a instâncias superiores. “Isso [cumprir pena após segundo julgamento] é contrário ao direito de plena defesa, a presunção de inocência está atrelada a um valor fundamental nas sociedades civilizadas”, disse em seu voto.

Um grupo de 183 defensores públicos de diversos Estados divulgou nota na qual criticam a decisão do STF quanto ao assunto. De acordo com o documento, a prisão antes do trânsito em julgado prejudicaria os réus mais pobres, sem recursos financeiros para apelar a tribunais superiores. “Despontarão inúmeros casos em que os réus menos favorecidos submeter-se-ão a um excesso de execução, se não vierem a ser absolvidos posteriormente”, diz a nota. Além disso, eles argumentam que a medida poderia agravar “o atual panorama do sistema carcerário brasileiro (...)a firme posição dos subscritores é pela exigência do trânsito em julgado para que se inicie o cumprimento da pena privativa de liberdade”.

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