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As campanhas espartanas que beneficiaram os candidatos ricos

Violência e doações irregulares também marcaram a disputa eleitoral nos municípios brasileiros

Policiais da Força Nacional na favela da Maré, no Rio.
Policiais da Força Nacional na favela da Maré, no Rio.F. Frazão (Ag. Brasil)

Sem entrar no mérito das discussões políticas, a campanha das eleições municipais de 2016, até o momento, pode ser sintetizada da seguinte maneira: 1) foi uma das mais baratas das últimas décadas, tendo custado 60% a menos que a de 2012, depois que o financiamento privado foi proibido. 2) Candidatos mais ricos estão entre os mais beneficiados pela proibição do financiamento empresarial – 23 milionários já foram eleitos no primeiro turno nas 92 maiores cidades brasileiras. 3) foi a mais violenta desde a redemocratização do país, com 28 homicídios de candidatos e pré-candidatos registrados; 4) Quase um terço das doações eleitorais feitas até agora tiveram alguma irregularidade, entre os doadores estão beneficiários do programa Bolsa Família e mortos.

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Com o seu tempo reduzido pela metade, aliado à proibição de financiamento por meio de empresas (pessoas jurídicas), a propaganda eleitoral foi a mais barata registrada até agora. Os dados parciais do Tribunal Superior Eleitoral demonstram que os candidatos a prefeito e vereador nas 5.568 cidades movimentaram cerca de 2,3 bilhões de reais. No pleito de 2012, foram 6,2 bilhões de reais em 90 dias de campanha. A expectativa é que os gastos cresçam até 30 de outubro nos 55 municípios onde haverá segundo turno, mas ainda assim ficarão distantes do valor registrado quatro anos atrás.

A partir do momento em que os doadores forneceram menos recursos, dois fenômenos foram notados. O primeiro foi na eleição de candidatos milionários capazes de financiar suas próprias campanhas. Os casos mais expressivos até agora foram dos prefeitos eleitos de Betim, Vittório Medioli (PHS), e de São Paulo, João Doria (PSDB). Medioli gastou 3,9 milhões de reais do próprio bolso para se eleger, enquanto Doria usou 2,9 milhões de reais, o equivalente a 40% do que ele arrecadou.

Dos 37 eleitos nesta primeira etapa nas 92 maiores cidades brasileiras, 23 são milionários – possuem mais de 1 milhão de reais em bens e recursos, segundo informaram ao Tribunal Superior Eleitoral. Este levantamento, feito pelo portal de notícias G1, revelou que a quantidade de prefeitos ricos pode chegar a 53. O EL PAÍS cruzou esses dados com o pleito de 2012 e constatou que, quatro anos atrás, nas duas etapas foram eleitos 24 prefeitos milionários. Naquele ano, o mais rico deles era Mauro Mendes (PSB), de Cuiabá. Ele havia registrado patrimônio de 116,8 milhões de reais. Agora, o mais rico é Medioli, com 325,5 milhões de reais em bens.

Dos 37 eleitos nesta primeira etapa nas 92 maiores cidades brasileiras, 23 são milionários

O segundo fenômeno resultante da torneira mais seca é a pressão para que as leis eleitorais sejam alteradas e, de alguma maneira, as empresas possam voltar a doar. A restrição no financiamento foi definida no ano passado, após o Supremo Tribunal Federal julgar procedente uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil. Uma minirreforma eleitoral aprovada no Congresso acabou reforçando essa proibição. Mas nos corredores do Legislativo (e do próprio Judiciário) há quem queira o retorno das doações. Entre os aparentes defensores dessa proposta está o presidente do TSE, Gilmar Mendes. Ele não é explícito ao ponto de dizer ser favorável à doação empresarial, mas já deu sinais de que o atual pleito, sem o dinheiro das pessoas jurídicas, está sendo um “experimento institucional”. O argumento dos defensores do retorno das doações empresariais é de que o caixa-dois (a doação não registrada) possa crescer.

O ministro da Defesa e deputado federal licenciado, Raul Jungmann (PPS-PE), fez uma análise sobre esse cenário e relacionou a violência nas eleições à restrição dos financiamentos, mas deixou claro que acredita que o veto às empresas é um caminho sem volta. Até a última semana, quase três dezenas de candidatos e pré-candidatos foram assassinados no país – ainda não é possível vincular todos esses delitos à política. Para tentar frear os casos mais graves, as forças federais precisaram atuar em 461 municípios em 14 dos 26 Estados brasileiros. O objetivo era evitar que criminosos atacassem zonas eleitorais ou forçassem eleitores a votarem em seus candidatos. A presença do crime organizado no pleito foi constantemente citada como uma das fontes de preocupação da Justiça Eleitoral.

A última característica desse pleito é o alto número de doações suspeitas. Uma parceria entre o Tribunal de Contas da União e o TSE fez com que o financiamento fosse analisado minuciosamente nas últimas semanas e assim persistirá até o fim do segundo turno. As quatro parciais divulgadas até o momento constataram que há indícios de irregularidades em 124.788 registros de doadores de campanha – em uma base de 408.878, o que equivale a 30,5% do total, de acordo com os técnicos do TCU. Entre as irregularidades estão pessoas que têm certidões de óbito registradas em seus nomes, assim como beneficiários do Bolsa Família entregando boa parte de suas pensões. A legislação determina que as pessoas físicas só podem doar até 10% de seu rendimento bruto no ano anterior ao da eleição.

Além disso, ao menos 71 candidaturas a prefeitos foram impugnadas e os resultados nesses municípios correm o risco de serem alterados. O desafio do Judiciário é acelerar esse julgamento e o do Ministério Público de analisar todas as irregularidades apontadas pelos auditores até o momento.

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