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Comemos com os olhos (e também com as orelhas, as mãos...)

Todos os sentidos afetam o sabor dos alimentos. Estudos mostram qual a influência de cada um deles

Pablo Cantó
Alfredo Lingüine, fazendo uma experiência com alguns sentidos bloqueados em 'Ratatouille'
Alfredo Lingüine, fazendo uma experiência com alguns sentidos bloqueados em 'Ratatouille'

Alguma vez você escutou a expressão “comemos com os olhos”? É verdade, mas não coloque esse sanduíche sob as pálpebras porque isso não é literal. Embora o gosto seja percebido pelas papilas gustativas da língua, estas não são as únicas responsáveis pelo sabor dos alimentos: todos os sentidos influem no modo como o percebemos, desde o olfato e o tato até o ouvido e a visão.

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Dana Small, pesquisadora em Neurologia e Fisiologia do Sabor da Universidade Yale, explica em O Sabor Está no Cérebro (tampouco é literal, nada de sanduíches dentro do crânio!) que a imagem, os sons e os cheiros são percebidos antes de a comida ser introduzida na boca e podem alterar a percepção do alimento. “Isso se deve a que esses sinais sensoriais exercem sua influência com base em associações anteriores”, explica.

Antes de prosseguir temos que distinguir entre sabor e gosto. Embora em algumas ocasiões utilizemos estas palavras como sinônimas, o gosto se refere “às reações das papilas gustativas”, explica Virginia Fernández, professora de Análise dos Alimentos, na Universidade Complutense de Madri. “Estas provocam a sensação de salgado, doce, ácido, amargo ou umami (talvez este não tenham te ensinado na escola, mas é outro dos gostos que percebemos)”. O sabor, por sua vez, “é a experiência global do gosto, tato, temperatura, visão, som e até dor e irritabilidade”. Agora, sim, vamos ver como os diferentes sentidos afetam o sabor da comida.

Olfato

Junto ao gosto, o sentido do olfato é o que mais influi no sabor dos alimentos. Os cheiros o afetam em dois momentos: primeiro, diretamente, pelo aroma que os pratos emanam e que o nariz capta. Depois, o retronasal, produzido “quando você começa a salivar e a aquecer o alimento na boca, a temperatura aumenta e novas moléculas voláteis reagem, criando novos aromas”, explica Fernández.

O sentido do olfato é o que mais influi no sabor dos alimentos

A percepção do aroma no sabor é tão importante que muitos sabores são praticamente inidentificáveis sem seu aroma. Na revista de divulgação científica Scientific American, Small propõe um experimento simples para comprovar isso:

"Tampe o nariz e coma uma jujuba [esses doces coloridos em forma de feijão, embora isso possa ser feito com qualquer guloseima] de morango, mantendo o nariz tampado. Você detectará sua doçura e um pouco de acidez, com a dura (e depois suave) sensação do doce. Com o nariz tampado, porém, você não notará o sabor de morango. Quando você destampar o nariz, permitirá que as moléculas do aroma viagem até a sua cavidade nasal e, de repente, a jujuba terá sabor de morango."

Você pode fazer a mesma experiência com sucos: com o nariz tampado, detectaremos o gosto doce, mas será muito complicado descobrir o sabor dele, a menos que vejamos uma cor, claro. Já não havíamos dito que se come com os olhos?

Só com o aroma do ‘ratatouille’, Anton Ego fica com os olhos arregalados
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Audição

O som, segundo explica a pesquisadora, condiciona em dois sentidos. “Por um lado, o som do alimento na boca e, por outro, os sons que percebemos ao nosso redor”.

Charles Spence, diretor do Crossmodal Lab de Oxford, um departamento que pesquisa a inter-relação entre os sentidos, realizou um experimento para testar como o som afeta o sabor: segundo explica o jornal britânico The Guardian, ofereceram cinder toffle (um doce de açúcar, xarope de açúcar e baunilha) a um grupo de voluntários enquanto escutavam sons em alta e baixa frequência. Quando os sons eram de alta frequência, a guloseima tinha um sabor mais doce, e na baixa, mais amargo. Depois, experimentaram-no em um restaurante, onde o teste também funcionou.

Certamente, ao longo da vida você terá escutado alguma queixa sobre a comida dos aviões. E a culpa não é sempre da comida: o ruído também pode ser culpado. Segundo um estudo intitulado Os Efeitos do Som Ambiente na Percepção da Comida, um barulho incômodo ao fundo altera a percepção da doçura, salinidade e o desfrute dos alimentos. Além disso, não afeta igualmente todos os sabores: o umami resiste melhor ao ruído que o doce ou o salgado.

Tato

Se o sorvete de Julia Roberts não estivesse frio, certamente seu sabor mudaria. E já não poderia ser chamado de “sorvete”.
Se o sorvete de Julia Roberts não estivesse frio, certamente seu sabor mudaria. E já não poderia ser chamado de “sorvete”.

A textura e a temperatura dos alimentos também influenciam de forma direta. “Em texturas viscosas, por exemplo, percebe-se menos o gosto do que em líquidos”, explica Fernández. “A mesma quantidade de açúcar dissolvida em água e em uma gelatina terá um gosto muito mais doce na água do que na gelatina".

Fernández também observa que o tato não só influi na boca, mas também nos gostos subjetivos de cada pessoa: “Determinadas texturas desagradam a muitas pessoas”, conta. “Um mesmo sabor apresentado em duas texturas diferentes pode agradar de uma forma e desagradar de outra.” Se você tem aversão aos purês, sejam do que for, aqui está a razão.

Visão

Aspectos visuais como a cor, o tom, o brilho ou até a embalagem condicionam o sabor da comida, segundo explica Virginia Fernández. “Existem pesquisas que correlacionam a cor diretamente com o sabor”, afirma. “Por exemplo, há experimentos nos quais se demonstrou que servindo o mesmo suco em um copo vermelho e em um copo azul, sente-se mais sal no do copo vermelho”.

Na mesma linha existe um teste que fez com que muitos jornais publicassem notícias garantindo que as degustações de vinho não têm muita serventia: intitula-se A Cor dos Aromas. Foi oferecido a 54 estudantes de enologia um vinho branco no qual se colocou um corante inócuo para que parecesse um tinto. Os futuros enólogos descreveram o vinho utilizando expressões típicas da análise de um tinto: fruta madura, groselha, violeta...

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