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Por que os Estados Unidos crescem tão pouco?

Crise da classe média e baixa produtividade freiam o país, apesar do pleno emprego e dos recordes de Wall Street

Amanda Mars
Estrada próxima a Williston, em Dakota do Norte.
Estrada próxima a Williston, em Dakota do Norte.ROBYN BECK (AFP)

Os funcionários da Walmart têm muita responsabilidade pelo fato de o FED (banco central norte-americano) não ter aumentado as taxas de juros na última quarta-feira. E os seus fregueses também. Maior rede de hipermercados dos Estados Unidos, a Walmart é também o maior empregador do país, e, portanto, um bom termômetro para se mediar a sua situação econômica. As vendas, em suas lojas dentro do país, acumulam oito trimestres consecutivos de crescimento, ainda que em ritmo lento, inferior a 2%, e a diminuição dos preços de alimentos têm forte impacto nos números. As famílias não gastam com satisfação e seus funcionários, apesar de algumas melhores recentes, têm, em geral, salários bastante baixos, não sendo, portanto, grandes consumidores, E sem consumidores, os ganhos das empresas é que são afetados.

Por isso, o FED prefere aguardar por mais sinais de força econômica para voltar a aumentar os juros. Se a maior potência do mundo registra uma situação praticamente de pleno emprego e Wall Street atinge ganhos recordes, por que a economia cresce de forma tão lenta?

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“Há bastante trabalho, mas os salários não aumentam, o poder aquisitivo da classe média está estagnado há 30 anos, e isso freia o crescimento”, explica Mauro Guillén, da faculdade de negócios Wharton, da Pensilvânia. Além disso, as expectativas de uma redução nos preços de produtos importantes para as famílias, como automóvel, casa e tecnologia, estão segurando muitas decisões de compras, sendo que a economia dos EUA é sustentada em 70% pelo consumo interno. “Uma economia tão dependente do consumo interno requer que a classe média se mova, pois os pobres não consomem e os ricos, embora o façam, são muito poucos”, acrescenta.

A recuperação da economia após a crise de 2008 não só tem sido a mais lenta, como também a mais pobre na história dos Estados Unidos. Para os próximos anos, não se espera um ritmo de crescimento superior a 2%. No ano passado, a taxa foi de 2,4%, mas o FED acaba de reduzir a sua expectativa em relação a 2016 (de 2% para 1,8%) e calcula mais 2% para os dois próximos exercícios. Já em 2019, o crescimento voltaria para o pobre 1,8%.

A produtividade de um iPhone

Dentre as razões para esse crescimento lento, sempre aparece a questão da produtividade. Quando o Produto Interno Bruto (PIB) de um país cresce, é porque há mais pessoas e mais capitais investidos ou porque há uma melhora na eficiência dos recursos já empregados. Nos Estados Unidos, a população não aumenta, e a que existe está praticamente toda empregada, daí uma produtividade muito contida. Além disso, como os salários são baixos, esses trabalhadores também não os revertem em consumo o suficiente para estimular o crescimento das empresas em que trabalham. “Embora em curto prazo os salários possam subir mais do que a produtividade, a médio e longo prazo isso não é sustentável”, assinala Guillén.

A produtividade aumentou apenas 0,5%, em média, nos últimos quatro anos. Se for considerada desde 1947, essa média chega a 2,1%. Patrick Newport, do IHS, admite de forma transparente que os economistas não têm conseguido compreender plenamente por que a produtividade dos EUA apresenta essa redução. Não se trata de um fenômeno exclusivamente norte-americano, já que o mesmo tem ocorrido, e até com mais intensidade, em outras economias industrializadas, como as europeias.

E há pelo menos duas teorias a respeito. Uma delas diz que, por mais impressionantes que possam ser as invenções como o iPhone ou o buscador do Google, por mais que os drones ou os carros sem motoristas nos deixem boquiabertos, o seu impacto em termos de produtividade de uma empresa é quase inexistente em comparação com o que acontecia no século passado: “O motor de combustão interno, a eletricidade, o sistema rodoviário, o avião ou a conexão das casas com os sistemas de abastecimento de água, gás e energia... tudo isso aconteceu antes de 1970”, lembra Newport.

Além disso, muitas das invenções recentes não se mostraram tão radicais em termos de produtividade quanto as inovações do passado porque, como lembra Guillén, a economia se desindustrializou, em favor de uma presença maior do setor de serviços, no qual, por ser tão dependente de mão-de-obra, é mais difícil obter avanços.

Austeridade fiscal

Também há quem afirme que não é nada fácil medir o impacto do Google como buscador ou que não somos capazes de avaliar todas as implicações de um medicamento que cura a hepatite C ou mesmo a diminuição da mortalidade infantil. Sendo um problema de produtividade ou de medição, a tendência é, de todo modo, “preocupante no longo prazo, pois a produtividade é necessária para uma melhora do nível de vida”, alerta Josh Bivens, diretor de pesquisa do Economic Policy Institute.

Se aplicada a chamada regra dos 72 –que calcula os anos necessários para duplicar um investimento ou um valor dentro de um ritmo de crescimento anual determinado--, com uma produtividade crescendo 2% ao ano o nível de vida de um país leva 36 anos para aumentar em 100%. Mas, se esse ritmo se mantém no 0,5% atual, essa mesma duplicação levará 144 anos para acontecer.

Os Estados Unidos também têm enfrentado os impactos da austeridade. Não é a mesma que foi adotada por países como a Espanha ou Portugal, mas ela é um fato, e o sua contribuição para o freio no crescimento é, para Josh Bivens, bastante subestimada. Na versão norte-americana, a austeridade fiscal tem sido imposta pela Lei de Controle Orçamentário de 2011 e tem feito diminuir muito o gasto público em comparação com outros momentos de saída de crises. O que afeta o investimento, o qual, por sua vez, afeta o consumo dos clientes da Walmart, motor de uma grande economia que já acumula vários anos de marcha lenta.

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