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Devemos fechar todos os zoológicos?

Sociedade debate o futuro desses espaços, ecoando a reivindicação dos defensores dos animais

Uma girafa do zoológico de Barcelona.Vídeo: Gianluca Battista
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Para Pedro tanto faz se passam uma, duas ou 14 crianças na sua frente. Continua deitado ao sol e seu aspecto conserva pouquíssimos traços do poderoso rinoceronte africano que foi um dia. Parece entediado e resignado a continuar assim resto de sua vida. A poucos metros, Yoyo, Susi e Bully – três velhas elefantas – compartilham um espaço cercado de 1.600 metros quadrados e balançam o corpo de vez em quando no que os especialistas denominam estereotipias, tiques provocados pela vida em cativeiro. A imagem poderia ser utilizada para criticar a vida dos animais de um zoológico. Se contarmos sua história, no entanto, também serviria para defender o lado oposto no complexo debate sobre o futuro de instalações que recebem 700 milhões de visitantes por ano, mas cujo sentido é cada vez mais questionado, pondo em discussão o bem-estar dos mais de 3,5 milhões de animais (segundo dados do sistema de contabilização Zims) que mantêm em todo mundo.

A verdade é que as elefantas balançam o corpo dessa forma porque chegaram ao zoológico depois de anos em um circo que as maltratava e as confinava em espaços hiper-reduzidos. Como o rinoceronte branco, que tem mais de 40 anos. Passaram da idade reprodutiva, recebem cuidados o dia todo e, muitas vezes, à noite também, explica o tratador Pep Xarles, que trabalha há mais de 30 anos no Zoológico de Barcelona. Como os demais funcionários, não entende o que leva algumas pessoas a questionar o seu trabalho e o do zoológico. Admite, entretanto, que esses lugares, surgidos entre o século XVIII e XIX, profundamente ligados ao colonialismo e aos descobrimentos, devem continuar evoluindo. A questão é em que direção.

Os Zoológicos do mundo mantêm 3,5 milhões de animais e recebem 700 milhões de visitantes por ano

Os 340 membros da Associação Europeia de Zoológicos e Aquários (EAZA) são regidos por um estatuto comum e, teoricamente, têm como objetivos a conservação, a pesquisa e a educação. Mas além das deficiências em tamanho, benefícios ou investimento, ou da gradual erradicação dos espetáculos, existem espaços, fora dos 1.300 registrados em associações profissionais, que ficam à margem desse controle. O mais criticado na Espanha é o de Castellar de la Frontera, que organizações de defesa animal acusam de criar animais com o único propósito de aumentar as visitas e os lucros. Por várias vezes este jornal tentou, sem sucesso, contatar a empresa. “Não contribuem absolutamente em nada para a conservação. Permitem atividades prejudiciais como tocar nos animais. Isso sim é um circo. É martirizar o animal e tem um impacto pedagógico nefasto”, assinala Alberto Díaz, porta-voz do Info Zoos, uma plataforma que controla e promove a evolução dessas instituições.

A FAVOR

Jordi Serrallonga, arqueólogo, naturalista e professor da Universitat Autónoma de Barcelona e da Universitat Oberta de Catalunya.

Jordi Serrallonga
Jordi Serrallonga

A maioria dos primatólogos – para não dizer todos – se formou em instituições desse tipo.

Grandes especialistas como o primatólogo e estudioso do comportamento animal Frans de Waal apontam que existem diferentes tipos de zoológicos, mas não têm dúvida sobre a utilidade daqueles considerados “bons”. “Os que não cumprem os padrões porque são pequenos, têm muita interação com o público, ou realizam pouco esforço pedagógico precisam ser fechados. Mas os bons zoológicos têm lugar em todas as cidades. Aproximam as crianças da natureza e educam a respeito dos animais exóticos muito melhor que qualquer vídeo. Conscientizam as pessoas do valor desses animais, e podem ajudar na sua conservação”, explica por e-mail.

CONTRA

Leonardo Anselmi, porta-voz de Plataforma ZOOXXI.

Leonardo Anselmi
Leonardo Anselmi
Até agora, os zoológicos não souberam oferecer uma justificativa para opor-se a uma reconversão, adaptando-se aos valores do século XXI.

Na visão dos defensores dos animais, contudo, isso não é suficiente. A ideia do fechamento total dos zoológicos praticamente desapareceu de sua agenda – o destino desses animais seria ainda mais incerto –, embora já tenha acontecido em cidades como Buenos Aires. Mas continuam divergindo de sua função na forma como estão constituídos hoje. O Zoo XXI é um projeto coordenado por Leo Anselmi, financiado por várias fundações, partidos políticos como o ERC e a associação Libera. Em plena tempestade em torno do possível fechamento do delfinário de Barcelona devido a suas escassas garantias de bem-estar para os cetáceos, o grupo está há meses elaborando um projeto para o zoológico do futuro e pretende convertê-lo em uma iniciativa civil a ser debatida na Prefeitura de Barcelona. “Somos a favor de planos de conservação in loco [no lugar de onde procedem as espécies], criar um modelo de reprodução nesses espaços com um hábitat para protegê-los. E como isso seria financiado? Nossa proposta é utilizar as novas tecnologias para mostrar os planos de conservação que estamos fazendo, que seriam filmados com tecnologias envolventes, narrados por biólogos e exibidos nos zoológicos do futuro”, diz Anselmi sobre a substituição da experiência do contato com animais pelo relato virtual.

Visitantes do zoológico de Barcelona observam um urso.
Visitantes do zoológico de Barcelona observam um urso.Gianluca Battista

Funcionários dos zoológicos recordam que existem mais de 17.000 espécies ameaçadas de extinção e que seu trabalho também consiste em manter exemplares saudáveis de cada uma delas, afirma Jesús Fernández, presidente da AIZA, a associação ibérica desse setor. Ainda assim, o veterinário de formação reconhece que os zoológicos modernos continuarão evoluindo. A diretora do zoológico de Barcelona, Carme Lanuza, aponta o caminho: menos animais, menos espécies, mais espaço e um modelo mais fundamentado na conservação e na pedagogia. As estatísticas nesse sentido são contraditórias e não servem de respaldo a nenhum dos lados.

O rinoceronte Pedro, no zoológico de Barcelona.
O rinoceronte Pedro, no zoológico de Barcelona.G. B.

Um relatório sobre os zoológicos da UE elaborado pela Born Free Foundation, uma sociedade britânica que pesquisa a situação dos animais em cativeiro, concluía que apenas 0,23% dos animais enjaulados na Europa estão extintos na natureza, 3,53% estão em grave perigo de extinção e 6,28% em perigo. Por outro lado, também existem zoológicos modelares como o Gerald Durrell na ilha de Jersey, onde as estatísticas se invertem em até 90%. A instituição mantém projetos em 18 países e foi capaz de reintroduzir numerosas espécies como o mico-leão-dourado, a pomba-rosada da ilha Maurício, os morcegos da ilha Rodrigues, os íbis calvos de Marrocos ou espécies da fauna local de Jersey.

Os defensores dos animais renunciam ao fechamento total dos zoológicos, mas querem transformá-los em lugares mais pedagógicos, científicos e dedicados à conservação in loco

Para associações desse tipo, como a FAADA, os zoológicos promovem uma mercantilização dos animais e uma mascotização da vida selvagem que deforma a mensagem pedagógica, aponta a bióloga Andrea Torres. Dar nomes a orcas, gorilas ou ursos panda, ou anunciá-los no metrô como atração turística não contribui para conferir maior peso científico a essas instituições. A maioria (especialmente as filiadas à EAZA) não realizam mais espetáculos com cetáceos, mas a questão se concentra principalmente em eliminar a criação de espécies que nunca serão reintroduzidas em seu meio natural. Pouquíssimos zoológicos são capazes de implementar um programa in loco com as espécies ameaçadas ou reintroduzi-las em seu hábitat natural (o zoológico de Barcelona o faz atualmente com a gazela-dorcas saariana, e investe 300.000 euros por ano em programas desse tipo).

No entanto, além das irrefutáveis questões éticas levantadas pela vida de animais selvagens em cativeiro, diversos fatores obrigam a perguntar se cada espécime criado ou cuidado em um zoológico sofre ou tem uma vida pior que em seu entorno natural. Não há dúvida de que algumas espécies se adaptam melhor, como os babuínos, diz De Waal. “Não há evidência de que sejam menos felizes”, afirma. E animais como os tigres, as orcas ou os elefantes? Nesse caso a longevidade, afirma o cientista, poderia servir como medida. A maioria dos primatas vive mais tempo em cativeiro que em liberdade, já no caso das orcas e dos elefantes isso não está tão claro e os estudos são contraditórios. Enfim, a contribuição científica e pedagógica do projeto, justamente o assunto em questão quando se fala em melhorar a vida de Pedro, Susi ou Yoyo, parece a única maneira de medir a conveniência de sua reclusão.

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