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“A reorganização escolar foi feita em gabinete, sem se abrir à discussão”

Segundo Nalini, o movimento de ocupações nas escolas não se repetirá contra a reforma do Ensino Médio porque "nada se fará sem a participação dos alunos"

Marina Rossi

Um ano após as ocupações nas escolas no Estado de São Paulo realizadas pelos secundaristas contrários à reorganização escolar, o secretário de Educação do Estado, José Renato Nalini, 70, afirma não saber do que se tratava o projeto. A proposta do Governo Alckmin de transformar diversas escolas em ciclos únicos e fechar ao menos 92 delas transformou-se em uma das maiores crises da gestão tucana.

José Renato Nalini, secretário de Educação de São Paulo.
José Renato Nalini, secretário de Educação de São Paulo.Luis Simione
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Culminou com a saída do então titular da Pasta, Herman Woorvald, no mesmo dia em que o Governo recuou e suspendeu, por ao menos um ano, a implantação do projeto que forçaria a transferência de milhares de alunos de suas escolas. Passado-se esse tempo, Nalini, que assumiu a secretaria no início de fevereiro, afirma que não há conversas dentro do Governo sobre a retomada da reorganização escolar. Esse foi um dos temas tratados nesta entrevista concedida pelo secretário, que até o ano passado era desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Pergunta. No início do ano o senhor disse ao jornal Folha de S. Paulo que se a escola não quiser a reorganização escolar, então não haverá. O senhor já descobriu o que a escola quer nesses seis meses de gestão?

Resposta. A reorganização ficou suspensa. Quando eu aceitei o convite do governador, ele me disse que havia, por um decreto de dezembro [de 2015], suspenso por um ano a reorganização. Então eu não estou cuidando de reorganização porque estou achando que até dezembro é um assunto que não vai ser mencionado. Mas isso não impede que se discuta. Nunca me recusei a falar sobre isso. Eu não tive acesso ao material sobre a reorganização. E ao que se sabe, nem a secretária-adjunta [Cleide Bauab Eid Bochixio] teve acesso. Ela, por várias vezes, perguntou se podia ter conhecimento dos detalhes da reorganização e a assessoria, que ficava nessa sala [aponta para uma porta atrás dele, dentro do seu gabinete] dizia que era sigilosa. Ninguém me entregou um dossiê sobre a reorganização.

P. Por que o senhor acha que foi assim?

R. Porque essa reorganização foi feita em gabinete, sem se abrir à discussão. Isso é só percepção, porque eu também não tive transmissão de cargo. Eu cheguei aqui sozinho, o secretário [Herman Woorvald] não estava mais. Eu não pude conversar com ele para saber. [Woorvald deixou o cargo em dezembro do ano passado, após o anúncio da suspensão da reorganização escolar. Nalini só tomou posse em fevereiro deste ano].

P. Não houve uma conversa do senhor com o ex-secretário?

R. Não. Depois de alguns meses que eu estava aqui, eu soube que ele estava no prédio e o chamei para cumprimentá-lo pelo trabalho que ele tinha feito. Eu vi que ele visitou todas as diretorias, que ele fez uma pesquisa... Tanto que eu falava em diálogo, mas diálogo ele já fez. Então, até como cidadão eu disse ‘quero cumprimenta-lo porque o senhor fez um trabalho muito consistente na rede ouvindo a rede’. Mas foi uma coisa informal, eu não conversei...

P. Nem mesmo com o governador o senhor tratou do assunto da reorganização?

R. Não. A minha percepção é que a reorganização teve vários focos. Um, que foi noticiado, seria dividir os ciclos.

P. O ciclo único, certo?

R. É. Fazer com que jovens não partilhassem do mesmo espaço que crianças novas.

P. E o que senhor acha disso?

R. Eu não tenho nenhuma convicção ainda. Porque eu já ou vi todos os lados. Sei do lado pragmático, de pais que têm filhos em idades diferentes então eles querem que fiquem na mesma escola. Ouço, que em países que nós deveríamos copiar em termos de avaliação, que a separação é boa porque você pode ter um tratamento compatível com a faixa etária sem a necessidade de administrar uma... Na verdade eu não tenho ponto de vista formado. Estou ouvindo e sei que nem há um consenso. Se houvesse um consenso, né? A segunda questão é da redução da demanda. E isso não somos nós que estamos inventando. Tínhamos oito milhões de alunos, depois passou para seis milhões e agora tem menos de quatro milhões. Um dos objetivos foi tentar racionalizar, concentrar o alunado naquela escola que tivesse ociosidade e isso implicaria na desocupação de alguns edifícios.

"Eu não tive acesso ao material sobre a reorganização. E ao que se sabe, nem a secretária-adjunta teve acesso. Ela várias vezes perguntou se podia ter conhecimento dos detalhes da reorganização e a assessoria dizia que era sigilosa. Ninguém me entregou um dossiê sobre a reorganização"

P. Na época da discussão sobre a reorganização, um dos maiores argumentos do Governo era que as escolas de ciclo único apresentavam melhores resultados. Inclusive a secretaria de Educação dizia haver um estudo que apontavam para esses desempenhos melhores. O senhor teve acesso a esse estudo?

R. Não tive acesso. Nem sei se existe isso. Eu já pedi para a coordenadoria pedagógica que me mostrasse isso. Mas aqui na secretaria, cada dia você tem que enfrentar um problema... Mas eu continuo dizendo: se houver uma diretoria de Ensino que me disser que aqui toda a comunidade está de acordo de que pode haver uma mudança, por que não fazer? Mas para saber se isso é viável, estamos investindo em outras frentes, como por exemplo, a gestão democrática.

P. Que funciona como?

R. É um projeto extremamente ambicioso. A primeira parte foi ouvir o alunado. Não através da secretaria, mas através de ONG que não tem vinculação conosco. O Instituto Inspirare ouviu 132.000 alunos. Outro passo é que nós oferecemos a oportunidade de os grêmios fazerem uma eleição mais ou menos com o mesmo cronograma para não haver uma gestão que começa aqui, outra que começa lá. E mais de 90% das escolas fizeram. Ao mesmo tempo, estamos tentando mudar os estatutos dos grêmios, os regimentos das escolas, vitaminar as associações de pais e mestres....

P. Mas o grêmio não deveria ser mais independente? A secretaria mudar o estatuto não tira a autonomia?

R. Quem quiser, pode. Se você tiver outra ideia, toda criatividade é bem-vinda. Mas se você quiser uma minuta, um projeto, um esboço, nós também oferecemos. Ninguém coibiu ninguém. Não há grêmio chapa branca. Nós achamos que uma das formas de o alunado participar é pelo grêmio, mas se quiserem outras coisas... Por isso que estamos pensando em rever o conselho escolar, a associação de pais e mestres...

P. O senhor tem bastante ambição para tão pouco tempo, não?

"Nada se fará sem a participação dos principais interessados e destinatários da reforma [do Ensino Médio], que são os próprios alunos"

R. Mas sabe o que acontece? Como é o seu nome?

R. Marina

P. Então, eu venho do direito, Marina. Antes de eu vir pra cá, eu fui ver o que a Constituição fala a respeito da educação. Meu catecismo é a Constituição, que é um pacto que é supragovernamental, supranacional, supraestatal, é aquela aliança que a comunidade faz num momento histórico sobre o que ela pensa de alguns temas. E o constituinte é o único poder soberano. Ele pode tudo. O que a Constituição diz sobre a educação? Que é direito de todos, mas é dever do Estado, da família e da sociedade. O Estado está fazendo a parte dele, que é reservar 31% do orçamento. Agora, nós precisamos fazer com que a sociedade se interesse pela escola. Aliás, a Lei de Diretrizes e Bases diz ‘a família em primeiro lugar’. Depois sociedade e Estado. A família tem aquela responsabilidade que chamamos de currículo oculto. A sociedade não pode esperar que a escola resolva todos os problemas. E a boa família tem que acompanhar.

P. No início do ano, o senhor chegou a dizer que "sonha" com uma escola em que a merenda seja feita pelas mães. Acredita que essa é uma boa maneira de a família se envolver com a escola? Não acha que esse envolvimento é uma maneira de terceirizar as obrigações do Estado?

R. Não fui eu quem defendeu, embora não hesitasse em repetir aquilo que a Constituição da República prevê no artigo 205: educação é direito de todos, mas dever do Estado, da família e da sociedade. Continuo a pensar que a proximidade da família ajuda a escola a melhor servir às suas finalidades. Não se propõe que o Estado decline de suas responsabilidades. Por sinal, São Paulo continua reservando 31% do seu orçamento para a educação. Mas a participação da comunidade familiar e da sociedade junto à escola só servirá para mostrar que ela é o centro de convergência dos interesses da localidade onde ela se situa. Toda participação com vistas ao aprimoramento do processo de ensino/aprendizagem é bem vinda. Inclusive a atuação mais próxima das mães junto ao setor de alimentação escolar. Quem melhor do que a mãe para aferir se o filho está sendo bem atendido em todas as suas necessidades dentro da escola?

[de acordo com matéria publicada pelo jornal O Estado de São Paulo no dia 15 de março deste ano, Nalini disse: “Nada como as mães para acompanhar como é que está a merenda do seu filho. Eu sonho com uma escola em que houvesse uma horta, houvesse um galinheiro, e que a merenda fosse feita e elaborada pelas mães. Há comida feita com mais amor do que pelas mães?”]

P. No ano passado, enquanto os alunos ocupavam escolas aqui contra a reorganização escolar, em Goiânia os secundaristas ocuparam contra o projeto do Governo passar a administração das escolas para Organizações Sociais (OS). Muitos especialistas dizem que Goiás é o Estado piloto para testar as OS na educação. Existe esse plano aqui em São Paulo?

R. Não. Até porque, temos um período muito curto. Eu fui convidado por um governador que teria em tese 2017 e 2018 de gestão. É lógico que eu não paralisei nada do que está em andamento, mas no processo pedagógico. Eu quero chamar a atenção da sociedade para que a família se aproxime da escola. Mas nunca se falou nisso [OS]. Aliás, posso dizer que OS é uma coisa que o nosso Governo aqui não encara com muita simpatia.

P. Por quê?

"A sociedade não pode esperar que a escola resolva todos os problemas. E a boa família tem que acompanhar"

R. Porque, pelo que eu escuto, ela remunera de uma forma que o Estado não consegue remunerar. Quando o Estado está com uma restrição de insuficiência orçamentária, as OS não tomam conhecimento. Elas seguem com uma remuneração que cria um descompasso. Não há essa política aqui. E nem sei se está dando certo lá em Goiás.

P. A reforma do Ensino Médio trouxe muitas dúvidas e questionamentos. De maneira geral, como o senhor avalia a MP anunciada?

R. A revisão da sistemática do Ensino Médio é uma reivindicação antiga do alunado. Tanto que o Projeto de Lei contendo o resultado de ampla pesquisa e discussão encontra-se no Parlamento desde 2013. Nada obstante a valia e legitimidade da proposta, a dimensão da Rede Pública de Educação de São Paulo reclama um planejamento consistente, antecedido de consulta a todos os interessados: alunos, professores, diretores, supervisores, coordenadores, dirigentes, funcionários e demais colegiados: Grêmios, Associação de Pais e Mestres, Conselho Escolar. A comunidade pode ficar tranquila que nada se fará de forma abrupta e sem democrática participação de todos aqueles que serão afetados pela reforma.

P. Uma das críticas foi de que a reforma não foi previamente discutida com a comunidade escolar, algo muito parecido com o que diziam na época da reorganização escolar em São Paulo. O senhor acha que faltou discussão?

R. Na verdade, a discussão antecedeu a elaboração do Projeto de Lei. Nada obstante, a Secretaria da Educação de São Paulo fará nova enquete e propiciará a toda a comunidade a oportunidade de rediscutir e de debater em plenitude a reforma e seu alcance.

P. Os estudantes de São Paulo foram às ruas na mesma semana do anúncio, contrários à reforma. O senhor acha que as mudanças podem gerar uma nova onda de ocupação nas escolas do Estado?

R. Acredito que não, depois de o alunado ser cientificado de que nada se fará sem a participação dos principais interessados e destinatários da reforma, que são os próprios alunos.

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