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América Latina participa da campanha eleitoral dos EUA à revelia

Certas promessas eleitorais deixam a região, que é muito dependente dos Estados Unidos, apreensiva

Silvia Ayuso

Donald Trump construiu a sua campanha na corrida pela Casa Branca atacando os imigrantes hispânicos e prometendo construir um muro na fronteira com o México. E conseguiu até mesmo destruir o núcleo do gabinete de Enrique Peña Nieto. A candidata democrata, Hillary Clinton, denunciou essas manobras de seu adversário republicano como sendo demonstrações da incapacidade de Trump de ser um líder mundial, mas, como ele, também adotou um posicionamento mais protecionista que causa apreensão nos aliados latino-americanos, para os quais os Estados Unidos são um parceiro comercial essencial.

O presidente mexicano e o candidato republicano, Trump, no México
O presidente mexicano e o candidato republicano, Trump, no MéxicoAFP

A América Latina costuma se queixar do pouco espaço que ocupa no discurso político norte-americano. Agora, porém, a região está na boca de todos, embora não da forma como ela gostaria. Em Washington, também há uma preocupação com uma narrativa eleitoral que poderia ter consequências negativas para além das eleições de 8 de novembro. Em todas as capitais, discute-se como encarar uma questão teoricamente nacional, mas que tem repercussões em todo o hemisfério ocidental.

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“Para nós, a eleição de um presidente dos EUA é muito importante, pois é um país que tem relações muito especiais com a América Latina, e essas reações fazem com que o presidente tenha um papel muito importante no que se refere ao posicionamento a ser adotado nas relações com a região”, afirma o secretário-geral ibero-americano Enrique Iglesias, ex-diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

A isso se soma o fato de que a proposta de Trump de construir um muro e deportar 11 milhões de pessoas sem documentos não vai de encontro apenas ao México. “É uma mensagem para toda a região”, alerta Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano. “Existe uma grande preocupação de que esse senhor possa chegar à Casa Branca e adotar medidas bastante contrárias à região”.

Considerando o que está em jogo, o encontro desastroso do presidente do México com Trump deveria servir de “sinal de alerta para outros governos no sentido de não se meter na política interna norte-americana”, adverte Dan Restrepo, do Center for American Progress e ex-assessor de Barack Obama para a América Latina.

“A ideia de um país se meter na política interna de outro país nunca foi boa. E não o é, em especial, em um ano como este, em que o caso da política externa dos candidatos diz mais a respeito de seu temperamento e personalidade do que se vão fazer X, Y ou Z com o país A, B ou C”.

Protecionismo, outra fonte de preocupação

Com os ânimos tão exaltados, a aproximação, por parte de representantes latino-americanos, dos dois candidatos está sendo realizada, à exceção do caso mexicano, ou justamente a partir dele, com extrema discrição. Nos meios diplomáticos, são poucos aqueles que admitem abertamente aquilo o que pensam por trás de um sorriso silencioso: que Hillary Clinton é a candidata preferida da região. Ainda assim, nem mesmo a democrata é vista como algo ideal. Sua mudança de posição em relação aos tratados de livre comércio, sob pressão da esquerda de seu partido, causa preocupação em um continente que mantém incontáveis laços comerciais com os EUA, afirma Enrique Iglesias. “Espero que aqui essa discussão, quando chegar à cadeira do presidente, qualquer que seja ele, entenda que os EUA também precisam de relações intensas, comerciais e que, nesse sentido, a América Latina continua a ser um continente muito importante para os EUA, assim como os EUA são muito importantes para a América Latina”.,

"A América Latina se pergunta como é possível que esse senhor use esse tipo de discurso sem que haja nenhuma reação mais contundente por parte de outras lideranças da sociedade"

Para Restrepo, no entanto, essa questão “é mais do que apenas conjuntural” e continuará a estar colocada durante o próximo governo. “Não houve uma aceitação desses acordos por parte da população e creio ser urgente que a classe política se dê conta da preocupação despertada pela globalização, se adapte a essa realidade e pare de achar que pode continuar a agir sem pagar um preço político ou sofrer um repúdio aberto a determinados tratados”, alerta.

Há um outro elemento que também perdurará após as eleições de novembro e que, para Michael Shifter, deveria ser objeto de reflexão de toda a classe política: nem na América Latina, nem em outras regiões do mundo se entende a “relativa indiferença, o silêncio da sociedade norte-americana” diante dos “repetidos ataques e da retórica racista” de Trump.

“A América Latina se pergunta como é possível que esse senhor use esse tipo de discurso sem que haja nenhuma reação mais contundente por parte de outras lideranças da sociedade dos EUA”, destaca. O que levanta uma interrogação bastante razoável sobre o quanto seria verdadeira a relação ”entre iguais” que o Governo Obama adotou como uma nova política para a região. “Trata-se de um prejuízo que levará muito tempo para ser recuperado”.

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