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As sete vidas de Fernando Rufino, o caubói da paracanoagem

Atleta conquistou vaga para os Paralímpicos, mas foi obrigado a abandoná-la por um problema no coração

María Martín
Fernando Rufino, o 'cowboy' da paracanoagem.
Fernando Rufino, o 'cowboy' da paracanoagem.CPB
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Apesar de sua fé em Deus, o canoísta Fernando Rufino (Mato Grosso do Sul, 1985), o Cowboy, não gosta de dizer que está vivo por um milagre, mas a morte o procurou tantas vezes que, sim, ele acredita que deve ter uma “missão”. Amante do rodeio, caiu aos 21 anos do touro Furacão, que pisoteou sua cabeça e lhe quebrou o maxilar, mas 40 dias depois já estava domando o bicho de novo. Um ano depois, viajando em um ônibus com a porta aberta, escorregou para fora e o veículo o atropelou provocando-lhe a lesão de medula que o deixou em coma e o mantêm em uma cadeira de rodas até hoje. Meses depois se estatelou em uma árvore quando viajava a 100 quilômetros por hora na garupa de uma moto. Quebrou uma perna. Seu último cara a cara com a morte veio pouco depois, em forma de raio que atingiu a casa dos pais e o machucou, deixando-o com tremedeira durante dias.

Fernando tinha garantida sua vaga nos Jogos Paralímpicos do Rio na paracanoagem desde 2015 mas, poucos dias antes do evento, os médicos o proibiram de participar por problemas cardíacos: seu coração dispara até em repouso. Hoje é convidado do Comitê Paralímpico Brasileiro e acompanha as competições da cadeira. “É a quinta vez que chorei na minha vida”, afirma alguém que não foi criado para soltar muitas lágrimas. “Só choro por coisa muito forte, quando morreu meu avô, quando meu irmão saiu de casa para se casar ou quando sofri o acidente que me deixou assim... Me dediquei quatro anos ao treino, à dieta, deixei minha família, meu gado, meu sítio para morar em cidade pela primeira vez. Fiquei muito triste”.

O sonho do hoje atleta, desde que começou a montar touros de mais de mil quilos, nunca foram as medalhas. Ele não era um sujeito de disciplina, exercícios convencionais, ou muito menos de dietas. Treinava sua velocidade agarrando o rabo dos bois em plena corrida, arrancava árvores com os braços ou puxava veículos pesados. As feridas na sua infância – que foram várias e graves – eram operadas na mesa de cozinha, com alicates, álcool e sal, agulha de costura e remédio veterinário. O hospital ficava longe demais. “O que eu queria era ir aos Estados Unidos. Eu me considerei sempre muito burro para estudar, mas tinha muita força física construída no mato e era bom competindo em qualquer coisa. Ai pensei que, se eu me tornasse o melhor caubói do país, poderia cumprir esse sonho. Toda vez que ia ao rodeio as luzes de Las Vegas piscavam na minha cabeça e ainda me pagavam bem”, explica na Vila dos Atletas, vestido com a camisa verde fluorescente do time do Brasil e coberto com seu chapéu preto de “verdadeiro sertanejo”.

As luzes da capital norte-americana dos rodeios se desfizeram todas ao mesmo tempo após o brutal acidente de ônibus, mas Fernando continuava empenhado em viajar o mundo. Durante os exercícios de educação física que fazia para sua reabilitação em um hospital de Brasília, um médico, que o via organizar corridas na sua cadeira de rodas contra os doutores, lhe deu uma “lista infinita” de esportes que poderia começar a praticar. “Achava todos chatos. Tentei o basquete, passava por cima de todos, mas me frustrava porque não era capaz de encaixar uma bola no cesto. Outros como o arco e flecha não são para mim. Eu quebraria o arco, entende? Não tenho muita paciência, não”, diz. “Mas aí eu perguntei: qual desses esportes me leva para os Estados Unidos? Me responderam que todos, se eu fosse o melhor do país. Sei que vai soar arrogante, mas eu sabia que podia sê-lo”.

Fernando encontrou, finalmente, na canoa um touro ao qual domar, pois começou caindo na água como um novato. “O que hoje significa a canoagem para mim, era o que o touro era na minha vida antes do acidente. Eu amava”. Com apenas quatro anos de competição, hoje é três vezes campeão brasileiro e coleciona um ouro nos Jogos Pan-Americanos, no México, uma prata e um bronze nos Campeonatos Mundiais, na Rússia e na Itália, o título de vice-campeão do Campeonato Europeu de Paracanoagem, na República Tcheca, e o ouro no Campeonato Sul-Americano. O desafio olímpico fica, dessa vez, para 2020. Há, no entanto, algo que ainda não conquistou, e não é uma medalha paralímpica. “Ainda não fui para os Estados Unidos e não vou parar até conseguir.”

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