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Automutilação e práticas de tortura, o ‘doping’ dos atletas paralímpicos

Alguns atletas se lesionam para estimular a pressão sanguínea e aumentar seu rendimento Comitê Paralímpico Internacional adota parâmetros mais severos para punir quem usa a técnica

María Martín
Os 100m T53 é uma disciplina que permite competir a atletas com lesões medulares.
Os 100m T53 é uma disciplina que permite competir a atletas com lesões medulares.Atsushi Tomura
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Estrangular os testículos, colocar alfinetes neles, fraturar o dedão do pé, aplicar choques elétricos nas extremidades ou obstruir o cateter para levar a bexiga ao seu limite viraram alternativas ao doping para alguns atletas paralímpicos. Os brutais atalhos, batizados de boosting (da palavra impulsionar, em inglês), aumentam artificialmente o rendimento de atletas com lesões na medula espinal e paralisia e insensibilidade nos membros inferiores. Seus corpos, apesar do esforço durante uma competição, não costumam reagir igual aos de outros esportistas com outras deficiencias físicas e sofrem de hipotensão, o coração não acompanha a intensidade do exercício e sua capacidade física fica diminuída. Ao se lesionarem ou forçarem sua bexiga, eles não sentem a dor ou o desconforto, mas seu corpo sim reage ao estímulo aumentando a pressão arterial, levando mais oxigênio aos músculos e incrementando a resistência o que, na prática, pode aumentar cerca 10% o rendimento do atleta, especialmente em corridas de larga distância sobre cadeira de rodas, afirmam estudos.

A prática, descoberta nos anos 90 e proibida pelo Comitê Paralímpico Internacional (CPI) desde 1994, está sendo mais perseguida do que nunca nos Jogos Paralímpicos do Rio, após a instituição endurecer os parâmetros para detectá-la. Até abril eram considerados suspeitos e proibidos de competir os atletas que após a medição da sua pressão sanguínea mostravam níveis acima dos 180 mmHg (pressão arterial sistólica), mas hoje, após a análise em profundidade de dados de 160 atletas durante vários anos, serão investigados os resultados acima de 160 mmHG. Em termos gerais, considera-se que uma pessoa sofre de hipertensão a partir dos 140 mmHG.

A falta de conhecimento e dados sobre o boosting deu margem para os atletas esquivarem durante anos as restrições das autoridades. Em Pequim 2008 foram realizados 37 testes e em Londres 2012 outros 41, mas não foram registrados casos positivos, embora isso não signifique que não houvesse. “Se um atleta sabe que tomando 10 copos de água vai dar positivo, ele vai beber 9,9. Por isso era importante reduzir a margem. Nos mundiais já percebemos que havia atletas que superavam os 160 mmHG, que é um nível incomum, e não necessariamente aportavam uma explicação razoável”, explica um dos médicos do Comitê Paralímpico Internacional, o belga Peter Van de Vliet. “Além das provas médicas, estaremos atentos diante de atletas que mostrarem excessiva sudoração, estejam com atitude suspeita ou se mostrem alterados”, complementa Van de Vliet.

O boosting, que provoca um estado chamado entre os médicos de hiperreflexia autônoma, pode ter consequências gravíssimas para o atleta provocando acidentes cerebrovasculares e inclusive a morte. Apesar dos riscos, uma investigação feita em parceria com a Agência Mundial Antidoping (AMA) e o Comitê Paralímpico com dados de 2007 e 2009 confirmou que cerca do 17% dos 99 atletas participantes do estudo tinham recorrido à prática para melhorar o rendimento durante os treinos ou as competições.

As auto-lesões podem ter ainda mais adeptos e envolver até 30% dos atletas, disse à BBC durante os Jogos de Londres em 2012 o médico Andrei Krassioukov, o principal estudioso da materia. "Há uma desvantagem entre paralímpicos que têm pressão arterial normal e aqueles que não, e isso coloca um número significativo de atletas em desvantagem. Como médico entendo totalmente por que esses atletas estão fazendo isso, mas como cientista estou horrorizado”, explicou na época.

Os principais esportes onde busca-se um aumento artificial da pressão arterial são o atletismo, o ciclismo em bicicletas impulsionadas pelas mãos ou rugby em cadeira de rodas. O próprio rugby ilustra a complexidade de detectar e punir o boosting, pois a pressão das sujeições dos atletas às cadeiras de rodas pode, involuntariamente, provocar os mesmo efeitos que as lesões auto-infligidas. Outras atividades mais comuns como a prática de sexo e queimaduras solares podem também provocar um estado mais leve de hiperreflexia autônoma. “A prática só é punida se for intencional”, esclarece o doutor do CPI, que já foi treinador de rugby para atletas paralímpicos. O médico não revela quantos testes serão realizados no Rio, mas adverte que a organização, e ele, já estão de olho.

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