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Coluna
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A classe C, uma bomba-relógio

Nada mais grave e perigoso do que quando toda uma classe social perde a ilusão e a esperança de melhorar

Juan Arias
Rua 25 de março, um dos maiores centros comerciais do Brasil
Rua 25 de março, um dos maiores centros comerciais do BrasilB. MARTIN

Os ajustes fiscais e as reformas previdenciária e trabalhista que estão em curso podem se tornar uma bomba-relógio para a classe C, os 40 milhões saídos da miséria.

Essas mudanças são inevitáveis para salvar uma economia em profunda crise e mergulhada numa das maiores recessões já vividas pelo país.

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O governo deveria, entretanto, estar alerta para que o peso de tais medidas de austeridade não golpeiem sobretudo essas milhões de famílias conhecidas como classe C, que são as que já estão sofrendo as maiores consequências da crise.

Trata-se, além disso, de uma classe fadada a ter um papel importante no futuro deste país, e a que mais cresce.

O jornal O Globo está publicando uma investigação sobre como a crise econômica afeta as diferentes camadas sociais. Dos relatos das famílias se deduz que, enquanto a classe média mais remediada corta gastos supérfluos, como refeições fora de casa e viagens ao exterior, a classe C corta na própria carne: o prato de comida de cada dia, o filho que precisa abandonar um curso técnico ou a faculdade, ou a máquina de lavar que quebrou e não pode ser consertada.

Essa classe C, dizem os especialistas em análise social, “está perdendo o sonho” que já acreditava ser realidade, o de começar não só a ter o que nunca tiveram, como também o que seus amigos de classe média já possuem.

Se o Governo ignorar essa classe social neste momento, estará brincando com fogo. Como me dizia tempos atrás numa entrevista um ex-ministro de Lula e Dilma, o filósofo Mangabeira Unger, da Universidade Harvard, essa nova classe social egressa da miséria, sobretudo os jovens, são “quem mais tem vontade de vencer”. Ele me contava que havia percorrido todo o Nordeste pobre do país e notara que ali está em ebulição o desejo dessas famílias de se abrirem a novos caminhos. Que os jovens que já estudam e até frequentam alguma universidade sonham com uma empresa própria, com entrar na tecnologia ou um dia viajar ao exterior.

O desemprego, por exemplo, não deveria atingir essa classe C, se não quisermos que ela continue sendo uma classe média que se limita a amontoar geladeiras, celulares e carros de segunda mão, pagos em oito anos

Trata-se, fora isso, da classe que mais cresce, e a pirâmide social poderá ficar cada vez mais empinada, se a crise não frustrar suas aspirações.

Daí a responsabilidade do Governo Temer, hoje, e dos que vierem a sucedê-lo, de não frustrar os sonhos desse componente social que é como um fermento que está fazendo crescer toda a classe média. Essa classe média que já é maioria no país, apesar de a minoria de ricos – a quem a crise nem roça, e que pode inclusive enriquecê-los mais – acumular a maior parte da riqueza do país.

E essa classe C não será salva só tendo as portas abertas para os bens de consumo. Isso pode ter sido o primeiro passo. Eles mesmos dizem que querem mais, que não lhes basta o Bolsa Família, que querem se preparar cultural e tecnicamente para prosperar pelas próprias mãos, com o orgulho de poderem também chegar à Terra Prometida, o que para os seus pais sempre pareceu impossível.

O desemprego, por exemplo, não deveria atingir essa classe C, se não quisermos que ela continue sendo uma classe média que se limita a amontoar geladeiras, celulares e carros de segunda mão, pagos em oito anos.

Ela também precisa ter acesso aos bens do saber, para que os filhos dos pais analfabetos funcionais possam alcançar um pensamento crítico e desenvolver suas potencialidades.

Se os Governos continuarem achando que essa classe C está conformada com o que conseguiu, e que é uma massa acrítica fácil de dirigir, com um voto fácil de conquistar, poderão se surpreender.

Nada mais grave e perigoso do que quando toda uma classe social perde a ilusão e a esperança de melhorar.

E ainda mais se esses milhões de famílias ainda não alcançaram o mesmo grau de conhecimento e análise da realidade política da classe média tradicional.

Trata-se, não se esqueçam os políticos e governantes, de uma bomba-relógio difícil de controlar, e que a qualquer momento poderia explodir nas suas mãos.

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