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Temer encara um Brasil impaciente e parlamentarismo acentuado no Congresso

Especialistas ouvidos pelo EL PAÍS apontam que presidente terá base ampla, mas será refém do fisiologismo

O presidente Michel Temer tomou posse no começo da noite desta quarta-feira. A vitória no impeachment de Dilma Rousseff, no entanto, foi apenas o primeiro desafio do peemedebista. O EL PAÍS ouviu seis cientistas políticos para comentar os desafios e perspectivas de Temer e da oposição.

Eraldo Peres (AP)

Fátima Pacheco Jordão, conselheira do Instituto Patrícia Galvão

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Pergunta. O que esperar do novo Governo?

Resposta. O impeachment muda o rumo do país. Pesquisas feitas ate recentemente mostravam quase 90% dos brasileiros acreditavam que o país estava na direção errada. A grande questão é saber se o presidente Michel Temer coloca o país no rumo certo. Um país mais difícil, onde a população não dá créditos a partidos políticos. Já se prevê um quadro econômico complicado, de solução lenta. Isso significa que a população vai continuar exigindo as coisas de sempre. Saúde, por exemplo, já voltou ao topo da lista de demandas da população. Antes era corrupção. A Lava Jato e o impeachment dão respostas para a expectativa pelo controle de práticas corruptas. Agora resta ver se essa demanda que é prioritária para os brasileiros será atendida. Embora a saída da presidente Dilma seja apoiada por 60% ou 70% da população, é uma situação muito difícil para o Temer. Ele também não tem indicadores de avaliação positiva para uma tarefa dessa contundência.

P. Quais a consequências do impeachment para o sistema político?

R. O impeachment de Dilma mostra que a população brasileira esta muito mais propensa a movimentos como esses, no estilo ‘tchau querida’. Ha uma politização grande, de forma diferente, com desejo imediato de direitos de cidadão, do consumidor. De fato, a vida real não passa pelo filtro da política, dos partidos. O quadro é claro. Se olha o Brasil da ótica do cidadão, do que ele precisa, você verá que o quadro é bastante perigoso. O Brasil está muito atrasado na relação com a sociedade, e na relação Estado e serviços para os cidadão. É preciso um governo não como base tão ampla de apoio, mas aliança política entre partidos por um período para acolherem as demandas da sociedade. Apesar de tudo não sou pessimista. Entendo que povo queria afastar a Dilma, que não compraram a ideia de golpe. Mas Temer tem uma missão difícil. De um lado população mais exigente, e do outro um governo que precisa cortar. A população não está preparada para uma discussão de orçamento. A percepção de corrupção não permite.

Roberto Romano, professor de ética e política da Unicamp

P. O que esperar do novo governo?

R. Será um Governo fraco, não coeso, submetido à pressão constante dos diferentes caciques e facções do PMDB. Até o momento ele não tem respostas adequadas para governadores e prefeitos que estão com as contas públicas estouradas. Temer terá que atuar em duas frentes diferentes. A dos interesses financeiros e empresariais, que querem reformar a CLT, mexer na aposentadoria, entre outras medidas, e a outra frente é social, daqueles que nãos aceitarão com tranquilidade as reformas que ele vem prometendo. Ou seja: será um Governo fraco submetido à crise, em constante tensão econômica e social.

P. Quais a consequências do impeachment para o sistema político e para a nova oposição?

R. Nada muda no modo de relacionamento da presidência com o Congresso. Sempre digo que o Executivo federal brasileiro é um gigante com pés de barro. Porque a famosa base aliada de apoio é comprada e vendida de acordo com os recurso que o presidente pode liberar. Os recursos serão escassos e os cargos limitados, ele terá que enfrentar a incerteza da base. O fisiologismo se manterá. Aliás, ele continuou a todo vapor no Governo interino. Essa prática de usar a coisa publica em beneficio pessoal está intocada, nada mudou no país.

Já temos sinais de uma espécie de entendimento cordial entre oposição e governo. Isso é uma boa reiteração do que ocorre no país. As oposições que permanecem duras são isoladas, mas nos seus quadros sempre existem os mais realistas, que renunciam ao papel de oposição. Essa oposição será decantada a partir de agora. Aqueles que lá estavam em função das benesses do governo petistas tendem a embarcar no grupo de apoio ao Temer. Isso até as eleições de 2018. Mas essa oposição da esquerda parlamentar com certeza se enfraquecerá.

Eduardo Raposo, cientista político da PUC-Rio

P. O que esperar do novo governo?

R. Todos os presidentes que assumiram a partir da vice-presidência tiveram no início de seus mandatos dificuldades para se legitimar. Esses são os casos de João Goulart, José Sarney, Itamar Franco e, agora, Temer. Para tanto, procuraram compor seus ministérios com membros do poder Legislativo e representantes das diferentes regiões do país. Se essa estratégia funcionar juntamente com um reaquecimento da economia o resultado será menos complicado.

P. Quais a consequências do impeachment para o sistema político e para a nova oposição?

R. Difícil prever. É uma disputa por versões e narrativas a respeito da crise. Se a nova situação conseguir convencer a população que todos os preceitos constitucionais foram considerados... Juntamente com a insatisfação da população com o Governo que foi afastado e uma melhoria na condução da política econômica, as consequências serão abrandadas podendo, inclusive, fortificar o sistema político que é basicamente o mesmo desde 1985, o maior período de nossa história moderna sem rupturas políticas.

Rudá Ricci, doutor em Ciência Política

P. O que esperar do novo Governo?

A era de Michel Temer, que esteve ao lado de Rousseff por seis anos como vice, trouxe a oposição para o poder, chamando integrantes do PSDB para seu ministério. Esse é o golpe que ele promoveu. Os 54 milhões que votaram na Dilma não queriam os tucanos nem o programa deles. Um golpe que ainda vai amadurecer e vai piorar o quadro de baixa popularidade que já está colado nele. Desde que assumiu interinamente, Temer tem trabalhado para aprovar um ajuste fiscal, cuja consequência ainda vai se aprofundar. Os pobres serão os primeiros a sentir os efeitos da troca de poder, com o corte de programas sociais. Mas a conta será paga pela classe média dentro de um ano. Ao contrário do que esperam os artífices desta mudança de poder, a direita será rejeitada novamente nas urnas em 2018. Por uma razão simples. O Brasil é um país rico onde a maioria da população é pobre. Não há política liberar que sustente esta matemática. A direita, assim, pode ter implementado um bumerangue em que algum representante da esquerda voltará novamente ao poder. E este, para pavor dos que hoje se sentem vitoriosos, pode ser o mesmo PT. Mas pode ser outra legenda de esquerda.

P. Quais a consequências do impeachment para o sistema político e para a nova oposição?

R.Dilma chega ao final do seu Governo marcando o fim de 13 anos do PT na presidência da República, e simbolicamente da esquerda. Simbólico porque nem as suas bases tradicionais acreditam que o PT é o mesmo que chegou em 2003 com o ex-presidente Lula. As lideranças populares que se viam acolhidas pelos governos petistas no passado, hoje enxergam uma metamorfose que igualou o partido a outras legendas: conservador e a serviço das elites. Mas, há outros movimentos de esquerda que se articulam no país inteiro. Não são petistas. Mas vão bater no Temer incansavelmente. No Governo, já vivemos um parlamentarismo não explícito, desde 1988, comandado pelo ‘baixo clero’ do Congresso. A Constituição foi promulgada com um sistema presidencialista híbrido.

Ricardo Caldas, cientista político da UnB

P. O que esperar do novo governo?

R. Acho que será um Governo quase parlamentarista. Praticamente todos os partidos, com exceção do PT e do PC do B o apoiam no momento. Haverá mais governabilidade. O PMDB é um partido tradicional nesse sentido, muito clientelista, fisiológico. E nesse aspecto não haverá nenhuma mudança em padrões de relacionamento. Onde será sentida a maior mudança é na política econômica: será um Governo mais pró-mercado, mais favorável aos investidores.

P. Quais a consequências do impeachment para o sistema político e para a nova oposição?

R. Acho que não será traumático para o sistema político. O do Collor foi muito mais traumático, mas foi muito bem absorvido. A base parlamentar da oposição é pequena, eu acredito que o PT fará oposição moderada, acho que a intenção deles não é destituir o Temer, é continuar até 2018, para tentar voltar. Não acho que farão uma oposição intransigente, até porque estão desmoralizados com o impeachment.

Luciano Dias, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos

P. O que esperar do novo governo?

R. O Governo Temer é praticamente um Governo parlamentar. Não terá dificuldade alguma, a esquerda na Câmara tem no máximo 50 votos.

P. Quais a consequências do impeachment para o sistema político e para a nova oposição?

R. Quanto ao PT, é preciso ver quantos ficarão fora da cadeia nos próximos meses. Quanto ao impeachment, será positivo. Confirma que o presidente não pode governar sem o Congresso, erro que Collor, Jânio a Dilma cometeram. Se o presidente não tem apoio do Congresso pode ser derrubado, a Dilma disse isso no discurso dela perante o Senado. É uma conclusão óbvia.

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