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Michel Temer, o presidente que ninguém pediu

Novo presidente é o alvo da ira de amplos setores da população que não se sentem representados por ele

Michel Temer, ao tomar posse nesta quarta.
Michel Temer, ao tomar posse nesta quarta.ANDRESSA ANHOLETE (AFP)
Tom C. Avendaño

Conta Michel Temer, o homem que na quarta-feira assumiu a presidência do Brasil, que quando era um menino de nove anos, leitor e solitário, viu uma imagem que lhe ficou gravada para sempre: era em À Noite Sonhamos, um filme sobre o compositor franco-polonês Frédéric Chopin. "Fiquei tão impressionado quando vi cair uma gota de sangue sobre o piano que pedi a meu pai que me matriculasse em aulas de piano", lembrava em 2010 para a revista Piauí. Seu pai, um imigrante que havia chegado do Líbano fazia 10 anos, o colocou em aulas de datilografia. "Aprendi a dedilhar as teclas da máquina como se fossem as do teclado."

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Michel Temer, na quarta-feira, foi transformado como sétimo presidente desde a redemocratização brasileira. Aos 75 anos, tem o aspecto reservado e cerimonioso de quem se diverte com uma máquina de escrever. De alguém que chamou pouca atenção do público nos 26 anos que está na política. Nem nos últimos nove, como líder do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) nem tampouco nos últimos seis, como vice-presidente de Dilma Rousseff, sua rival ideológica (ele é decididamente mais conservador) e aliada política por conveniência.

Mas há um ano a presidenta começou a cambalear no poder e ele passou a se pronunciar. Em agosto de 2015 comentou com alguns jornalistas que o Brasil precisava de alguém "capaz de reunificar a todos". Em setembro declarou diante de um grupo de empresários que seria difícil que Dilma chegasse ao final de seu mandato. Em dezembro, quando a roda do impeachment começou a girar, ele simplesmente se pôs de lado e esperou ser alçado por eliminação. Em 12 de maio se tornou o terceiro vice-presidente a assumir o poder após a redemocratização. Dilma o chamou de traidor.

Seus detratores asseguram que vai realizar extensos cortes sociais

Desde que está no poder já ouviu insultos piores. Temer admitiu sentir inveja das pessoas engraçadas. Ele, que em 2013 publicou um livro de poemas, sabe que seu caráter é tragicamente sério. Faz com que transmita uma imagem que o então senador e caudilho da Bahia, Antônio Carlos Magalhães (1927-2007) definiu como “mordomo de filme de terror”. Para seus detratores, isso só lembra que nunca se apresentou a uma eleição como cabeça de chapa em eleições para o Executivo. Ele não planejou o impeachment, mas o representa. É o alvo da ira dos setores da população que se sentem enganados por ele. Seus detratores afirmam que seu Governo significará uma avalanche de cortes em saúde, educação e direitos trabalhistas. Mas prometeu manter os programas sociais emblemáticos dos Governos de Lula e Dilma Rousseff, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT).

Sua vida pessoal tampouco serviu para reverter seus problemas de popularidade. Em abril, sua mulher, Marcela Tedeschi, apareceu em um artigo na revista Veja com uma manchete que fez mais mal do que bem ("Marcela Temer: Bela, recatada e "do lar"): “A quase primeira-dama, 43 anos mais jovem que seu marido, aparece pouco, gosta de usar vestidos na altura dos tornozelos e sonha em ter mais de um filho com o marido”. Marcela se casou com Temer há 12 anos: ela tinha 20 anos e ele, 62 e outros quatro filhos, foi o primeiro namorado dela. No final de julho, ele avisou os jornalistas políticos em Brasília que estava prestes a ir pegar Michelzinho, seu filho, na escola. A imprensa comentou mais o aviso que o próprio fato.

Nem encurtando seu discurso na Olimpíada conseguiu evitar as vaias

Em 5 de agosto, teve que declarar aberta a Olimpíada em uma cerimônia retransmitida para todo o mundo. Atrasou seu discurso até o final (o programa indicava que seria no começo). Reduziu o discurso a 10 segundos. E ainda assim não conseguiu terminar sem que o som das vaias enchesse as arquibancadas. As forças de segurança passaram dias escondendo cartazes que se tornaram o mantra de muitos no país: “Fora Temer”.

O atual presidente tem um índice de aprovação de 14%, como Dilma quando foi afastada do poder. Já anunciou que não será candidato para as eleições gerais de 2018. Isso assusta seus detratores, que sabem que isso lhe dá liberdade para tomar decisões mortalmente impopulares. Não é a primeira vez que Temer se adapta ao que tem. O homem que tocava a máquina de escrever como se fosse um piano dirige um país como se o povo tivesse permitido.

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