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Quem fecha as portas do mundo ao cinema latino-americano?

Apesar dos prêmios, as produções enfrentam problemas de distribuição em frente à indústria de Hollywood

Andrés Rodríguez
O brasileiro Rodrigo Santoro no papel de Jesus em ‘Ben-Hur’
O brasileiro Rodrigo Santoro no papel de Jesus em ‘Ben-Hur’AP

O cinema latino-americano vive um grande momento. A qualidade cinematográfica do continente já não é segredo para ninguém. “Nossos filmes não são fenômenos isolados, mas sim um fenômeno consolidado de produções que viajam pelo mundo”, diz o argentino Pablo Tapero, diretor de O clã, vencedor do Leão de Prata no Festival de Veneza e do Goya (Espanha) de melhor filme ibero-americano. Assim como esse drama policial, outras produções obtiveram premiações semelhantes. No entanto, os filmes continuam se chocando contra os mesmos obstáculos: o acesso a salas comerciais, a dificuldade para fazer os lançamentos, a distribuição e a publicidade. É a luta desigual que se trava entre a produção da América Latina e Hollywood.

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“O maior desafio é sempre o da distribuição”. Essa foi uma das conclusões a que se chegou no Festival Internacional de Cinema do Panamá, realizado em abril passado. Um filme como Batman vs Superman: a origem da Justiça, que foi demolido pela crítica, estreou em 80 países, segundo o Banco de Dados sobre Filmes na Internet (IMDB, na sigla em inglês). É totalmente outra a realidade de O clã ou de De Longe te Observo, o longa venezuelano ganhador do Leão de Ouro em Veneza. Essas duas produções chegaram a salas comerciais de 19 e 12 países, respectivamente. “É muito difícil, para os filmes, encontrar o seu espaço nas salas. Há, aí, uma combinação de vários elementos. Um deles é a presença enorme dos blockbusters, que às vezes ocupam 40% das telas disponíveis em um país”, acrescenta Trapero, em conversa por telefone.

Os grandes estúdios monopolizam o mercado, comenta Peter Marai, distribuidor argentino radicado nos Estados Unidos e dono da Mirada Distribution, que conta em seu catálogo com filmes premiados como o paraguaio 7 caixas ou o chileno Gloria. Marai diz que “é muito difícil” conseguir espaços nas salas. “O cinema latino-americano está perdendo no continente, infelizmente”. Não tem a divulgação necessária e o público não fica sabendo dos lançamentos”, acrescenta.

Conseguir 12 salas para um filme latino-americano já é uma vitória. Uma produção de Hollywood ocupa de 195 a 200

Para Marai, conseguir de seis a 12 salas para uma estreia latino-americana é uma vitória. Em compensação, filmes animados como A era do gelo – o Big Bang ou Procurando Dory estavam passando, na Argentina, em julho, em 195 e 212 salas, respectivamente. “Anos atrás, a situação era diferente. Os exibidores tinham mais paciência com os filmes [latino-americanos]. O público às vezes demora para descobri-los, mas muitos exibidores não lhes dão a chance de permanecer muito tempo em cartaz”, explica.

Uma situação semelhante foi vivida por O abraço da serpente, longa-metragem colombiano indicado como melhor filme estrangeiro na última edição do Oscar. Ele foi lançado em maio de 2015 e, apesar de ter sido bem recebido em Cannes naquele mesmo mês, só foi exibido em 26 salas no seu país. Por causa de sua concorrência aos prêmios da academia norte-americana, foi reprogramado em janeiro deste ano em 27 salas, conseguindo ser visto por 120.000 pessoas.

Para Cristina Gallego, produtora do primeiro filme colombiano indicado para uma estatueta do Oscar, considerando o bom momento por que passa o cinema latino-americano, o fato de não haver espaço para as obras produzidas na região constitui um paradoxo. “O abraço da serpente gerou em mim uma grande preocupação. O filme foi exibido e distribuído comercialmente na Europa, na Oceania, até mesmo na Ásia, na América do Norte, mas na América Central e na América do Sul foi muito difícil. Ele não foi lançado em vários países. O que acontece com o nosso cinema, que não consegue viajar pelos países mais próximos? Talvez a Europa seja mais aberta do que nós mesmos. Talvez o nosso público esteja mais acostumado a ver outras coisas”, diz Gallego, em conversa pelo Skype.

Soluções à vista?

Durante a mesa-redonda Como romper as barreiras de distribuição no mercado da América Latina?, realizada no quadro do Festival Internacional de Cinema do Panamá, Edgar Ramírez, ator e produtor venezuelano, protagonista de Mãos de pedra, enfatizou a necessidade da adoção de uma estratégia econômica para que o cinema produzido no continente conquiste uma presença maior. “Quando se tem dinheiro para fazer um filme, não se deve gastar todo ele fazendo o filme. É preciso deixar uma reserva para a distribuição e a divulgação. É preciso saber sentar e negociar. Se o cineasta não sabe fazer isso, deve procurar alguém que o saiba”, disse Ramírez.

Quando se tem dinheiro para fazer um filme não se deve gastar tudo no próprio filme. É preciso deixar uma reserva para a distribuição e a divulgação Edgar Ramírez, ator venezuelano

Dois pontos foram destacados para que se fortaleça a exibição de filmes latino-americanos na própria região. Primeiro: a importância de se apresentar nos festivais, com o objetivo de haver produções locais que “alimentem” o público de forma constante. Segundo: os países da América Latina devem criar políticas comuns que ajudem a proteger a sua indústria cinematográfica diante do poder esmagador de Hollywood. “Precisamos criar uma estrutura de produção, distribuição e divulgação para o cinema latino-americano. Não basta que um país o faça. Esta deve ser uma questão compartilhada”, disse Pituka Ortega, diretora do festival panamenho.

Gallego também defendeu a criação de uma entidade latino-americana que cuide da distribuição e da promoção do cinema produzido no continente. Para a produtora colombiana, é preciso criar incentivos e políticas comuns, como ocorre na União Europeia, para que os filmes circulem. “Os europeus e nós enfrentamos uma luta muito grande contra Hollywood. Não somos majors [grandes estúdios], não temos políticas de marketing, de distribuição. É preciso construir tudo isso”, concluiu.

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