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Coluna
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O Brasil só pensa em se vingar da Alemanha

É uma peleja de um faroeste que os homens carregam na alma de outros embates. Nesse momento, pouco importa se não eram eles que estavam em campo há dois anos

Neymar durante semifinal contra Honduras.
Neymar durante semifinal contra Honduras.Ian MacNicol

Precavidos, alguns comentaristas de TV, mesmo os exaltados patriotas, evitam falar em revanche do 7x1. Os mais frios e calculistas lembram que os dois personagens remanescentes da Copa de 2014, Neymar (contundido) e o zagueiro Mathias Ginter (banco de reserva), não estavam em cena na tragicomédia de Belo Horizonte. Copa é Copa, futebol olímpico é futebol olímpico, repetem outros pedagógicos analistas de plantão. Em público, os boleiros também evitam fermentar a cerveja da discórdia. Qual o quê! Tudo da boca para fora, “migué”, como se diz no dicionário do futebolês. A torcida quer sangue. Pelo menos nos olhos.

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“Só vingança, vingança, vingança/ Aos santos clamar”, canta meu vizinho Fernando Mathias, “El gaúcho”, quando toco no tema do jogo aqui no Papillon, botequim de Copacabana onde os brutos, mesmo ainda ressentidos da surra de salsichão e cipoadas de chucrute, só amam o futebol. “O Brasil inteiro, em uníssono, canta esse hino do conterrâneo Lupicínio Rodrigues, não adianta falsete nem falsidade”, dá o clima-tempo das ruas. Tampouco importa se o ouro é mais uma obsessão brasileira que alemã. O duelo ao sol dos trópicos, no Maraca, está marcado. Serei testemunha ocular desta história e contarei em nova crônica amanhã à noite neste EL PAÍS.

Suspense. Tempo perdido tentar esfriar o embate ou imprimir um espírito de Barão de Coubertin na parada. “O importante é competir”? Fala sério, meu nobre baronato. Conta outra. Depois daquele 7x1 só existe uma resposta em campo. Só vingança, vingança vingança...

Gol da Alemanha

Em vez de Muller abrir a goleada, aos 10 minutos, Neymar ao eco do apito do juiz, pimba; no lugar de Klose aos 22, Gabigol com um canhão fora da área; sem essa de Kroos (aos 23 e 25, acreditem!) e menos ainda sem o dublê do Khedira aos 28 ainda do primeiro tempo... Schurrle com os seus dois na etapa final, vixe, nem pensar naquela maldita hora. O pesadelo voltou, o pesadelo voltou, ôôô! Maldito videoteipe na cabeça. Por isso tento construir a minha fábula, ainda de véspera.

Quis o destino que os alemães aparecessem de novo no front dois anos depois. O ouro da Sierra Madre ou da brasileiríssima Serra Pelada, para citar dois eldorados incríveis e igualmente cinematográficos, tem aposta dobrada. Supera a ideia de uma medalha olímpica. É uma peleja de um faroeste que os homens carregam na alma de outros embates. Nesse momento, pouco importa se não eram eles que estavam em campo.

No que Matilde, sempre os vizinhos de Copacabana como vozes cronicamente consideráveis, tenta subir ao Olimpo do bar e restaurante Príncipe de Mônaco, na esquina da minha casa. “Ah, essa macharada ressentida do futiba, sei lá, tomara que ganhe, mas, peraí, o lindo foi o ouro das minas agorinha na vela...” Ela pensa de forma olímpica. Considera o judô de Rafaela, o ouro geral dos Silvas, o baiano bonito na canoagem... Tem razão no sentido de saber que a Rio 2016 foi das mulheres.

Tento entender a Olimpíada como um todo, mil e umas modalidades, sério, penso muito na ginástica, sobretudo a ginástica vintage quando vejo a romena Nadia Comaneci -como amei essa mulher na minha adolescência e aqui renovo minha devoção. Amo tanto e de tanto amar, tremi diante dela na semana passada na antessala do “É Campeão”, o genial programa do canal “Sportv” comandado pelo André Rizek.

Tudo bem, Falcão, Romário, Júnior, Rivaldo, Bebeto e Ronaldo... Todos os craques tentaram o ouro olímpico e não conseguiram. O próprio Neymar, menino de tudo, em edição anterior. Tudo bem, só que agora é diferente. Tem aquele 7x1 nas guelras, peixe.

Por mais que a gente tente disfarçar, por mais que a gente saiba que os alemães ainda são meninos aprendizes e muitos dos jogadores atuam na segunda divisão, sei não, sempre tem aquele pesadelo safra 2014. Como pode ter existido aquilo tudo? Coisas estranhas acontecem, mesmo fora dos seriados americanos.

Quando os canarinhos humilharam Honduras, terça-feira, 6x0, a torcida cantou a bola: “Ô Alemanha, pode esperar, a sua hora vai chegar!” Os meninos do Brasil começaram toda essa saga de forma medíocre, zerando geral contra África do Sul e Iraque.

Amanhã reencontraremos os alemães...

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Big Jato” (Companhia das Letras) e comentarista do “Papo de Segunda” (canal GNT).

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