_
_
_
_
_

Como as periferias do Rio estão vivendo os Jogos Olímpicos?

Maioria dos cariocas abraçou a Olimpíada Mas quanto mais longe a pessoa vive e mais pobre é, mais obstáculos tem para aproveitar o evento

F. B.

Os cariocas estavam desconfiados dos Jogos Olímpicos, mas, assim que começou, a maioria deles acabou abraçando o evento. Cada um vem buscando sua forma de vivê-lo, seja comprando ingressos para competições, aproveitando o sempre lotado Boulevard Olímpico da zona portuária, assistindo os jogos em casa com a família, lotando os bares com televisão ou inclusive vendo algum jogo pelo celular à caminho do trabalho. No entanto, muitas vezes a forma de viver a Olimpíada não é uma questão de escolha. No Rio olímpico de ingressos caros, transporte débil, estrutura desigual e tiroteios constantes, quanto mais longe uma pessoa mora ou mais pobre ela é, mais obstáculos tem para aproveitar os Jogos. Se é que ela pode se permitir este luxo.

Favela perto do estádio do Maracanã.
Favela perto do estádio do Maracanã.BARBARA WALTON (EFE)

Bastou que a Olimpíada começasse para que as quatro sobrinhas de Daniele, de 30 anos, se mudassem para a sua casa. Moradora da periférica Madureira, na zona norte do Rio, todos os dias esta manicure leva elas e sua filha ao Parque Madureira para aproveitar os shows do Boulevard Olímpico que a prefeitura instalou no local. Há apenas um telão montado, mas são poucos os que prestam atenção às competições. Há também um show todas as noites e um bloco de carnaval das escolas de samba. A outra novidade é que a administração de Eduardo Paes (PMDB), que inaugurou o espaço em 2012 em um antigo terreno da Light, decidiu abri-lo também as segundas-feiras — e na última, era dia Imperatriz Leopoldinense.

Mais informações
As histórias de quem ocupa os assentos vazios do Parque Olímpico
As melhores imagens dos Jogos Olímpicos do Rio 2016
Flávia Saraiva, a pequena que desceu de um pé de goiaba para subir na barra olímpica
Na Vila dos Atletas, as derrotas e as vitórias são digeridas com hambúrguer

Salvo no fim de semana, o parque não tem as multidões da zona portuária, a grande novidade do centro do Rio. Lá, a 30 quilômetros de distância e muitas horas de engarrafamento, há inúmeras atrações de marcas patrocinadoras, bungee jump, food trucks, telões, palcos e concertos de grandes nomes da MPB. Espalhados pelo centro, pela zona sul e Barra estão também as casas temáticas dos países da Rio 2016, com suas festas e incontáveis atrações, algumas gratuitas e outras com entradas que chegam a 200 reais. Já o Parque Madureira praticamente segue com a sua rotina normal. O gramado da terceira maior área verde do Rio, de mais de 100.000 metros quadrados, segue impecável. As crianças brincam no parquinho, adolescentes andam de patins e bicicleta, e famílias socializam. "Sabemos que aqui não tem a mesma estrutura, mas temos Portela e Império Serrano", resumiu o casal Félix e Elaine, orgulhosos do lugar aonde vivem.

Daniele, que leva todos dias sua filha e sobrinhas, também está animada: “To aproveitando bastante os jogos! Ontem fui no estádio ver aquele negão que corre muito”, diz, referindo-se a Usain Bolt, tricampeão dos 100 metros no último domingo. Conta que ganhou o ingresso, mas não detalha como. O que sim se sabe é que o comitê Rio 2016 distribuiu gratuitamente 285.000 entradas a projetos sociais (4,75% do total de seis milhões), como conta María Martín nesta reportagem. É uma das formas de pessoas como Daniele — de renda baixa, negra e da periferia — de ocuparem as cadeiras vazias, que são muitas, e dividir o espaço com os demais torcedores — majoritariamente brancos e de classe média alta.

Palco instalado no Parque Madureira, na zona norte do Rio.
Palco instalado no Parque Madureira, na zona norte do Rio.F. Betim

Outra maneira é aproveitar as (poucas) entradas mais baratas, como fez a estudante de administração Adriene Rodrigues, de 26 anos. "Como sou estudante, consegui comprar a 50 reais para ir no rugby. Pena que está acabando", diz essa moradora da Penha (zona norte). Os que finalmente conseguem assistir à uma competição podem, contudo, enfrentar problemas para se mover, apesar do esquema especial montado pela prefeitura, que atende sobretudo a turística zona sul que vai ao Parque Olímpico via metrô e ônibus do BRT — considerados pela prefeitura e pelo governo do Estado como os principais legados em mobilidade.

Aconteceu no último dia 13, quando o relógio marcava 00h30 e a partida de voleibol masculino entre Brasil e Itália no Maracanazinho (zona norte) terminava. A estação de metrô mais próxima já estava fechada, não havia ônibus e muito menos trens urbanos. Para que Camila Vigílio, de 27 anos, e outros dois amigos voltassem para Nilópolis, um distante município vizinho ao Rio próximo a zona norte, foi preciso pegar um táxi. Era a única opção. Em volta deles, todos os que saíam do Maracanazinho também pegavam um táxi ou andavam 30 minutos até a estação da linha 1 de metrô mais próxima, a São Francisco Xavier, ainda aberta, para ir para a zona sul e Barra. Havia gente reclamando da falta de informação de ônibus para diferentes pontos do Rio.

Outros que reclamam do transporte da cidade são as milhares de pessoas que, entre às 17h e 19h da última terça-feira, estavam concentradas no terminal Alvorada, na Barra. É de lá, ponto de encontro de trabalhadores de todo o Rio, que saem os ônibus do BRT para a zona oeste e zona norte. Os corredores exclusivos para ônibus fizeram com que o tempo de viagem ficasse menor do que no passado. Porém, ao suprir uma uma demanda por transporte público, todos os veículos saem lotados. A secretária Cláudia Sales conta que vai "tão apertada que poderia muito bem tirar o pé do chão e continuar em pé". Para ela, os últimos dias de Olimpíada vêm sendo ainda pior. "A gente acha que a Prefeitura retirou alguns ônibus para colocar pros Jogos. Essa olimpíada não é para trabalhador não, ainda bem que está acabando!", diz. A secretaria de Transportes nega, e assegura ter aumentado a frota em 100 ônibus para os Jogos. Os veículos que vão em direção ao Parque Olímpico passam pelo terminal praticamente vazios, com todas as pessoas sentadas confortavelmente.

As viagens ainda são longas, já que ao tempo de viagem é necessário somar o tempo de espera para entrar no ônibus. As filas dão várias voltas e pode-se esperar até 50 minutos nela. Sales demora mais de duas horas para chegar de seu trabalho em Pedra de Itaúna, no Recreio (zona oeste), até sua casa em Madureira (zona norte). O mesmo tempo que leva a empregada doméstica Vanda Gomes, de 54 anos, para ir da Tijuca (zona norte) até sua casa em Paciência (zona oeste, perto de Campo Grande) todos os dias. "O que a gente pode fazer, né meu filho? É a vida né, tem que encarar", diz.

Os moradores da favela Bandeira 2, em Del Castilho (zona norte), encaram uma realidade ainda mais dura. Na última semana, a polícia entrou nesta pequena comunidade, de uns 3.000 habitantes, ao menos duas vezes em busca de traficantes. Na quinta-feira de 11 de agosto, três jovens morreram. Um deles foi Matheus Amacio, de 15 anos, considerado suspeito pela polícia. "Mas ele estudava e trabalhava num mercadinho como ajudante para criar os três filhos", conta a sua mãe, a vendedora de tapioca Danusa Amacio, de 37 anos.

Nesta quinta, vários moradores saíram de suas casas com cartazes pedindo "Paz para a Bandeira 2". Os policiais, armados com fuzis e camburões, acompanharam o ato. Um deles chegou a sacar uma bomba de gás para avisar que iria usá-la caso os moradores decidissem caminhar pelo viaduto. "Esse foi o preço da Olimpíada pra gente. Eles estão entrando para matar", opina Paula Ribeiro, vice-presidenta da associação de moradores. A menina Nadia, de 12 anos e amiga de umas das vítimas, lamenta: "O que adianta ter Olimpíada e a gente estar de férias se nem podemos sair na rua para brincar?"

Com informações de María Martín.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_