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Os ladrões mais famosos do Oeste

O roteirista William Goldman reinventou o ‘western’ com a colaboração de Paul Newman e Robert Redford

Gregorio Belinchón
Robert Redford e Paul Newman em ‘Butch Cassidy’.
Robert Redford e Paul Newman em ‘Butch Cassidy’.

Ao contrário da Europa, defensora da teoria do cineasta autor, responsável pela direção e pelo roteiro, em Hollywood cada filme é geralmente o resultado do trabalho de uma equipe, da confluência de momentos brilhantes surgidos de mentes experientes... sempre que um executivo de um grande estúdio não destrua o trabalho feito. Um produtor reúne as tropas: um roteirista ou uma equipe de escritores redige um bom script ou adapta uma peça teatral de sucesso; um diretor passa, graças a um elenco lúcido, os sentimentos do roteiro, apoiado por uma série de técnicos. Depois, o montador pula e transforma em diamante a joia prévia. Era assim, ao menos, na época do reinado das majors, e um herdeiro dessa escola foi o roteirista William Goldman e o filme Butch Cassidy é a melhor prova de seu talento e da importância de um bom roteiro.

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Goldman (Highland Park, Illinois, EUA, 1931) é um escritor de romances, de livros engraçadíssimos (Adventures in the Screen Trade [As Aventuras de um Roteirista] e Which Lie Did I Tell?: More Adventures in the Screen Trade [Que mentiras eu contei? – Mais aventuras de um roteirista]) –nos quais se destaca com brilhantismo excelentes anedotas sobre seu futuro na tela grande, sobre os roteiros de filmes como Todos os Homens do Presidente, Maratona da Morte, A Princesa Prometida, Louca Obsessão e Poder Absoluto– e autor de uma máxima famosa sobre o mundo do cinema: “Ninguém sabe nada”. Mas no início dos anos sessenta, Goldman era um desconhecido. Havia escrito um romance, sem sucesso, havia lido algo sobre Butch Cassidy e Sundance Kid e a história o impressionou porque a dupla de bandidos tinha forjado sua lenda duas vezes, primeiro nos Estados Unidos e, depois, quando as coisas ficaram ruins para eles, na América do Sul, onde começaram do zero.

“Pesquisei o que pude esperando conseguir uma história que fosse coerente e escrevi a primeira versão em 1966. Levei quatro semanas”, diz ele em As Aventuras de um Roteirista em Hollywood. Essa foi a semente de Butch Cassidy (Butch Cassidy and Sundance Kid no título original), um filme que recuperou o western para o cinema num momento em que estava quase desaparecido e que foi escrito no Natal de 1965, no tempo livre que Goldman tinha em seu trabalho como professor de escrita criativa na Universidade de Princeton.

Os verdadeiros Sundance Kid (primeiro à esquerda) e Butch Cassidy (primeiro à direita) e o resto do bando.
Os verdadeiros Sundance Kid (primeiro à esquerda) e Butch Cassidy (primeiro à direita) e o resto do bando.

De Butch Cassidy (seu verdadeiro nome era Robert Leroy Parker) existe bastante informação: nascido em Utah, em 1866, adotou o apelido Cassidy em homenagem a Mike Cassidy, um famoso ladrão de bancos. Em 1890, liderou o último grande grupo de foragidos do Oeste: o Bando do Buraco na Parede, ou Grupo Selvagem, a quadrilha que cometeu mais crimes e assassinatos. No entanto, Cassidy não era um pistoleiro. Não matou ninguém até pouco antes de morrer, quando trabalhava como guarda na América do Sul. Tampouco sabia lutar. Nem sequer planejou os golpes. Goldman afirma: “Eram homens arrogantes e brutais. E ali, no comando, estava Cassidy. Por quê? A resposta é incrível, mas verdadeira: ele gostava de gente. De todo mundo. Às vezes, quando era seguido, chegava num rancho e dizia: ‘Veja, eu sou Butch Cassidy e estão me seguindo. Ficaria muito grato se me escondessem durante uma temporada’. E eles o faziam”.

Entre os bandidos norte-americanos só Butch e Jesse James conheceram a fama em vida, e Butch a expressou. O bandido fez seu último trabalho nos EUA durante o outono de 1901. Quando incomodou demais os trens da Union Pacific, o proprietário da empresa formou um bando de seis superpoliciais. Quando Butch soube da existência da patrulha, fugiu com Sundance Kid (nome real, Harry Alonzo Longabaugh) e a amante deste, Etta Place. Deles não se sabe muito: Sundance (nascido em Mont Clare, Pensilvânia, em 1867) era um extraordinário pistoleiro e Etta era provavelmente uma prostituta. Existem fotos do trio passeando por Nova York em 1902, a caminho do exílio: Butch adorava sair em retratos. Nos sete anos seguintes –até serem mortos na Bolívia–, Butch e Sundance assaltaram bancos, roubaram gado, cuidaram de um rancho, trabalharam como guardas e, pela segunda vez, se tornaram lendas sob o nome de Bandidos Ianques. Em 1905 já havia um filme de dois rolos, com cerca de 40 minutos, sobre suas vidas.

O trio de protagonistas durante a filmagem no México.
O trio de protagonistas durante a filmagem no México.

O bom trabalho que Goldman havia feito em Caçador de Aventuras serviu para que a Fox comprasse o roteiro, numa disputa com outros estúdios, por estratosféricos 400.000 dólares em outubro de 1967. Em março de 1968, o estúdio designou como diretor George Roy Hill. Ele e Goldman poliram o roteiro. No início de 1967, antes da compra da Fox, Goldman havia contado a história dos bandidos a Paul Newman. O ator se viu na pele de Sundance, e quando a Fox começou a produção ele se juntou ao projeto. Goldman havia escrito o personagem de Butch Cassidy pensando em Jack Lemmon, mas o estúdio recusou. Steve McQueen, convencido por Newman, esteve prestes a assinar, mas sua lendária insegurança o levou a renunciar e Hill finalmente convidou Robert Redford.

“Tinha lido o roteiro e claro que me atraiu, mas eu era jovem, havia muita gente lutando por esses personagens e não achei que conseguiria. Na Fox ficavam me dizendo que tinham McQueen”, diz Redford. Ele deu a última guinada depois de sua contratação: canhoto como Sundance, pediu para trocar os papéis. E assim, com Newman como Butch, a filmagem de Butch Cassidy and Sundance Kid começou em 16 de setembro de 1968 em Durango (Colorado), com Katharine Ross, a garota de A Primeira Noite de um Homem, completando o triângulo.

No estúdio não deixaram margem para o erro ao programar 12 semanas de filmagem. Com medo das nevascas, os produtores decidiram que elas começariam com o primeiro assalto ao trem. Newman começou a se comportar de forma estranha. Não só deixava os cavalos nervosos, mas em sua interpretação adicionou algumas notas de humor que deixavam Hill louco. Era seu medo de não ser cômico o suficiente. Gradualmente, o diretor conseguiu fazer com que voltasse ao normal. De acordo com Redford, “George Roy Hill dava espaço para que eu criasse. Eliminava tudo que não fosse essencial, era muito disciplinado no trabalho e tinha tudo preparado. Paul e eu desenvolvemos uma amizade que Hill foi capaz de levar à tela. Levou de fora para dentro e acertou”. Para Newman, “aquela filmagem foi um exemplo perfeito da criação de um filme como experiência comunitária”. O horário de Newman reflete a energia da estrela. Levantava-se às cinco e meia, dedicava uma hora à sauna e à natação, e às sete aparecia pronto no set. À noite, costumava preparar saladas para a equipe artística e uma jarra cheia de uísque e gelo. No México foram filmadas as sequências correspondentes à Bolívia. Quase todos, incluindo Hill, terminaram doentes com diarreia por causa da água. Newman, Katharine Ross e Redford se salvaram pelo amor ao refrigerante e ao álcool.

Fotograma do tiroteio final.
Fotograma do tiroteio final.

Entre as visitas que passearam pelo set, os protagonistas lembram com carinho de Lulu Betanson, a verdadeira irmã de Butch Cassidy. Betanson viu a cena em que Butch derruba o outro ladrão com um pontapé nos testículos e disse que seu irmão era assim, que também tinha olhos azuis e um sorriso hipnótico como o de Newman. A senhora voltou várias vezes à filmagem e inclusive assistiu à estreia em Durango, no dia 2 de setembro de 1969. Na bilheteria, Butch Cassidy superou os 100 milhões de dólares. Como brincou Newman sobre esse lucro: “Pena que eles morrem no final”. O filme mudou a vida de Redford: “Meus dois grandes trabalhos? Butch Cassidy é o mais divertido e no qual mostro minha parte mais escura. O outro foi Todos os Homens do Presidente, porque todo mundo disse que não iríamos conseguir fazê-lo e que ninguém estava interessado no caso Watergate”. Em homenagem a esse western, Redford batizou seu festival de cinema independente em Park City (Utah) com o nome de seu personagem: Sundance.

O gênio do roteiro

Escritor, articulista, romancista e roteirista, William Goldman é um especialista em diálogos engenhosos e autor de dois grandes livros que explicam como é Hollywood: Adventures in the Screen Trade (As Aventuras de um Roteirista) e Which Lie Did I Tell?: More Adventures in the Screen Trade (Que mentiras eu contei? – Mais aventuras de um roteirista). Seu primeiro sucesso veio com Caçador de Aventuras (1965). Depois dirigiu seu talento "para uma das duas grandes histórias" que encontrou na vida. As aventuras de Butch Cassidy e Sundance Kid em Butch Cassidy, com o qual ganhou seu primeiro Oscar. Nos anos setenta conseguiu um sucesso atrás do outro: As Esposas de Stepford, Quando as Águias se Encontram, Todos os Homens do Presidente (seu segundo Oscar), Maratona da Morte, Uma Ponte Longe Demais e Um Passe de Mágica.

De repente, em 1980, seu telefone parou de tocar, e ele decidiu dedicar-se ao romance. Quando cinco anos depois teve outra oportunidade, a primeira coisa que fez foi adaptar um de seus próprios romances, o excepcional A Princesa Prometida. No início dos anos noventa escreveu Louca Obsessão, Memórias de um Homem Invisível, O Ano do Cometa, Chaplin, Maverick e se tornou um famoso doutor de roteiros, ou seja, um escritor que os estúdios contratam para melhorar roteiros que precisam de um retoque. Em 1995, escreveu a história verídica de dois leões devoradores de homens na África – a segunda grande história que Goldman afirma ter encontrado na vida – para A Sombra e a Escuridão, um filme que fracassou. Então vieram O Segredo, Poder Absoluto ("o pedido mais difícil que já enfrentei"), Ferocidade Máxima, A Filha do General, Lembrança de um Verão e O Apanhador de Sonhos, e trabalhou nos roteiros de O Último Grande Herói, Sob Suspeita e Gênio Indomável (nunca ficou claro quanto deste roteiro é dele e quanto é de Ben Affleck e Matt Damon).

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