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Phelps já brilha na piscina do Rio

Nadador é incluído de última hora na equipe de revezamento dos Estados Unidos e faz uma passagem decisiva (47s13) para conseguir a vitória sobre França e Austrália

Diego Torres
Phelps posa com a medalha de ouro junto a Adrian, Held e Dressell
Phelps posa com a medalha de ouro junto a Adrian, Held e DressellIan MacNicol

A natação, como a física quântica, tem leis que a transformam numa ciência previsível, mas só até certo ponto. A regra tem como exceção as provas de revezamento. Aí, a atmosfera se torna elétrica, e fatores difíceis de mensurar interferem. Começa pelo público. As pessoas se tornam sentimentais. Agitam suas bandeiras. Os homens evocam suas mães; as mães choram por seus filhos. O passado se funde com o futuro. O círculo de energia sobrecarrega os corpos, e acontecem coisas que só o tempo poderá esclarecer – talvez a história do esporte, dentro de muitos anos.

Por volta da meia-noite deste domingo, uma dessas mães, maquiada e penteada para a ocasião na arquibancada do Centro Aquático do Rio, era Debbie Phelps. Ao seu lado, sua nora, Nicole, com seu neto Boomer, o primogênito do feiticeiro.

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Quase ninguém esperava Michel Phelps na final do revezamento 4 x 100m, mas o rumor começou a crescer nos últimos dias, até que o homem apareceu ali, diante da multidão, abraçado aos seus três colgas da equipe norte-americana, para o duelo mais emocionante vivido até agora na piscina olímpica. Estados Unidos contra França, Austrália, Rússia, Brasil, China e Japão. Ganharam os Estados Unidos, como não poderia deixar de ser quando os ventos da magia sopram a seu favor.

O revezamento olímpico 4 x 100m foi durante muito tempo um patrimônio exclusivo dos Estados Unidos. A hegemonia acabou nos Jogos de Sydney 2000, com uma vitória da Austrália que prenunciava a globalização do esporte, a dissolução dos poderes tradicionais e a aparição de nações cheias de velocistas que se viam no direito de encarar o império. A França é o país desafiante por excelência nesse terreno. Uma falha a privou do ouro no revezamento de Pequim 2008, mas o time se impôs com clareza em Londres 2012. Neste domingo, no Rio, o título voltou à mãos norte-americanas, numa prova praticamente resolvida desde os 150 metros – ou seja, quando Phelps, valendo-se da sua autoridade, avançou vários metros sobre seus adversários depois de uma virada fantasticamente poderosa, que abalou o moral do francês Fabien Gilot.

A estatística não antevia esse desenlace. O ranking dos melhores tempos de 2016 nos 100 metros nado livre indicava que os Estados Unidos só tinham um homem entre os dez primeiros, Nathan Adrian, na segunda colocação com 47s72. Cameron McEvoy, a nova joia australiana, chegou a Rio com a aura de ser o nadador mais veloz da Terra neste ano (47s04). A França era, com dois atletas entre os dez melhores (Stravius e Manaudou), a potência com mais condições de vencer. Fazia anos que Phelps não nadava os 100m livre. Não é a especialidade dele, e não havia marcas suas nessa distância desde 2012. Mas todos, de algum modo, desejavam sua volta. Até seus adversários.

James Magnussen disse tranquilamente depois da prova: “Phelps é uma inspiração para todos os que nos dedicamos a este esporte. Todos desejamos que participasse dos Jogos mais uma vez, e me alegro de que tenha podido nadar esta prova”.

Caeleb Dressel abriu o revezamento norte-americano, ao lado de Mehdy Metella (França), James Roberts (Austrália) e Andrey Grechin (Rússia). Metella fez o melhor tempo, 48s08, apenas dois centésimos à frente dos EUA. A Austrália pode ter perdido o ouro nesses primeiros 100 metros, porque Roberts nadou em 48s88, deixando a equipe em oitavo lugar. A segunda volta resolveu o duelo essencial: Estados Unidos contra França, a luta que caracterizou as três últimas olimpíadas. Phelps atacou o primeiro lugar, e Gilot foi seu rival.

Fabien Gilot foi o mais rápido nos 50 primeiros metros. Tocou a parede em 22s42 e girou a toda velocidade para cobrir os seus 50 metros finais. Phelps tocou em 22s53 e submergiu para dar uma, duas, três, quatro, cinco e seis pernadas de golfinho, com uma potência até então desconhecida nele, apesar de sempre ter sido um bom nadador subaquático. “Foi a melhor virada que já o vi fazer”, disse depois seu treinador, Bob Bowman. Aos 31 anos, às vésperas da aposentadoria, deu o melhor de si. Quando tocou a parede dos 200 metros, seu tempo parcial ficou cravado em 47s12. Gilot fez 48s20. Um segundo de diferença em 50 metros nadados é um excesso. Total: 1min35s22 para os Estados Unidos e 1min36s28 para a França na passagem dos 200 metros.

Nathan Adrian, Cameron McEvoy e o francês Jeremy Stravius travaram a última batalha da noite, a que decidiu a prata para a França e o bronze para a Austrália. Os Estados Unidos levaram o ouro com 3min09s92. O Brasil ficou em quinto, atrás da Rússia.

O jovem Ryan Held, que nadou o terceiro revezamento, não conteve as lágrimas. “Ouvi o hino milhares de vezes, mas desta vez fiquei muito emocionado”, confessou, “Phelps me dizia: ‘Aproveite, esta experiência é única na vida, contemple o público, recorde este momento”.

Os rapazes já não o chamam de Michael, e sim de Phelps. Com o respeito devido aos homens que fazem parte de um passado descomunal e distante, mas que, por coisas do destino, aparecem numa noite inesperada para somar o 19º ouro olímpico da sua peculiaríssima conta pessoal.

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