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Baía de Guanabara enfrenta prova de fogo ante as Olimpíadas

Poluição nas águas diminuiu, mas ainda está acima do permitido pela OMS. Atletas temem bactérias e restos de lixo

O eco-barcos recolhem os vertidos que se têm colado pela barreira na baía de Guanabara.
O eco-barcos recolhem os vertidos que se têm colado pela barreira na baía de Guanabara.YASUYOSHI CHIBA (AFP)

Carlos, um carioca bronzeado e musculoso de quase 50 anos, vive de alugar pranchas de stand up na praia do Flamengo, banhada pelas águas poluídas da Baía de Guanabara e cenário de algumas das competições aquáticas da Olimpíada no Rio. Enquanto seus colegas que trabalham em praias mais turísticas e de águas mais transparentes cobram cerca de 50 reais por meia hora, Carlos pede apenas 25 reais por 60 minutos e responde rotineiramente, e com raiva, as perguntas de seus potenciais clientes: “É seguro navegar lá?", "E se eu cair na água?”.

A dúvida também ronda os cerca de 1.400 atletas de vela e windsurf que vão competir nas águas da baía, que tem 412 km2 de superfície. Águas nas quais, segundo estudos recentes, foram encontrados níveis muito altos de vírus e bactérias provenientes do esgoto, lançados sem tratamento no mar. Níveis considerados insalubres em qualquer praia do mundo.

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A poluição, de acordo com especialistas, pode causar infecções intestinais e reações alérgicas na pele. Durante as competições pré-olímpicas do ano passado houve vários casos de atletas que relataram vômitos e desconforto depois de entrar em contato com a água.

“A coisa está muito melhor do que no ano passado, mas o problema não foi resolvido. No Flamengo e na área do interior do porto havia índices de bactérias altos. Caíram pela metade e ainda continuam um pouco acima do nível permitido pela Organização Mundial da Saúde”, diz Carmen Vaz, doutora da equipe espanhola de vela que está a vários dias no Rio.

A descontaminação da Baía de Guanabara, que recebe diariamente os dejetos de nove milhões de pessoas que não têm acesso à rede de esgoto, além dos resíduos da indústria petroleira local, foi uma das ambiciosas promessas para que o Rio fosse escolhido como sede da Olimpíada. Essa e o resto de promessas ambientais para o evento ficaram esquecidas em uma gaveta.

Sua limpeza está em andamento desde 1994 e já consumiu cerca de 10 bilhões de reais, sem resultados significativos. Os problemas da poluição não estão limitados à baía. Um estudo recente da Universidade Federal do Rio de Janeiro encontrou uma superbactéria, resistente a antibióticos e que pode causar pneumonia e infecções em cinco praias da cidade, inclusive a turística Copacabana, onde será realizado o triatlo e a natação em águas abertas.

A organização dos Jogos chegou a dizer que se vissem que alguma área da baía não está apta pela poluição da água, as provas iriam passar para outro lugar. “Mas isso não vai acontecer, nunca saberemos se os dados sobre a poluição são verdadeiros”, acrescentou a médica que tem seu próprio método para averiguar o estado de saúde da água. “Se as feridas ou picadas de mosquito se infectam em dois dias é porque a água não está boa. O medo que me dá é esse, não tanto que a água seja ingerida. Já aconteceu no ano passado de um dos atletas ficar com uma ferida infectada”, conta Vaz. Seu medo é esse, enquanto que o dos atletas tem a ver com pedaços de plástico, troncos ou outros objetos que impeçam o avanço do barco. A Baía, além de poluída, é destino de toneladas de lixo, desde sofás e armários até cadáveres.

“Água mais transparente”

Marina Alabau, velejadora espanhola que está há alguns dias no Rio, assim como seus companheiros, diz que viu a água muito melhor. “As águas estão bem mais limpas em comparação com as últimas vezes que vim, não há plásticos e coisas assim flutuando. Está mais transparente do que há duas semanas. É claro que algo foi feito”, conta a medalhista de ouro em Londres 2012 na classe RS:X. Outros, porém, rezam para que não chova porque a maré arrastaria o lixo para a baía.“Está melhor, mas não dá para soltar fogos de artifício. Teremos que esperar um dia de chuva e correntes para ver como está realmente”, diz Iván Pastor, que vai competir na mesma especialidade.

“Os resíduos físicos diminuíram, mas dependemos do clima. Se chover, tudo termina na baía. Você pode encontrar um dia melhor do que outro, mas já vimos de tudo flutuando na água”, diz Tamara Echegoyen que tenta a medalha junto com Berta Betanzos no 49erFX e também está treinando na Guanabara. O brasileiro Dante Bianchi, que não chegou a se classificar para a Olimpíada mas que treina diariamente na Baía, defende que as provas correram sem problemas. "Há muita sacola plástica flutuando, mas a água está transparente. Gostaria de que estivesse completamente limpa, é claro, mas não acho que vai afetar a competição" afirma.

“Há partes mais limpas, porque os brasileiros construíram em todos os afluentes que desembocam na baía algumas barreiras físicas para evitar a chegada do lixo. As coisas menores conseguem passar e são recolhidas diariamente. No ano passado, cheguei a ver até cães mortos. Todos os dias um helicóptero percorre quatro a cinco quilômetros da baía para verificar se as barreiras dos 20 afluentes estão bem. Alguns moradores, irritados com o desperdício de orçamento para a Olimpíada, quebravam essas barreiras. Por isso, são controladas diariamente. Isso pode ser controlado, os vírus e as bactérias da água, não”, afirma Vaz.

Os eco-barcos, encarregados de limpar o lixo que passa pelos filtros, recolhem 45 toneladas de resíduos por mês.

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