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Em busca do espírito olímpico no Rio a 10 dias do início dos Jogos

Militares tomam as ruas e vândalos destroem símbolos oficiais. Terrorismo tornou-se nova fonte de temor, mas há quem se negue a render-se ao pessimismo

Atletas da seleção brasileira de hockey tiram selfie na Vila Olímpica.
Atletas da seleção brasileira de hockey tiram selfie na Vila Olímpica.Buda Mendes (Getty Images)
María Martín

No alto de uma passarela de pedestres que atravessa o que será um dos trajetos de delegações e turistas para os estádios estão pendurados dois enormes banners comemorativos dos Jogos Olímpicos do Rio. Estão rasgados. Alguém os rasgou com vontade, tanto que sequer é possível ler o slogan desta edição: “Rio, um mundo novo”. Não é o único ataque: na praia de Copacabana há uma estrutura com os cinco anéis olímpicos que amanheceu cheia de pichações, contra a crise, contra o Governo e por melhorias na educação. O que seria apenas um ato de vandalismo de um adolescente contra o sistema reflete que, a dez dias do início das competições, o Rio de Janeiro não está totalmente à vontade em seu papel de anfitrião. Se não fosse pela decoração urbana, como esses banners, os castelos de areia com os anéis olímpicos construídos pelos artistas de rua na praia ou a presença ostensiva de militares nas ruas, nenhum visitante diria que estamos às vésperas do maior evento esportivo do planeta.

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“Com a crise política e econômica, houve uma transformação na maneira como os cariocas se relacionam com os Jogos. Em 2009, quando ganhamos, houve uma festa nacional, era um novo status internacional para o Brasil. Hoje o Rio vive um sentimento ainda mais hostil do que o país viveu durante a Copa de 2014”, avalia o professor e cientista político carioca Maurício Santoro. “Na época, apesar dos protestos, alguns brasileiros decoraram suas ruas com as cores da bandeira do Brasil, algo fantástico e que só o futebol consegue. Hoje não vemos nada disso, pelo contrário”, completa. Santoro relata que o faxineiro do prédio onde mora lhe disse um dia que estava cruzando os dedos para que chovesse durante os Jogos e estragasse a festa. “É um exemplo de como as classes populares não sentem este evento como delas. Eu mesmo vejo o Maracanã [onde acontecerão as competições de atletismo, futebol e arco e flecha] da minha janela na universidade, em greve desde março por falta de recursos. Gastaram 1 bilhão de reais para reformar o estádio, o mesmo dinheiro com o qual minha faculdade funciona durante dois anos.”

Além da falta de entusiasmo – 63% dos brasileiros acreditam que os Jogos trarão mais prejuízos do que benefícios, segundo a última pesquisa – há também o medo de um possível ataque terrorista. O terror conseguiu eclipsar até os temores de contrair o zika vírus, uma das principais preocupações até agora. A prisão, na semana passada, de 11 brasileiros que demonstraram simpatia pelo Estado Islâmico em grupos do WhatsApp materializou, no ideário coletivo, o temor, até agora distante, de que um ataque é possível.

Vários fãs que compraram entradas reconhecem que seu medo aumentou com os últimos ataques na Europa e a prisão desse grupo que tinha jurado lealdade aos jihadistas, mas nenhum mudará de planos. “A palavra ‘medo’ talvez não seja a mais adequada. Mas fico bastante inquieta”, explica a espanhola Raquel Pena, que viajará de São Paulo ao Rio para as competições que começam em 5 de agosto.

Os brasileiros, familiarizados com índices de criminalidade altíssimos – enquanto a Espanha registra menos de um assassinato por 100.000 habitantes, o Brasil registra 32 – também não se sentem seguros, mas veem o terrorismo como uma ameaça a mais em seu dia a dia. A ginecologista Leticia Passarelli, que de São Paulo virá ao Rio com seu marido, um bebê e duas primas, tem mais medo depois do atentado de Nice, no qual um tunisiano acabou com a vida de 88 pessoas ao volante de um caminhão, e também com a prisão do grupo islâmico brasileiro. “Não estou tranquila, mas quero muito ir. Tenho um medo mais real do que o terrorismo, que é o trajeto até o aeroporto”, explica, em referência a um possível assalto a mão armada, crime relativamente comum nas avenidas que ligam o aeroporto internacional do Rio ao centro da cidade. Rafael Cordone, de 29 anos, não se arrisca a afirmar que a ameaça terrorista seja uma “besteira”, mas diz que se nega a deixar-se influenciar pela “indústria do medo”. “Eu vou, vou ver o [Usain] Bolt em toda a sua glória. Se morrer, que seja, não é que não exista perigo em outras coisas que faço diariamente.”

O veto do COI aos representantes do atletismo russo, acusados de doping com a conivência das autoridades, também não ajuda a despertar o espírito pré-olímpico, mas teria sido pior se o Comitê no fim tivesse proibido a participação de toda a delegação. A família da espanhola Sara Martínez comprou ingressos para as competições de vela, basquete, ciclismo e também de atletismo. “Não deixaremos de ir, mas sem dúvida as competições de atletismo perderam boa parte de seu atrativo. Sem os russos não será a mesma coisa”, lamenta Martínez. Cordone verá Bolt correr, mas não verá Yelena Isinbayeva saltar, um dos motivos por que comprou uma entrada para a final de salto com vara feminino. “Fiquei irritado, mas concordo com a eliminação”, diz. “Prefiro a ausência dos russos do que a deslealdade esportiva na competição.”

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