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Coluna
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‘Terrir’, resposta brasileira ao terrorismo

Terrorismo, óbvio, é coisa séria. As autoridades brasileiras, porém, fazem lembrar o genial subgênero do cinema tupiniquim: o 'terrir', a mistura de terror com humor

Fuzileiros navais no Parque Olímpico, no Rio de Janeiro, nesta quinta-feira.
Fuzileiros navais no Parque Olímpico, no Rio de Janeiro, nesta quinta-feira.UESLEI MARCELINO (REUTERS)

Terrorismo, óbvio, é coisa séria. Bote sério nisso. As autoridades brasileiras, porém, que levam um olé diário dos PCC's bandeirantes e dos comandos cariocas, fazem lembrar, sob os holofotes bajuladores dos telejornais, o genial subgênero do cinema tupiniquim: o terrir, a mistura de terror com humor. O mestre da parada, o cineasta Ivan Cardoso, que perdoe este pusilânime fã e cronista diante de tão irresponsável comparação. Foi mal, amigo.

Um lobisomem cobiça o ouro olímpico?, indagaria o monstruoso Ivan, diretor de O Segredo da Múmia (1982), entre outras obras-primas. Suspense. Desculpa aí, Brasil Oficial que se leva a sério. Só rindo, mas o circo governista, policial, jurídico e midiático montado para caçar esses meninos do WhatsApp, precisa ser mais explicadinho, trocado em miúdos de pedagógicos sarapatéis paulofreirianos. Não convence uma pá de gente, mesmo uns cidadãos assustados que conheço em ambientes familiares. Em matéria de assombração, só o chupa-cabra explica a pátria mameluca!

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O mais louco é que, depois da manchete à cabidela —tipo da notícia que vende o sangue de véspera igual ao cacarejo das galinhas que minha mãe matava no Cariri— os argumentos das autoritárias e argutas autoridades pareciam desmentir o perigo: são amadores, não têm conexão real com o Estado Islâmico, não dá para mencionar o grau de risco etc etc etc. Sem se falar na contradição entre o juiz que autorizou o cárcere e os nossos carecas da lei —evidentemente sem o charme do velho Kojak do seriado americano, of course.

E essa história de levar a molecada supostamente terrorista para lugar não-dito e não-sabido? Isso me lembra, caríssimo Ivan Cardoso, não o terrir, pois não tem graça, me lembra o terror —nada virtual ou cinematográfico— dos porões militares. No mínimo um resquício no inconsciente do governo em exercício ou do golpe em andamento, como preferir o generoso leitor deste panfletário colunista.

Pedagogia da esquina

Ali pelo oitavo chope, chegamos à conclusão de que todos os problemas eram insolúveis, disse, me disse certamente, ontem à noite, o amanuense Belmiro. Pobre Belmiro, um desses escravos da burocracia de um escritório do centro. Conheci o sábio Belmiro, graças ao velhíssimo camarada Cyro dos Anjos, outro que bebe conosco aqui na esquina do Príncipe de Mônaco, ai de mim Copacabana.

Esse povo cordial brasileiro, incluindo a nossa polícia exterminadora na periferia, já mata mais gente comum todo dia do que quaisquer célula islâmica

No que, além do terrorismo diário do Rio de Janeiro, falamos também da chatice olímpica. As tropas, daqui a pouco, nos proíbem de mirar as bundas, Copacabana é farta em bundas de todos os gêneros. A escola do terrir sabiamente inclui o sexo, como terceiro elemento —error, humor e sacanagem, por supuesto.

Que triste tem ficado o Rio eternamente sequestrado pelos grandes eventos. Seja a Jornada da Juventude do papa Francisco, o fofo da eucaristia (pense numa cidade cara desde essa época!), seja a Copa do Mundo, ave, seja qualquer onda. E agora só faltava essa ameaça de terrorismo para uma gente que sabe o que é isso desde a Guerra Fria, no mínimo.

Na buena, esse povo cordial brasileiro, incluindo a nossa polícia exterminadora na periferia, já mata mais gente comum todo dia do que quaisquer célula islâmica. Vocês têm certeza que vêm ao nosso país, caros terroristas de verdade?

Xico Sá, escritor e jornalista, é comentarista do programa Papo de Segunda (GNT) e autor de Big Jato , entre outros livros.

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