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Assim a Rússia fazia desaparecer o doping positivo de seus melhores atletas

Sistema de controle empregado em 2011 e 2015 burlava o controle das agências internacionais

Carlos Arribas
Putin (de vermelho) durante os Jogos de Sochi 2014.
Putin (de vermelho) durante os Jogos de Sochi 2014.Alexei Nikolsky (AP)

Sem muitos superlativos disponíveis depois de ter chamado, há anos, o caso de Armstrong de “sistema mais sofisticado de doping já implementado”, Travis Tygart, presidente da USADA, a agência antidoping dos Estados Unidos, encontrou, no entanto, um adjetivo chamativo para descrever o que acontece no caso de doping da Rússia. “É um nível alucinante de corrupção”, afirmou Tygart, que imediatamente pediu a exclusão da Rússia da Olimpíada no Rio. Depois da leitura de algumas passagens do relatório, classificado por alguns de romance de ficção científica ou de espionagem, é possível concluir que o habitualmente exaltado Tygart não exagerava muito nessa ocasião.

O sistema de doping de Estado usado na Rússia entre 2011 e 2015 recorria a um método para esconder os resultados positivos de seus atletas das agências e federações internacionais. É o que o relatório chama de Metodologia dos positivos que desaparecem, conhecida em código pelas autoridades russas como o método de Salva ou Quarentena e que serviu para transformar em negativos pelo menos 312 amostras positivas de vinte esportes.

As amostras vinham de controles fora de competição e chegavam ao laboratório de Moscou. Lá, o diretor, Grigory Rodchenkov, analisava e quando encontrava um resultado positivo consultava a agência antidoping, RUSADA, para saber a quem correspondia.

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Depois, informava diretamente o vice-ministro de Esportes da Rússia, Yuri Nagornykh: “Tal atleta deu positivo”. O político só podia responder com uma palavra em código das duas que tinha: salva ou quarentena. Se respondesse “salva”, Rodchenkov devia informar que o controle era negativo no sistema informático ADAMS, pelo qual a AMA e as federações internacionais são informadas sobre os controles, e depois falsificar o relatório do laboratório. Se o dirigente respondesse “quarentena”, o caso continuava em frente. Os “salva”, que de acordo com as poucas contas que McLaren pôde fazer, classificaram 312 do 577 positivos que foram revisados, geralmente correspondiam aos melhores atletas russos, às esperanças de medalha.

A ginástica se salva

Foram afetados quase todos os esportes olímpicos de verão: atletismo, 139 positivos desaparecidos; levantamento de peso, 117; luta, 28; canoagem, 27; ciclismo, 26; natação, 18; futebol e remo, 11 cada um; judô e vôlei, oito cada um; boxe e handebol, cada um com sete; taekwondo, seis; esgrima e triatlo, quatro cada um; pentatlo moderno e tiro, três; vôlei de praia, dois, e basquete, vela, tênis de mesa e polo aquático, um. Somente ginástica, entre os grandes esportes, se salvou.

Os “quarentena” (265) condenaram estrangeiros ou russos de segundo nível. Houve uma exceção, no entanto, um estrangeiro de um time de futebol russo que foi salvo pessoalmente pelo ministro dos Esportes, Vitaly Mutko, também presidente da Federação Russa de Futebol, membro do Comitê Executivo da FIFA e presidente do comitê organizador da Copa do Mundo de 2018.

Durante um grande evento como os Jogos de Inverno de Sochi, o FSB (antiga KGB) construiu um prédio anexo ao laboratório antidoping, fora do controle dos inspetores da Agência Mundial Antidoping (AMA), que vigiavam o bom desenvolvimento dos controles. Esta construção tinha uma comunicação através de uma passagem do tamanho de um buraco de rato, com a sala em que Rodchenkov realizava a distribuição das partes divididas de urina para os controles em diferentes horários do dia. Durante as madrugadas dedicava-se a passar através do buraco as amostras de atletas que o ministério tinha informado que tinham usado doping. Embora os frascos fossem apenas identificados por um código, Rodchenkov sabia a quem pertencia pois os atletas tinham tirado secretamente fotos dos frascos ao enchê-los e enviado por WhatsApp. Até 15 deles tinham ganhado medalhas.

Em sua instalação, os especialistas da polícia possuíam uma geladeira com urina limpa que os suspeitos tinham enviado a Moscou meses antes. Com uma técnica desconhecida, mas que deixou traços microscópicos nas tampas, a FSB abria os frascos, tirava a urina suja e substituía pela limpa. Por meio do buraco, devolvia os frascos a Rodchenkov, que adicionava sal para fazer com que a gravidade específica do líquido fosse a mesma que tinha apontada anteriormente em uma análise preliminar. Os frascos abertos voltavam ao FSB, que fechava, e devolvia para que continuassem pelo caminho habitual.

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