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O ‘Exército Olímpico’ do Brasil

Cerca de 130 militares se classificaram para os Jogos, quase um terço da delegação brasileira

María Martín
Arthur Mariano Nory, bronze no salto da ginástica artística, é um dos militares da delegação brasileira
Arthur Mariano Nory, bronze no salto da ginástica artística, é um dos militares da delegação brasileiraQuinn Rooney (Getty Images)

O Brasil quer demonstrar poderio militar dentro e fora dos estádios. Enquanto cerca de 23.000 soldados patrulharão as ruas do Rio de Janeiro durante os Jogos Olímpicos, 129 militares atletas, quase um terço da delegação brasileira, se preparam para subir ao pódio.

Entre os esportistas há jovens que se alistaram nas Forças Armadas não por vocação patriótica, mas porque não tinham como arcar com os gastos necessários para competir entre a elite. Há cinco anos, a hoje sargento Tang Sing, lutadora de taekwondo, quarta no ranking mundial da modalidade, treinava na sacada de sua casa, em um bairro humilde do Rio de Janeiro e fazia campanhas para arrecadar dinheiro para contar com coisas tão básicas para um esportista como um nutricionista. Sua mãe lhe dizia que não chegaria a lugar algum desse jeito se estivesse determinada a competir, e Tang Sing decidiu alistar-se. “Graças ao Exército pude realizar meu sonho de participar dos Jogos Olímpicos. Antes não tinha nenhum apoio e estava a ponto de abandonar o esporte. Com meu soldo como militar [cerca de 3.000 reais], consegui pagar um nutricionista, fiz viagens internacionais para competir, arco com meus suplementos energéticos... Tudo isso é muito caro e eu sempre passei dificuldades econômicas”, conta a sargento, treinada com os golpes de três lutadoras turcas pagas pelo Comitê Olímpico Brasileiro.

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O elevado número de militares brasileiros nos Jogos – a Itália conta com cerca de 50 soldados, os Estados Unidos com apenas seis e a Espanha não tem nenhum – ainda pode aumentar, até serem divulgados oficialmente os cerca de 460 nomes que competirão. Isso tem duas explicações: por um lado, o Brasil, como anfitrião, tem mais lugares garantidos do que os que lhe caberiam se os Jogos fossem em outro país. Por outro, está o investimento do Exército brasileiro em seu centro de treinamento para atrair atletas promissores que, em muitos casos, abandonam as competições por falta de recursos.

O Centro de Alto Rendimento das Forças Armadas foi criado em 2008, inspirado nas experiências de países como Alemanha, China, Rússia, França e Itália, que possuem programas semelhantes. Os atletas, selecionados com base em seus currículos e resultados esportivos, recebem formação militar, mas se dedicam ao esporte com exclusividade. A estratégia, que consome 18 milhões de reais por ano, entre eventos esportivos, equipamentos e salários, tem funcionado em diversas modalidades, em que os soldados se destacam mais do que os atletas civis, dentre elas natação, tiro com arco, boxe e atletismo. Há equipes, como a do judô, compostas exclusivamente por militares. A seleção feminina é toda da Marinha brasileira, e a dos homens é do Exército. O objetivo do Ministério da Defesa é chegar a 10 medalhas nos Jogos, o dobro daquilo que se conquistou em Londres, com 50 soldados em suas fileiras.

A menos de 20 dias de competir com o norte-americano Michael Phelps, o sargento Henrique Rodrigues, 25 anos, medalha de ouro nos últimos Jogos Pan-americanos de Toronto e um dos melhores nadadores brasileiros, já sonha com sua medalha. Nas piscinas desde os cinco anos, Rodrigues tem ganhado competições desde os 11 anos. Ele procurou o Exército em 2010, passou pelo concurso público, foi bolsista durante 45 dias no quartel e, depois, percebeu que a disciplina do pelotão se encaixava perfeitamente com sua rotina esportiva. “Sempre tive muita atração pelo Exército. Eu já tinha tido vontade de me alistar, mas não foi possível, e foi por meio da natação que consegui. Não levo uma vida estritamente de militar, porque me dedico principalmente à natação, mas eu senti o gosto do que isso significa. E gostei”, conta Rodrigues, que já participou dos Jogos Olímpicos de Londres.

O sargento Charles Koshiro Chibana, também medalha de ouro nos Jogos Pan-americanos de Toronto, sempre carregou o judô no sangue – toda a sua família pratica a modalidade –, e frequenta os tatames desde os três anos de idade. Mas foi graças ao Exército que conseguiu o seu lugar para participar da Rio 2016. De origem nipônica, cresceu em um bairro humilde de São Paulo e, em 2013, começou a ter o seu nome citado em nível internacional, começou a ganhar medalhas, até que o Exército também o convidou para integrar o grupo. “Os valores do Exército são parecidos com os que cultivamos no judô. Há disciplina, hierarquia, respeito aos mais experientes”, explica o sargento, que começou a ver, pela primeira vez, o Brasil como uma pátria. “Minha entrada no Exército fez surgir um sentimento nacionalista que eu nunca tinha tido antes. Gosto de poder competir pelo meu país”.

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