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Os hispânicos, vítimas silenciosas da violência policial nos EUA

Depois da comunidade negra, a latina é a mais afetada pela brutalidade policial

Silvia Ayuso
Memorial por Antonio Zambrano, morto pela polícia em 2015.
Memorial por Antonio Zambrano, morto pela polícia em 2015.AP
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Os distúrbios registrados em Baltimore depois da morte do jovem negro Freddie Gray pelas mãos da polícia há pouco mais de um ano não chegaram até o bairro onde Ramona Reyes, uma imigrante dominicana de 40 anos, tem seu salão de beleza. Mas a indignação e, sobretudo, o medo de uma resposta policial desproporcional, demonstrada outra vez nos recentes casos de Philando Castile e Alton Sterling, é hoje palpável neste canto predominantemente hispânico e negro de uma cidade já associada à brutalidade policial contra as minorias.

Os latinos não têm confiança na polícia”, afirma Ramona no negócio que leva seu nome, e no qual atende todos os dias numerosos moradores vizinhos, na maioria hispânicos. Muitos deles contam histórias de discriminação pela polícia, afirma. Mas essa desconfiança, assim como a situação imigratória irregular de muitos deles, os dissuade de fazer uma denúncia. A própria Ramona, que tem documentos legais e acaba de obter a cidadania norte-americana, foi detida durante 26 horas quando, em 2013, denunciou o marido por maus-tratos.

Outro motivo pelo qual se conhecem menos casos de violência policial contra latinos do que contra negros é, segundo especialistas, a menor visibilidade da comunidade hispânica nos EUA. E a falta de uma organização eficiente, concordam Ramona e Lydia Walther-Rodríguez, organizadora comunitária em Baltimore da entidade hispânica CASA. Embora os latinos sejam muito ativos na hora de unir-se para lutar por uma reforma imigratória, não existe um movimento similar ao Black Lives Matter, dos negros, observa ela. “Os latinos não têm nem voz nem voto aqui, mas é também porque não nos ajudamos. Falta mobilização”, suspira Ramona.

Depois dos afro-americanos, os hispânicos são a minoria mais afetada nos Estados Unidos pela discriminação e violência policial. Segundo o cálculo de The Washington Post, das 900 pessoas mortas em mãos da polícia em 2015, 494 eram brancas, 258, negras, e 172, hispânicas. Entre afro-americanos e latinos somados, são quase tantas mortes como as de brancos, apesar de que essas minorias não representam mais de 30% da população norte-americana, tal como lembrou recentemente o presidente Barack Obama.

Depois dos afro-americanos, os hispânicos são a minoria mais afetada nos Estados Unidos pela discriminação e violência policial

A desproporção da violência policial é mais patente ainda quando se verifica quantas dessas pessoas não estavam armadas no momento de sua morte por um ou vários agentes da lei: dos 494 brancos abatidos, somente 32 estavam desarmados, Ou seja, 6% dos que morreram. No caso dos negros, a cifra dispara para 14,7% e no dos hispânicos é de 10,4%.

São poucos nos Estados Unidos ou fora do país os que não conhecem o nome de Michael Brown, o adolescente negro desarmado morto a tiros por um policial branco em Ferguson (Missouri), em agosto de 2014. E ainda perduram os protestos por Philando Castile e Alton Sterling, os dois negros cujas mortes em mãos da polícia neste mês foram gravadas e difundidas rapidamente pelas redes sociais. Mas muitos ficam mudos ao escutar nomes como o de Antonio Zambrano Montes de Pasco (Washington), Rubén García Villalpando de Euless (Texas) ou Ernesto Javier Canepa Díaz em Santa Ana (Califórnia). Os três homens, de origem mexicana e com idades entre 28 e 35 anos, também morreram por disparos de policiais no último ano, apesar de não estarem armados.

E não se trata só de casos tão extremos. A discriminação é sentida com frequência em incidentes diários menores, ao ponto de que mais de um hispânico pense duas vezes antes de pedir ajuda à polícia, afirma Walther-Rodríguez. “É um problema que nossa comunidade latina tem. Às vezes, quando uma pessoa necessita da polícia, há esse temor de que ‘se eu chamar a polícia, talvez me aconteça algo pior’”.

Isso não é novo. Segundo um estudo da Fundação W.K. Kellogg e do instituto de pesquisas Latino Decisions de 2014, um total de 68% dos latinos teme que a polícia possa fazer uso excessivo da força contra eles. Até 18% dos consultados disse ter um parente ou amigo vítima da brutalidade policial.

E o receio supera o âmbito policial. Um total de 52% dos hispânicos consultados no mês passado pelo Pew Research Center disse ter sofrido algum tipo de discriminação ou ter sido tratado de maneira injusta por causa de sua raça ou grupo étnico.

O medo de recorrer à polícia é algo que compartilham afro-americanos e hispânicos, diz Walther-Rodríguez. No caso dos latinos, com frequência há complicações adicionais em sua relação com as autoridades, para além de um temor de discriminação racial: uma situação de imigração irregular—nos EUA há 11 milhões de imigrantes ilegais, em grande parte, hispânicos— e também, às vezes, o escasso conhecimento do inglês.

Mas em Baltimore e no Estado de Maryland algo começa a mudar. Ativistas negros e hispânicos se uniram depois da morte de Freddie Gray e criaram a Campanha pela Justiça, Segurança e Trabalhos, que luta por uma maior transparência policial. E contam com uma primeira conquista: ter conseguido que o prazo para denunciar um abuso policial seja ampliado de 90 dias para um ano, celebra Walther-Rodríguez. Mas ainda resta muito caminho por percorrer. “Sabemos que temos de lutar juntos, porque estes casos muitas vezes estão saindo à luz graças à habilidade da comunidade para se organizar. E isso vem junto com conhecer nossos direitos e saber reportar o que está se passando.”

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