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Por que os trintões ficaram malucos com o Pokemon Go?

É um fato: adultos, crianças e adolescentes investem seu tempo de lazer em uma mesma atividade

Você certamente topou nos últimos dias, em algum momento, com um grupo de pessoas que apontavam seus celulares para algum edifício emblemático, um grafite ou uma estação de metrô, como se tirasse fotos desses lugares. Se você não foi fisgado por essa praga, talvez tenha pensado que se trata de alguns turistas imortalizando algum monumento, mas o mais provável é que tenham sido pessoas desconhecidas entre si caçando um Pokémon ou conquistando pokéballs. Se tudo isso ainda lhe parece tão estranho quanto o chinês –o que se torna cada vez mais raro--, segue, aqui, um resumo de explicação para o fenômeno: os Pokémons são os protagonistas, com uma aparência animal, de um videogame criado em 1996 e que foi reinventado recentemente na forma de um aplicativo de realidade aumentada para celulares chamado Pokémon Go.

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Em que consiste isso? Cada jogador é um caçador que tem de localizar esses pequenos monstros pela cidade (seu lema é “pegue todos eles”), guiado pelo seu GPS. Para isso, precisa usar as pokéballs, que são bolas virtuais lançadas na direção do bichinho e que faz com que ele fique preso para ser treinado e utilizado como guerreiro em novos combates com outros usuários. O que talvez o surpreenda é a idade de alguns desses jogadores: o dobro dos anos dos participantes adolescentes. Mas, afinal, o que leva toda uma geração de trintões a se amarrar dessa forma em um jogo de crianças?

De cara com o Pikachu

O primeiro atrativo desse aplicativo é o uso da realidade aumentada. Essa tecnologia não só faz com que o usuário acredite ter diante de si uma criatura fantasiosa, como também, nesse caso concreto, leva-o a achar que poderá tocar em um Squirtle, Magnemite, Palkia ou Pikachu, alguns dos protagonistas do game, conhecidos tanto pelos mais jovens como por aqueles que já estão em torno dos trinta anos de idade, “o que faz do videogame um poderoso elo de ligação entre gerações”, afirma José Maria Moreno, diretor geral da Associação Espanhola de Videogames (AEVI).

Essa regressão para a década de 90 explicaria, ao menos em parte, os motivos desse comportamento. No entanto, a imagem de tantos adultos perseguindo criaturas fictícias com seus celulares à mão dá o que pensar. “O Pokémon Go trouxe à tona algo que parecia insólito, que crianças e adultos brinquem com o mesmo jogo”, afirma Juan Moisés de la Serna, doutor em Psicologia e autor do livro Ciberpsicologia: relação entre mente e Internet. O especialista constata um fenômeno: “há uma crescente homogeneização na forma com que gerações distantes entre si ocupam o seu tempo livre”.

Isso significa que vivemos em uma sociedade infantilizada? Seriam os jogadores de videogame com 30 anos de idade uma espécie de adultos presos em mentes infantis? Julio Meneses, professor de Estudos de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade Aberta da Catalunha, discorda: “Quem pensa dessa forma são pessoas que nunca jogam”, afirma. Mais do que isso: segundo Meneses, “são várias os ocasiões em que um videogame pode proporcionar a um adulto uma forma de entretenimento simples que é aceita, de fato, pela nossa sociedade. Jogar é uma atividade saudável em qualquer idade, a partir de vários pontos de vista, embora, como acontece com tudo, o excesso não seja uma boa opção”.

Fuga aumentada?

Outra dúvida que pode aparecer é se a realidade aumentada não constituiria, na verdade, um método utilizado para fugir da realidade palpável. Ao comentar esse tipo de observação, de la Serna ressalva que o jogo “não substitui o mundo real, pois foi pensando para preencher a realidade. O que pode acontecer, em um ou outro caso, é que, comparativamente, a realidade acabe sendo menos atraente, e acredita-se na possibilidade de que o jogador prefira permanecer na ficção”.

“Há uma crescente homogeneização na forma como gerações distantes umas das outras ocupam o seu tempo livre”, Juan Moisés de la Serna

No entanto, ali onde de la Serna vê a existência de um risco para o nosso equilíbrio emocional, Meneses enxerga tão somente “um jogo em que se usa um algoritmo para localizar objetos com os quais se pode interagir”. E ele insiste: “explorar o nosso entorno não tem por que ser mais do que um reflexo de um interesse em experimentar as diferentes expressões culturais que temos à nossa disposição. Se o nosso objetivo é fugir da vida real, nós o faremos usando um Pokémon Go ou qualquer outro caminho, como ler um romance, assistir a um filme ou virarmos seguidores fanáticos de alguma série de televisão”.

De toda forma, de la Serna avalia que ainda é cedo para saber se a realidade aumentada pode gerar problemas de ordem mental, embora, “caso essa onda de ciberdependência que se vive hoje em dia continue o seu curso, não será estranho que em alguns meses comecem a surgir os primeiros casos. Tentar viver em duas realidades ao mesmo tempo pode levar certos indivíduos a uma psicose”.

“Pegue todos eles” fora do sofá

Moreno também considera importante o fato de que o jogador “seja uma parte ativa, não só nas ações de caça, mas também ao ter de tomar decisões, como a de a qual academia ir ou a qual equipe pertencer”. Para Carlos Gonzáles Tardón, psicólogo e fundador de People&Videogames, uma empresa de consultoria, desenvolvimento e gestão de projetos sobre videogames e criação de games, acredita que, neste caso, “o que vicia é o impulso de completude, pois o ser humano gosta de acumular e poder exibir suas conquistas”.

O espírito de competição, subir de nível ou se relacionar online com outros jogadores são elementos que fazem parte da fórmula que, segundo Moreno, todo videogame que pretenda conquistar as pessoas precisa ter. E o Pokémon Go não só preenche essas condições como também (e é isso que parece ter feito a sua diferença) faz os jogadores saírem para a rua. E mais do que isso: faz com que saiam com seus celulares na mão.

Não só há a possibilidade de jogar ao ar livre, como essa é, na verdade, a única forma de fazê-lo. Por isso, o Pokémon Go “poderá ter efeitos muito positivos nas pessoas que exibem sintomas depressivos, pois as incentiva a sair para a rua e a se relacionar”, explica de la Serna, que, mesmo assim, pondera: “É preciso considerar que esse jogo é orientado para um público específico cujas características não correspondem às de grupos com tendência à depressão, razão pela qual é preciso ser cauteloso na hora de lhe atribuir efeitos daquele tipo”.

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