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Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

A Espanha decide não arriscar (e não resolver)

O resultado significa novas eleições? Agora, toda a oposição a Rajoy sabe que seria um risco

Thiago Ferrer Morini
O líder do PP, Mariano Rajoy, e sua mulher, Elvira Fernandez.
O líder do PP, Mariano Rajoy, e sua mulher, Elvira Fernandez.Daniel Ochoa de Olza (AP)

Os quase 24 milhões de espanhóis que foram votar nesse domingo (e os que conseguiram superar o bizantino sistema de voto postal desde o exterior) decidiram não arriscar. A maioria dos eleitores repetiu o seu voto, e os que não, voltaram aos velhos partidos tradicionais. O conservador Partido Popular, no poder, ganhou mais de 600.000 votos a mais que em dezembro e 14 cadeiras no Congresso (Câmara dos Deputados) que, se não lhe dão a maioria, lhe dão uma posição mais forte nas inevitáveis negociações que seguirão à eleição. O resultado demonstra a força de Mariano Rajoy. O galego, de 61 anos, é objetivo de todas as piadas pelo seu linguajar enrolado, sua proverbial indecisão e a sua paixão por futebol, que lhe dão uma imagem de homem simplório, incapaz de entender as complexidades de um país como a Espanha. No entanto, já ganhou a sua terceira eleição (pelo que o seu placar passa a ser três a dois), tem levado à vitória um partido envolvido até o osso em casos de corrupção e tem visto passar à sua porta os cadáveres políticos de todos seus inimigos no partido. Se, no seu discurso de vitória, Rajoy disse que o seu partido merece "um respeito", o líder do PP também.

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 No entanto, o tradicional centro-esquerdista PSOE conseguiu, de novo, esse estranho milagre de perder sem perder: a pesar de ter (de novo) o pior resultado da sua história, com 120.000 votos e cinco cadeiras menos no Parlamento, e não ganhar em nenhuma comunidade autônoma (Estado), o PSOE mantém a liderança simbólica da esquerda espanhola, o que fortifica o seu líder Pedro Sánchez à frente do partido; mais ainda quando a sua grande rival, a presidenta (governadora) da Andaluzia, Susana Díaz, deve amargar o fato de que o PSOE perdeu na que é a maior comunidade autônoma da Espanha.

A sobrevivência de Sánchez se faz às custas da derrota da coligação de esquerda Unidos Podemos. Derrota porque todas as pesquisas (inclusive às publicadas neste jornal, justiça seja feita) davam o UP como vencedora da grande luta pelo poder na esquerda espanhola. O partido fica como está, 71 cadeiras, mas perde mais de um milhão de votos em comparação a dezembro. Uma enorme decepção para quem esperava, precisamente, somar os votos da Esquerda Unida, desperdiçados em dezembro pelas imprecisões do sistema eleitoral espanhol, que castiga os partidos menores especialmente nas províncias mais pequenas. O partido de centro-direita Ciudadanos perdeu menos votos e menos cadeiras, mas continua sem ocupar a posição que ambicionava: a de apoio de um dos grandes partidos para formar um governo de reformas liberalizantes. Agora, como em dezembro, deve se conformar com o papel de veludo entre os cristais de PP e PSOE para formar um governo de frente ampla de centro, uma ideia que já foi rejeitada pelo PSOE.

A mensagem do PP nessas eleições esteve clara desde o começo: o PP é o único partido que pode garantir o que os espanhóis já têm. E essa é uma mensagem poderosa, inclusive para os mais prejudicados pela crise. Qualquer movimento de ruptura do sistema político precisa convencer ao eleitorado de que não tem nada a perder com votar numa mudança radical. Mas, parece, a maioria dos espanhóis considera que tem, sim, a perder. O referendo britânico, onde um país observa agora desesperado as consequências de uma ruptura radical, tem sido um enorme sinal de alerta. Pode até explicar em grande medida a diferença entre as pesquisas e a realidade, mas não toda: em dezembro os partidos tradicionais também foram subestimados.

A diferença do sistema parlamentarista em relação ao presidencialista é que primeiro se forma a base aliada e depois se escolhe o presidente. Mas o sistema eleitoral espanhol, que premia os grandes partidos, nunca permitiu o desenvolvimento de uma cultura da negociação até agora. O resultado das eleições de junho, que em outros países significariam a formação de um Governo em dias, aqui abrem um período de incerteza igual ao de dezembro. Isso significa novas eleições? A diferença é que, agora, toda a oposição a Rajoy sabe que seria um risco; quem sabe, o PP poderia melhorar mais ainda os seus resultados. Agora os partidos vão ter que jogar com essas cartas —e o Partido Popular é o único com um trunfo a mais. A Espanha não resolveu quem ela quer no Palácio da Moncloa, mas os partidos estão obrigados a decidir por eles.

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