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Resultado do Referendo do ‘Brexit’
Perfil
Texto com interpretação sobre uma pessoa, que inclui declarações

Nigel Farage, o outro pai do ‘Brexit’

O líder eurofóbico do partido UKIP foi o estopim político do plebiscito convocado por David Cameron

Pablo Guimón
Sciammarella

O hobby de Nigel Farage é visitar campos de batalha da Primeira Guerra Mundial. “Campos de garrafa”, corrigia um companheiro dessas visitas, numa entrevista à BBC, fazendo um trocadilho com as palavras battle / bottle e referindo-se ao hábito do grupo de enxugar as adegas dos restaurantes antes de se lançar à comunhão com a história. Lá, à intempérie, Farage reflete sobre o Velho Continente. Sobre quando, e por que diabos, tudo deu errado.

Se há algo de que não se pode acusar Nigel Farage, de 53 anos, é de falta de coerência política, virtude que escasseou nesta campanha para o referendo realizado nesta quinta-feira. O líder dos europeístas, o primeiro-ministro David Cameron, amaldiçoava a UE há apenas cinco meses. Para Jeremy Corbyn, o líder trabalhista que se gaba de sua fidelidade a seus princípios, o projeto europeu é só um mal menor, pelo qual renunciou a abrir uma nova frente de luta dentro do seu partido, optando em vez disso por ostentar um tímido europeísmo cheio de nuances. E o que dizer de Boris Johnson? Rosto visível da campanha pelo Brexit, ele decidiu sua posição horas antes de começar a batalha, provavelmente guiado por ambições políticas pessoais, e se definiu como “pró-imigração” em meio a uma campanha baseada no controle das fronteiras.

Nigel Farage não. Sua postura não tem matizes. Quando se formou na prestigiosa escola privada Dulwich College e se lançou à busca por fortuna na City, já tinha um inimigo bem identificado: o projeto europeu.

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Nesta sexta-feira, passado o referendo, uma jornada chega ao fim para Nigel Farage – não a sua carreira política, mas sim uma travessia pessoal que, de forma admirável, conseguiu tomar conta do país. E seria assim qualquer que fosse o resultado do plebiscito.

Se o Reino Unido decidisse permanecer na UE, o partido dele, o antieuropeu UKIP, não teria mais razão de existir. Por outro lado, com a vitória do rompimento, concluiu sua missão vital, ainda que provavelmente serão outros políticos – como Johnson, ex-prefeito de Londres – que levarão os méritos.

Mas, como ele mesmo quis recordar em seu último pronunciamento da campanha, se chegamos até aqui foi graças a Nigel Farage. Sua ameaça ao Partido Conservador – o UKIP, que significa Partido da Independência do Reino Unido, foi a agremiação mais votada nas eleições europeias de 2014 – levou David Cameron a convocar um plebiscito, na esperança de resolver para sempre o debate europeu. Também é de Farage o mérito de ter percebido o medo da imigração que açoita o inglês médio, algo que agora está na primeira linha do debate político.

Farage, casado com uma alemã (sua segunda mulher) e pai de quatro filhos, encarna a caricatura do liberal anglo-saxão. Quanto menos Estado, melhor. E um supra-Estado, claro, nem em sonhos. Para Farage, a liberdade individual é soberana, e isso o leva a defender posturas brandas em relação à legalização das drogas e o casamento homossexual, ideias pouco populares entre seus eleitores.

Tentou se eleger deputado em sete ocasiões, e nas sete fracassou. A dispersão geográfica dos 3,8 milhões dos votos que seu partido obteve nas gerais de 2015, mais do que a soma do terceiro e quarto partidos com maior bancada na Câmara dos Comuns, o deixou novamente sem vaga. O único deputado eleito pelo UKIP foi Douglas Carswell, um desertor dos tories (conservadores) que não se dá bem com o líder eurocético.

Mas quem precisa eleger deputados quando, conforme a sua visão do mundo, cada pub é um Parlamento? Filho de um corretor de ações alcoólatra, que deixou a família quando Nigel tinha cinco anos, Farage transformou a caneca de cerveja em uma extensão da sua figura e numa interface para se conectar com o inglês médio. Entornou três pints no seu hilário almoço com o correspondente político do Financial Times, além de meia garrafa de Bordeaux e uma taça de vinho do Porto. O álcool é o combustível dos seus irados debates políticos. O diretor do centro metodista de Westminster lhe confiscou duas garrafas de gim antes de ele subir ao palco de um debate transmitido pela TV. Ao contrário do gim e da água tônica, diria ele mais tarde, “o metodismo e o faragismo não combinam muito bem”.

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