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O cadafalso de Eduardo Cunha, mais próximo de perder seu mandato

Conselho de Ética pede sua cassação, que vai a plenário. A agonia do aliado deixa Temer em alerta

A deputada Tia Eron, durante a votação desta terça-feira.
A deputada Tia Eron, durante a votação desta terça-feira.Alex Ferreira (Câmara dos Deputados)
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Eduardo Cunha se segurou até onde conseguiu. Mas nem toda a sua articulação política nem sua tropa de choque na Câmara puderam frear nesta terça-feira a aprovação do relatório no Conselho de Ética que pedia sua cassação. Foram oito meses de discussão, a mais longa já vista no colegiado contra um parlamentar, até que a decisão pudesse seguir para o plenário, onde 257 deputados também terão de concordar com o parecer -ainda não há data prevista. Se isso acontecer, o todo-poderoso presidente afastado da Câmara, que assumiu o cargo em uma manobra política contra o PT e autorizou a abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, deixará de ser deputado. Ao menos pelos próximos oito anos.

A decissão do Conselho de Ética representa uma enorme derrota política para o deputado, que responde por múltiplas acusações de corrupção no esquema de corrupção da Petrobras e está, desde o mês passado, afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal. Até os últimos votos da sessão desta terça-feira, o destino do aliado do presidente interino, Michel Temer, não estava selado. Mesmo afastado, Cunha seguia com influência sobre o chamado "Centrão", grupo de mais de 200 deputados de diversos partidos que jogou papel central na crise política que acabaria afastando do poder Dilma Rousseff, e confiava nele para se salvar.

Os 20 deputados tinham de decidir se concordavam ou não com o relatório do deputado Marcos Rogério (DEM), que afirmava que Cunha quebrou o decoro parlamentar, pois mentiu na CPI da Petrobras ao afirmar que não tinha contas no exterior. Pouco depois da declaração na comissão, no entanto, o banco suíço Julius Baer informou às autoridades daquele país que ele e seus familiares eram beneficiários de contas na instituição. A defesa diz que ele é não é titular das contas e, sim, usufrutuário de contas de um trust.

Os aliados de Cunha contavam com 10 votos certos. Os que pediam a cassação, com nove. O vigésimo e decisivo voto caberia à Tia Eron, uma deputada do PRB até então pouco conhecida, vista como aliada de Cunha, mas que havia elogiado o parecer do relator pela cassação. Era, portanto, uma incógnita. Caso ela votasse a favor do parecer, haveria um empate. E o desempate caberia ao presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PR-BA), que votaria contra o presidente afastado da Câmara. Se ela votasse contra o parecer, Cunha venceria na comissão por 11 votos a 9.

A pressão sofrida por Tia Eron era enorme. De um lado da balança contava o apoio de seu partido a Cunha e Temer. De outro, havia o risco de candidatos à prefeito de seu partido sofrerem nas urnas às consequências de uma defesa a um réu da Operação Lava Jato extremamente impopular fora do Congresso - no polarizado ambiente político brasileiro, Cunha, sua mulher e as notícias sobre seus gastos milionários no exterior ajudaram a construir um raro consenso negativo a respeito dele. O deputado Celso Russomano, que concorrerá em outubro à Prefeitura de São Paulo e aparece na liderança das pesquisas feitas até o momento, poderia ser um dos prejudicados e chegou a afirmar à imprensa que se reuniria com ela para pedir que votasse contra Cunha.

Na sessão da semana passada, Tia Eron decidiu desaparecer da reunião do Conselho de Ética, tamanha a pressão. Diante da situação, os opositores de Cunha preferiram fazer uma manobra para adiar a votação e evitar que o suplente de então desequilibrasse a favor de Cunha. Nesta terça, no entanto, ela chegou cedo à sessão e pediu a palavra. Fez um discurso misterioso, em que criticou aqueles que falaram mal de seu sumiço anterior, mas não deixou claro qual seria seu voto. "Entenderam que de fato não mandam nessa nega aqui. Nenhum dos senhores manda". O suspense se arrastaria até a votação, quando a deputada afirmou que não poderia absolver Cunha e que votaria "sim" ao parecer do relator. Houve comemoração na sala e o voto fez com que Wladimir Costa (SD), que minutos antes disse haver "provas cabais" de que não houve mentira de Cunha, votasse pela cassação. O partido de Costa é comandado por Paulinho da Força, um dos principais aliados do presidente afastado da Câmara.

Pressão total sobre Cunha

Entre a semana passada e essa semana a situação de Cunha piorou, o que pode ter contribuído para a decisão de Tia Eron. Na véspera da sessão, ele se tornou alvo de uma inusual ação civil na Lava Jato, em que é acusado de improbidade administrativa. A Procuradoria da República no Paraná afirma que ele é beneficiário direto do esquema de corrupção da Petrobras e que recebeu 1,5 milhão de dólares para viabilizar a compra de um bloco de exploração de petróleo na costa do Benin, na África -ele nega ter recebido qualquer vantagem. Nesta nova ação, os procuradores pediram a suspensão dos direitos políticos dele por dez anos e a perda do enriquecimento ilícito no valor de 5,8 milhões de dólares, o equivalente a 20 milhões de reais, além da devolução de 1,3 milhão de dólares por parte da mulher dele, Cláudia Cruz. Esse valor, fruto de propina, teria sido movimentado por ela no exterior para bancar compras feitas com cartões de crédito. Também nesta terça, o Banco Central informou ao Conselho de Ética que multaria Cunha e sua mulher em mais de 1,13 milhão por não terem declarado recursos no exterior. 

Depois da decisão do colegiado pela cassação, os reveses de Cunha não pararam. Minutos depois, a Justiça do Paraná determinou o bloqueio dos bens dele e de sua mulher por conta da ação de improbidade feita pelos procuradores da Lava Jato, por considerar que "há indícios de que eles agiram de forma improba". A Justiça também pediu a quebra do sigilo fiscal do parlamentar desde 2007, para contribuir com as investigações. Além disso, no final da tarde, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal deu a ele cinco dias para que se manifestasse em relação às denúncias feitas pelo delator Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. Zavascki deixou, portanto, em aberto o pedido de prisão feito pelo procurador Rodrigo Janot, que justificava que Cunha interferia, mesmo afastado da Casa, nas investigações contra ele. 

Em nota, Cunha disse que é "inocente da acusação" de mentir na CPI e que o processo todo foi conduzido com "parcialidade". Cunha afirmou que recorrerá da decisão à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que apontará se houve irregularidades na condução do processo contra ele no Conselho de Ética. Na comissão, nomes contrários a Cunha foram trocados, em uma nova manobra a favor do parlamentar.

Agora resta saber qual pode ser a reação de Cunha a tudo isso. Segundo a imprensa brasileira, ele já insinuou que, caso seja abandonado por seus parceiros políticos, poderia optar por realizar uma delação premiada e, com isso, atingir muitos nomes importantes de diversos partidos. Um risco não apenas às legendas, já abaladas pelas inúmeras denúncias, mas também ao Governo interino de Michel Temer, que balança a cada novo passo da Lava Jato.

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