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Coluna
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Como dói uma briga de amor

Uma briga de amor nunca é leve, mesmo que você releve, uma briga de amor sempre está mais para Shakespeare do que para a novela das sete

Nada dói mais que uma briga de amor. Uma briga séria ou uma briga à toa de amor. Você tem toda convicção do mundo que ama, você preza, você está no jogo amoroso, no entanto ela resolve tocar o terror, a treta, ela esgarça o fio da desconfiança... Pode ser ele, é só trocar o artigo, amiga, essa crônica não passa de uma obra fictícia.

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Não se trata de saber com quem anda a razão a essa altura. A razão, aliás, já bateu em retirada. Os dois estão mais Passionais MCs do que para Racionais.

Uma briga de amor deixa tanto prejuízo. E não estou falando daquele controle remoto no teto. “O meu amado, por que brigamos?”, canta Vanusa, no clássico do cancioneiro romântico.

Uma briga de amor dói mais que uma bala no Velho Oeste. Dói mais do que uma bala alojada em noite de inverno. Dói mais do que o tijolo na testa da letra da música do Noel Rosa.

Óbvio que a gente queria a sorte de um amor tranquilo, como na lírica do Caetano. Mas quem disse que isso existe? Bem difícil

Uma briga de amor se arrasta até o feliz ano novo. Com ou sem motivo. Uma briga de amor, se for por amor, come a canjica do São João, viaja com as crianças em Julho e atravessa todos os agostos e desgostos.

Uma doideira como a de May (Kim Basinger) e Eddie (Sam Shepard) no filme “Louco de Amor” (Fool for Love). Com direito a uma das cenas mais bonitas das histórias amorosas. Ele, vaqueiro por vocação e espírito, laça a jukebox que toca a trilha da desavença.

Toda briga de amor é de uma solenidade incontestável. No entanto existe a briga de amor para o nada... Ele (a) viu uns negócios na internet, leu uma ponta de conversa nas redes sociais, ele (a), está buscando problema? Nem sempre. Pode ter até razão mesmo. Mas para quê razão, meu Deus, a essa hora.

Ela está certa, nós dois que estamos errados. Ela está erradíssima por não saber mensurar as coisas; eu estou, digamos, na beira do abismo. Vanusa no sample, de novo: “Ô meu amado, por que brigamos?”

Uma briga de amor nunca é leve, mesmo que você releve, uma briga de amor sempre está mais para Shakespeare do que para a novela das sete. Não há núcleo de humor, embora mais adiante a gente possa rir da tragicomédia.

Quando se briga por amor é briga de gente grande, entende? Esteja você na pós graduação ou na quinta série B de uma escola ocupada pelos bravos meninos e meninas.

Amor tranquilo

Óbvio que a gente queria a sorte de um amor tranquilo, como na lírica do Caetano. Mas quem disse que isso existe? Bem difícil. Chega uma hora que o amor entorta, como se Uri Geller –lembra aquele mágico do programa “Fantástico”?- estivesse morando com a gente.

Foi uma linda briga de amor, como não existe mais. Com batidas de portas e arrependimentos. Com batidas de portas como na “Montanha Mágica” de Thomas Mann.

Como dói uma briga de amor. Podendo evitá-la, recomendo. Há dias, porém, que o pote está até aqui de mágoa... Inadiável sururu na área

Se há briga, há amor, ele justifica. Justo no dia que descobri uns sinaizinhos nunca dantes no corpo dela, ele conta. Agora ele pisa nos cacos de vidro da última taça de vinho. O vinho da taça do brinde que não houve por causa da briga de amor.

Só a briga de amor salva o que resta dos casais. A briga, a arenga, pelo menos um muxoxo, uma desfeita, umas palavrinhas enviesadas, desde que as palavras sejam esquecidas no dia seguinte. Palavras lembradas são uma peste.

Antes uma briguinha que a pasmaceira. Nem estou falando dessa onda de amar gostoso depois da ocorrência. Trato dos acontecimentos de uma certa normalidade.

É que se não houver briga, tampouco amor existe. Importantíssimo a dramaturgia mínima. Agora ela dorme enquanto pingo o ponto final dessa crônica sob o mar gelado de Copacabana, ai de mim Copacabana. Estou doido para fazer as pazes, ele diz, ela pensa.

Algumas brigas, porém, exigem muito cuidado pós-treta. Exigem um restauro de ourivesaria em igreja barroca de Olinda ou Ouro Preto. Haja delicadeza para refazer o patrimônio sentimental por anos construído.

Como dói uma briga de amor. Podendo evitá-la, recomendo. Há dias, porém, que o pote está até aqui de mágoa... Inadiável sururu na área. Que tal fazer as pazes na primeira manhã pela frente? Tente.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor do romance Big Jato (editora Companhia das Letras) e comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.

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