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A cultura do estupro que condena as mulheres ao medo no Brasil

Segundo pesquisa do instituto Datafolha, 90% das brasileiras dizem temer ser violadas Reação ao caso de adolescente carioca nas redes realçam mecanismos de culpar a vítima

A garota carioca cujas imagens de agressão sexual foram compartilhadas na Internet recebeu solidariedade nas redes sociais, mas não só. Vários perfis falsos dela foram criados com postagens que realçam seu suposto mal comportamento como circunstâncias e atenuantes que tornam quase inevitável o desfecho trágico. Enquanto as investigações do que ocorreu estão em curso, especialistas alertam que a prática não é isolada. Faz parte da cultura do estupro que faz com que as mulheres agredidas se sintam culpadas e deixem de denunciar os crimes, o que contribui para que os responsáveis por atos violentos permanecem impunes.

Ativistas no Teatro de Municipal em protesto contra estupro.
Ativistas no Teatro de Municipal em protesto contra estupro.Antonio Lacerda (EFE)
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O problema não é trivial porque, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é um dos fatores para a alta a taxa de subnotificação do estupro. A entidade estima que apenas 30% a 35% dos casos são registrados. Contabilizando só os episódios denunciados, o crime acontece a cada 11 minutos no Brasil. O Fórum realizou, em parceria com o Datafolha, pesquisa no ano passado em que 90% das mulheres e 42% dos homens diziam temer uma agressão sexual. No Rio de Janeiro – que agora investiga o caso da jovem de 16 anos graças ao fato dele ter sido compartilhado em redes sociais – cerca de 4.000 casos aconteceram no último ano, e quase a metade deles foi com meninas menores de 13 anos, segundo um estudo da secretaria de segurança do Estado, o Dossiê Mulher.

O estupro na lei brasileira

Em 2009, a lei 12.015 do Código Penal Brasileiro foi alterada e passou a considerar, além da conjunção carnal, atos libidinosos como crime de estupro.

Circunscrever um crime de estupro é um processo frequentemente degradante para a mulher. Em 2015, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que dificulta o acesso ao atendimento médico de vítimas de estupro. O PL 5069 de 2013, exige que, para serem atendidas, as vítimas de estupro terão que passar primeiro por uma delegacia. Depois, deverão fazer um exame de corpo de delito para, só então, seguirem para o hospital, com os devidos documentos que comprovem que elas, de fato, foram estupradas. Para ser válido, o projeto ainda precisa ser votado no Plenário da Câmara. Contra essa realidade, as mulheres brasileiras saíram as ruas no ano passado, em diversos protestos pelo país que disseram basta e ficaram conhecidos como a Primavera Feminista.

O termo cultura do estupro deriva de “rape culture” e que foi cunhado por feministas nos Estados Unidos na década de 70. Dela faz parte a culpabilização por parte da sociedade das vítimas – mulheres que fazem por merecer os ataques que sofrem usando roupas curtas e decotadas, andando em más companhias e consumindo bebidas alcóolicas em festas que não deveriam frequentar se fossem moças de família. Está presente nas leis, na linguagem, nas imagens comerciais e em uma série de fenômenos. Escreveu, por exemplo, o cantor Lobão em seu perfil do Twitter: “Não é de se surpreender esses lamentáveis casos de estupro. Num país que fabrica miniputas, com uma farta erotização precoce e com severa infantilização da população, reduzindo as responsabilidades”.

Ao Globo, a defensora pública Arlanza Rebello lembrou, citando Jair Bolsonaro (PSC) que até os políticos brasileiros reproduzem o discurso de que muitas mulheres pediram para ser estupradas: “É um contexto muito sério de conservadorismo e banalização”. O presidente da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil no Rio de Janeiro, afirmou ao jornal que “meninos acabam cometendo o crime por saberem que outros o praticaram impunemente, por uma questão de autoafirmação”. E a socióloga Andréia Soares Pinto, coordenadora do Dossiê Mulher, fez um apelo à sociedade durante a entrevista que concedeu ao canal Globonews: “É preciso encorajar as mulheres a reduzir a subnotificação dos casos de estupro. Esses números nos ajudam a fazer pressão e nos permitem argumentar em prol de políticas públicas para combater o problema”.

Caso do Piauí

Ao menos outros dois cados de estupros coletivos aconteceram na mesma semana – com registros na imprensa – em outros lugares do país. Em Bom Jesus, uma pequena cidade do interior do Piauí, uma jovem de 17 anos foi violentada dia 20 de maio por cinco sujeitos (só um deles é maior de idade) que, conforme a investigação, ela conhecia. Como no caso da menina do Rio, a Polícia acredita que ela foi dopada com alguma substância colocada em sua bebida alcóolica antes de sofrer a violência nas mãos de gente próxima. No mesmo dia, em uma escola estadual da zona sul de São Paulo, uma menina de 12 anos foi estuprada por três adolescentes, alunos da mesma instituição, que a trancaram no banheiro e a agrediram sexualmente. Segundo a mãe, a garota foi medicada com um coquetel anti-AIDS e está traumatizada.

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