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Um vôngole viveu 507 anos e você também pode

Livro conta como os cientistas trabalham para que vivamos muito mais e melhor

Manuel Ansede
A vida ativa se prolonga, como a deste atleta belga de 90 anos.
A vida ativa se prolonga, como a deste atleta belga de 90 anos.AFP
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O animal mais velho do mundo viveu 507 anos. Foi um molusco da Islândia nascido em 1499, antes de Miguel de Cervantes. Morreu em 2006, depois de ter sido recolhido por cientistas. Um ano depois, em 2007, apareceu no Alasca uma baleia boreal que tinha um arpão cravado desde o século XIX, sugerindo que o mamífero pode viver dois séculos. E as borboletas-monarca, que geralmente vivem apenas algumas semanas, produzem anualmente uma geração Matusalém, que chega a viver seis meses para poder migrar do Canadá às florestas temperadas do México.

O envelhecimento dos seres vivos é surpreendente. Um rato vive três anos, enquanto um esquilo chega aos 25. Existem mecanismos aparentemente caprichosos que regulam o processo. E o que acontece com os seres humanos? “No futuro, morreremos jovens. Com 140”, proclama um novo livro sobre como os cientistas trabalham para conseguir fazer com que vivamos mais e melhor. É intitulado, precisamente, Morir joven a los 140 [Morrer jovem aos 140]. O volume argumenta que envelhecer não é obrigatório e que os cientistas em breve poderão prolongar a juventude. E não é uma brincadeira. Suas autoras são Mónica G. Salomone, jornalista especializada em ciência, e a bióloga molecular Maria Blasco, diretora do Centro Nacional de Pesquisa do Câncer (CNIO, na sigla em espanhol) de Madri e, sem exagero, uma das principais especialistas em envelhecimento do mundo.

Maria Blasco e Mónica G. Salomone.
Maria Blasco e Mónica G. Salomone.Amparo Garrido

A hipótese de Blasco é que o envelhecimento é a causa comum das doenças relacionadas com a idade: câncer, Alzheimer, diabetes, doença cardiovascular e assim por diante. Se o envelhecimento fosse atacado como uma patologia, isso prolongaria a juventude e o resto das doenças desapareceria. Seria possível morrer jovem, com 140 anos. “Não se trata de que vivamos 120 anos como vive hoje uma pessoa de 120 anos; trata-se de ter 70 anos com a aparência, a saúde e a vitalidade dos 40”, explica Blasco.

A bióloga molecular acredita que esse freio à velhice existe e se chama telomerase, uma das dezenas de milhares de proteínas que formam o corpo humano. Salomone, que já trabalhou para veículos de comunicação espanhóis e estrangeiros, explica magistralmente o papel dessa macromolécula no envelhecimento e conta a história de sua descoberta, entrevistando quase todos os cientistas que colaboraram para que isso acontecesse.

A jornalista viaja ao núcleo da célula, em escalas de milionésimos de milímetro, até chegar ao nosso DNA, o nosso livro de instruções, embalado em cromossomos. Nossas células estão constantemente se dividindo. O rosto de uma pessoa, por exemplo, é completamente renovado a cada mês. E cada vez que uma célula se divide, duplica seus pacotes de DNA, mas de tal modo que as extremidades dos cromossomos não são copiadas até o fim. Depois de cada divisão, os cromossomos são um pouquinho mais curtos.

"Não se trata de que vivamos 120 anos como vive hoje uma pessoa de 120 anos; trata-se de ter 70 anos com a aparência, a saúde e a vitalidade dos 40", explica a bióloga molecular

O que se encurta, detalha Salomone, é “uma estrutura de DNA e proteínas chamada telômero, uma tampa de proteção que forma a extremidade de cada cromossomo”. Quanto mais velha for a célula, mais divisões ela sofreu e mais curtos serão seus telômeros. E aqui entra a proteína telomerase que detém de maneira natural esse relógio biológico nas células-tronco. Ela faz com que os telômeros voltem a crescer. Torna as células imortais. O problema é que, na maior parte das células de um adulto, o gene que produz a telomerase está desativado.

Nossas células vão morrer, com seus telômeros gastos, e nós com elas. Ou não. Maria Blasco retornou à Espanha em 1997, depois de passar quatro anos nos EUA, no laboratório da bioquímica Carol Greider, Prêmio Nobel de Medicina pela descoberta da telomerase. O objetivo da cientista espanhola era verificar se aumentando a telomerase se poderia retardar o envelhecimento de um camundongo. O problema é que a proteína torna imortais tanto as células saudáveis como aquelas com mutações que causam tumores. Então, a telomerase favorece o câncer.

Blasco chegou a uma solução engenhosa. Seu colega Manuel Serrano havia criado um camundongo transgênico com três genes que protegiam contra o câncer ao eliminar células com mutações perigosas. Blasco cruzou seus roedores com telomerase com os camundongos resistentes ao câncer de Serrano. O resultado foi a Triple, uma estirpe de supercamundongos nascida em 2008 que viveu 40% mais do que o normal, sem doenças. “Em vermes se conseguiu multiplicar por 10 a expectativa de vida normal da espécie, mas em mamíferos, que desenvolvem doenças associadas ao envelhecimento como as dos seres humanos, a Triple ainda detém o recorde de longevidade", diz Salomone no livro.

Portada do livro.
Portada do livro.

O futuro é promissor. A pesquisa sobre o envelhecimento está em ebulição. No fim de 2014, o laboratório de Maria Blasco no CNIO conseguiu usar a telomerase para tratar camundongos de enfarte do miocárdio, letal nas pessoas dos países ricos. A equipe, liderada pelo jovem pesquisador alemão Christian Bär, tratou os camundongos com telomerase e, em seguida, induziu um ataque cardíaco. A proteína rejuvenesceu o tecido cardíaco dos roedores e aumentou sua sobrevida em 17% após o ataque.

Os pesquisadores da equipe de Blasco estão realizando outros quatro experimentos com a mesma estratégia: ativar o gene da telomerase em partes específicas do organismo temporariamente, para evitar o risco de câncer. Eles fazem isso por meio de vírus modificados. A técnica está em andamento contra Alzheimer, Parkinson, fibrose pulmonar idiopática e anemia aplásica, doença causada pelo mau funcionamento das células-tronco do sangue.

Por enquanto, tudo são promessas em camundongos, mas Maria Blasco está otimista. “A origem do mal de Parkinson e do câncer é a mesma, a deterioração das nossas células, e isso ocorre associado com a passagem do tempo, que acontece simultaneamente às alterações no processo de divisão celular, de regeneração de tecidos, de exposição ao estresse ambiental, e assim por diante. É o que penso. Se tiver de colocar todos os ovos na mesma cesta, colocaria nessa. Portanto, estamos com uma ideia fixa: se temos como alvo os processos de envelhecimento não será uma, mas muitas, as doenças que iremos entender e atrasar. No nosso caso, a forma de encarar o envelhecimento para acabar com ele é por meio da ativação da telomerase e do rejuvenescimento dos telômeros”. Para morrermos jovens, com 140 anos.

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