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“O Governo Temer vai precisar de um programa emergencial de emprego”

Economista, crítico com Dilma, teme crise social devido ao desemprego, mas acredita que Temer pode se beneficiar de uma recuperação já iniciada

O economista Claudio Frischtak, no Rio.
O economista Claudio Frischtak, no Rio.divulgação
María Martín

Claudio Frischtak é um economista renomado e badalado conferenciante em encontros de empresários e investidores, aqui e mundo afora. Fundador da Inter-B, que presta consultoria financeira e estratégica a empresários, mas também a governos e instituições públicas e privadas, mostra-se confiante no novo Governo. Frischtak acredita que o o vice-presidente Michel Temer será “razoavelmente eficaz”, embora “há muita coisa que pode dar errado” e frustre seu mandato. Entre os obstáculos, o economista cita uma potencial crise social causada pelo alto índice de desemprego no país e que pode provocar fortes manifestações nas ruas, e o avanço da Operação Lava-Jato, que atinge em cheio a cúpula do atual Governo do Brasil.

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Pergunta. O novo ministro da Fazenda já sinalizou alguns passos a seguir, como o aumento da idade de aposentadoria, a desoneração tributária a algumas empresas, corte e controle dos gastos públicos, o que você achou dessa declaração de intenções?

Resposta: O primeiro ato do Ministro [Henrique] Meirelles é estabelecer a dimensão do problema fiscal, que a rigor ninguém sabe. Especificamente, qual a brecha que deve ser fechada para estabilizar o crescimento da dívida em relação ao PIB? Calculamos 300 bilhões, mas é uma estimativa grosseira. A principal “herança maldita” do Governo Dilma, é a destruição das contas públicas e a situação de emergência fiscal que nos encontramos. A saída será uma combinação de redução de gastos, incentivos fiscais e transferências, e eventualmente aumento de impostos. O Governo vai mirar o curto prazo, mas deverá enfrentar os problemas estruturais, como a previdência. Não tem nada fácil. A luz no fim do túnel? Uma recuperação cíclica por conta do fato que estamos chegando no fundo poço, a inflação começa a ceder, e os juros devem acompanhar.

P. Você é muito crítico com a gestão econômica de Dilma Rousseff. Quais foram, segundo você, seus principais erros?

R. A mãe de todos os erros do Governa Dilma foi a irresponsabilidade fiscal. O Estado está numa situação crítica e ela está sendo deposta por uma atuação irresponsável. Não é uma coisa pequena, como ela diz, é algo enorme, e se ela não entende isso até hoje, é porque ela nada aprende e nada esquece. Dilma representa uma mistura de falta de compreensão de como a economia funciona, voluntarismo extremo, no sentido de “eu faço porque posso”, e oportunismo eleitoral. Mas além da irresponsabilidade fiscal, há um segundo conjunto de erros muito importante também que eu denomino “populismo tarifário”. Isso significa estabelecer preços e tarifas que são insustentáveis, mas que se usam para obter popularidade e ganhar eleições. Muitos governos fazem isso, mas isso trouxe, entre outras coisas, a queda da Petrobras. A Petrobras está fragilizada pela conjugação de três fatores, nessa ordem: controle artificial de preços dos combustíveis, decisões de investimento completamente irresponsáveis por motivos políticos e corrupção. A combinação desses erros foi mortal para a economia do país.

P. Que responsabilidade tem o PMDB, que assume o governo, como aliado dessas políticas econômicas?

R.Havia uma corresponsabilidade sem dúvida, ainda que Dilma tenha sido na prática sua própria ministra da Fazenda, com exceção de 2015, quando o ministro de fato era Joaquim Levy. Agora, o novo governo vai conseguir governar ainda com essa corresponsabilidade? Acho que a população hoje está aflita, e esperançosa para ver se o país superar, pelo menos em parte, esta crise.

P. E os investidores, como eles estão percebendo o processo de impeachment e a troca de governo?

R. O Governo Dilma conseguiu praticamente a unanimidade contra ele. E isso foi, obviamente, um enorme fator na destituição dela. O empresariado hoje está esperançoso. Mas é como um deputado me disse: “Nós estamos trocando o certo, pelo duvidoso”. O certo é o desastre que é Dilma, o duvidoso é que talvez o Governo de Temer dê certo, não de uma forma brilhante, mas o suficiente para fazer essa transição até 2019, quando assumiria um novo governo.

O empresariado hoje esta esperançoso. Mas é como um deputado me falou: “Nós estamos trocando o certo, pelo duvidoso”

P. Já há indicadores que anunciam o começo de uma recuperação, como uma expectativa da inflação melhorar. De que maneira Temer pode se beneficiar de uma recuperação, na realidade, iniciada por Dilma?

R. Temer não vai pegar uma situação tranquila, a situação fiscal é dramática, mas você tem alguns elementos que apontam recuperação. É importante dizer que 2015 não foi um ano perdido. Com a nova equipe econômica comandada por Joaquim Levy houve um ajuste enorme e duríssimo dos preços e as tarifas que resolveu muitos problemas. Em segundo lugar, você teve um ajuste cambial muito relevante. Houve também um enorme esforço para criar um ambiente melhor para o investimento em infraestrutura, como o inicio de privatização dos aeroportos. Infelizmente essa tentativa não se traduziu em grandes ações, mas acho que se avançou nesse processo e o Governo Temer já tem uma base para trabalhar. Você tem também agora a possibilidade de reduzir as taxas juros, porque o Banco Central, no último ano, agiu corretamente e conseguiu apontar as expectativas de inflação para baixo. A herança do Temer não é só maldita.

P. O que mais te chamou a atenção das medidas e nomeações apontadas pelo vice-presidente?

R. O futuro Governo Temer fez um movimento brilhante na economia. Indicou um ministro da Fazenda [Henrique Meirelles] que é um homem com bastante credibilidade e é razoavelmente conservador do ponto de vista fiscal. Combinou isso com José Serra [no Ministério de Assuntos Exteriores, assumindo comércio exterior], que é um sujeito muito proativo com uma personalidade muito forte. A posição do Serra do ponto de vista fiscal também é muito conservadora, mas do ponto de vista cambial e monetário ele tem uma posição diferente de Meirelles. Por isso acho que a conjunção de ambos foi proposital e pode dar certo. Você tem que ter uma política fiscal restritiva para possibilitar uma política monetária mais frouxa, necessária para a desvalorização do real que, pela sua vez, é instrumento para a ampliação das exportações.

P. Precisamente a Meirelles, se lhe atribui uma frase na qual afirma que um dos motivos para Dilma perder credibilidade é que ela anunciou medidas que não se cumpriram. Temer não correu o mesmo risco anunciando na imprensa dezenas de planos sem sequer ter ocupado a cadeira no Planalto?

R. Temos um ditado que diz: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Se o Temer ficasse quieto ia gerar uma incerteza muito grande. Ele não podia se dar o luxo de não sinalizar quais pessoas vão integrar o Governo e apontar um programa mínimo do que está pensando fazer. Acredito que ele está agindo corretamente, dadas as circunstâncias dificilíssimas.

No segundo semestre desse ano vamos ter uma situação em que muitas famílias vão acabar seus recursos e não vão ter para onde se virar.

P. Qual é o principal obstáculo que enfrentará um futuro Governo Temer?

R. Do ponto de vista macroeconômico, a questão crítica é fiscal. O tamanho de ajuste que nós calculamos é de um 300 bilhões de reais para estabilizar a dívida, é muito dinheiro! Mas do ponto de vista da sociedade, nos encontramos na antessala de uma crise social. O desemprego aberto em março atingiu 10,9% ou 11,1 milhões, um aumento de 39,8% em relação ao ano anterior. Nesse período houve também 1,8 milhão de perdas no mercado de trabalho formal, conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Conforme nossos cálculos, após a demissão, o FGTS, a multa, o aviso prévio e o seguro desemprego podem garantir um colchão às famílias para cerca de seis até nove meses. Mas e depois?

As demissões começaram no último trimestre do ano passado. Se você fizer a conta rápida, você vai ver que no segundo semestre deste ano vamos ter uma situação em que muitas famílias vão acabar seus recursos e não vão ter para onde se virar. Isso é uma coisa gravíssima e o próximo governo vai ter que ter algum programa emergencial de emprego, porque pessoas desempregadas entram em desespero.

P. Em que termos se traduziria na rua essa crise social que você prevê?

R. Pessoas na rua protestando com panelas vazias e uma pressão crescente sobre o Governo, que não vai poder ficar quieto.

P. Qual deveria ser a resposta do Governo?

R. Eu acho que há dois tipos de solução, e não tenha dúvidas de que estão pensando nisso nesse momento. Uma é retirar barreiras, muitas vezes do próprio governo, para a retomada do crescimento em setores que empregam muito, como infraestrutura e construção civil e setores voltados à exportação, que ainda é tradicionalmente de trabalho intensivo. Mas o Governo também vai ter que cogitar, e não é óbvio porque isso supõe mais gasto fiscal, a extensão do seguro de desemprego, ou seja, reforçar o colchão que garante a sobrevivência das famílias. O Governo vai ter muita dificuldade de criar um programa emergencial de emprego porque a capacidade de execução do Governo de investimentos emergenciais é muito limitada. O Governo é bom fazendo puras transferências, como o Bolsa Família, mas não executando.

P. O programa econômico de Temer propõe a privatização de tudo o que for possível no âmbito da infraestrutura. O que você acha da iniciativa?

Eu não vejo uma força muito grande na futura oposição, seja o PT, o PC do B, e parte do PDT, movimentos sociais, a UNE... Eu acho que esse pessoal vai se desidratar muito rapidamente, ao menos que o desemprego estoure e o Governo na faça nada.

R. Acho que, por enquanto, é apenas uma frase, mas com bastante significado. O Governo Temer, e Moreira Franco em particular, que vai ser a pessoa encarregada disso, têm ciência de que a capacidade de execução do Governo é muito limitada e, de outro lado, que faltam recursos. A ideia de você ampliar a participação privada é, em principio, boa. Há um espectro de possibilidades na privatização: desde a privatização total, em que vende o ativo mesmo, até parcerias público-privadas (PPP), onde o Estado tem ainda uma participação. Quando Temer fala de privatização eu acho que engloba todas as possibilidades, mas principalmente a expansão dos programas de concessão pura e de PPPs. Geralmente, no caso de infraestrutura, não se vende o ativo, mas o transfere sob a forma de concessão, ou o direito de explorar um serviço

P. Como você enxerga a futura oposição do novo Governo?

R. Eu não vejo uma força muito grande na futura oposição, seja o PT, o PC do B, e parte do PDT, movimentos sociais, a UNE... Eu acho que esse pessoal vai se desidratar muito rapidamente, a menos que o desemprego estoure e o Governo na faça nada. Isso sim pode ser incentivo a protestos. Mas se o Governo começa a mostrar alguns resultados já no segundo semestre, eu acho que travessia não vai ser tão difícil. Mas eu posso estar errado.

P. Cabe a possibilidade do Governo Temer não chegar a 2018...

R. O Governo Temer vai enfrentar todos os problemas que a gente já conhece. E você tem o avanço da Operação Lava Jato, que introduz uma incerteza porque envolve membros senior do futuro Governo, além do processo no Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa Dilma-Temer. O cenário base é Temer terminar o mandato, mas acho que a probabilidade dele não terminar e você ter um cenário grave de estresse não é baixa.

P. Em prol da estabilidade, não está se legitimando o Governo de um conjunto de pessoas com uma honestidade duvidosa?

R.Você tem no Congresso dezenas de pessoas sob suspeição de corrupção, e algumas com muita evidência de que são pessoas corruptas. E você tem uma legislação no Brasil, o que eu acho completamente errado, que possibilita que essas pessoas tenham o chamado foro privilegiado, só possam ser julgadas no Supremo Tribunal Federal, inclusive por delitos comuns, e não apenas de opinião. Eu não creio que as más companhias do novo governo, que também foram más companhias do atual governo, vão manchá-lo. O novo governo vai estar sob a lupa da população, e a população está cansada dessa aristocracia política intocável. Também o Supremo Tribunal Federal vai estar sob enorme pressão para responder às acusações que estão sendo feitas pela Procuradoria Geral da República.

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