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Cunha, o invencível? Ele ganha mais força após comandar impeachment

Principal ameaça a sua posição é eventual decisão do Supremo de afastá-lo do cargo

Protesto contra Cunha em Nova York, no dia 22 de abril.
Protesto contra Cunha em Nova York, no dia 22 de abril.SHANNON STAPLETON (REUTERS)

Vem semana, vai semana, o cenário político muda a quase todo momento em Brasília. A única coisa que quase não se altera é o poder que Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tem no comando da presidência da Câmara dos Deputados. O “quase” é porque ele não perde forças, ao contrário de sua atual antagonista Dilma Rousseff (PT), mas sim, porque ele está cada dia mais poderoso na cadeira em que resiste a se desapegar. É impopular, 77% da população defende sua cassação, mas entre seus pares, é praticamente intocável.

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Réu no Supremo Tribunal Federal, denunciado no Conselho de Ética da Câmara, citado por sete investigados na Operação Lava Jato, sendo que o mais recente o acusa de receber 52 milhões de reais em propinas, o peemedebista poderá ser beneficiado com a indicação de um aliado para a Advocacia Geral da União no provável Governo Michel Temer. Na avaliação de um aliado do vice, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), sua permanência à frente da Casa poderia ser mais útil que nociva ao novo Governo, dado o comando demonstrado da Câmara. Isso sem contar que deverá se tornar o primeiro na linha sucessória da Presidência da República.

Com o pedido de seu afastamento do cargo adormecendo nos gabinetes do Supremo Tribunal Federal há 136 dias, Cunha praticamente não encontra resistências para continuar exercendo a função para a qual foi eleito em fevereiro de 2015 e, se nada mudar, onde deverá permanecer até fevereiro de 2017. Nesta semana, o ministro que relata a ação do Ministério Público Federal que pede o afastamento de Cunha, Teori Zavascki, disse a jornalistas que está na hora de analisar se o parlamentar poderia estar na linha sucessória da Presidência da República. Isso porque um réu no STF não pode, ao menos em tese, ocupar a cadeira presidencial. Zavascki, no entanto, não disse quando levará o processo ao julgamento. Na próxima semana isso não deve ocorrer. Até a noite desta sexta-feira não constava da pauta de processos que serão julgados pelos onze ministros.

O artigo que pode complicar a permanência de Cunha na presidência da Casa após o cada vez mais provável afastamento de Rousseff é o 86 da Constituição, que afirma que "admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade". A continuação desse trecho diz que o "Presidente ficará suspenso de suas funções nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal". A dúvida é se ele aplica ou não a um presidente interino, como pode ser o caso do peemedebista. De todo modo, Cunha mostra que, onde está, pode ser decisivo até em questões como o aumento salarial do Judiciário. Nesta semana, ele fechou acordo para que o projeto fosse analisado com urgência - sem passar com comissões -, mas não há data ainda para analisar o mérito da questão, para cuja aprovação o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, se empenhou pessoalmente.

Enquanto isso, entre boa parte dos deputados, cresce a intenção de proteger o homem que tornou possível o andamento do processo de impeachment de Rousseff. A razão para isso, segundo os próprios aliados, é a influência que Cunha teve em apoios dados nas eleições passadas e no andamento dos trabalhos da Câmara. O peemedebista é o responsável por manter vivas as pautas conservadoras – como a redução da maioridade penal, a suspensão do referendo do desarmamento e retrocessos em direitos femininos. Já o suporte eleitoral dado por Cunha, afirmam nos bastidores do Legislativo, foi intermediando doações para quase uma centena de deputados em mais de uma disputa. “Desde 2006 ele me ajuda em minhas campanhas. Sem contar meus correligionários. Como vou virar as costas para ele agora? Sou fiel a quem é fiel a mim”, diz um dos membros de sua tropa de choque.

Além do seu partido, o PMDB, a bancada BBB (bala, boi e bíblia), que soma ao menos 206 dos 513 parlamentares, é o seu principal suporte. Para manter o apoio dado por esse grupo, por exemplo, Cunha criou mais duas comissões parlamentares que servirão para distribuir cargos e fazer avançar as pautas que mais os interessam. A interferência de Cunha é tamanha que, até mesmo a criação desses colegiados, foi envolta em polêmica. Primeiro, o presidente perdeu uma votação que tratava do funcionamento desses grupos. Depois, anunciou propositalmente o resultado errado. E depois de muitos protestos colocou a proposta em pauta novamente até vencer a disputa.

Uma das que se revoltou neste episódio, a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) diz que Cunha extrapola o poder institucional para exerce um poder “fantástico” sobre os seus colegas. Na madrugada de quarta-feira, durante a sessão em que foi criada a comissão da mulher, Erundina gritou tanto na orelha do peemedebista, literalmente, que ele deixou a sua cadeira de presidente por um instante e foi se reunir com os líderes das bancadas. Neste momento, a deputada não pensou duas vezes, sentou na cadeira dele como se estivesse tomando o seu lugar. “Foi um ato simbólico, mas levando em conta que ele tem um apoio enorme na Casa e que o Supremo está demorando tanto para julgá-lo, parece que só na marra vamos tirá-lo de lá”, disse ao EL PAÍS.

Manobras no conselho

As manobras de Cunha não se limitam a proteger os interesses de seus aliados. Na última semana, ele fez dois movimentos que podem beneficiá-lo e evitar a cassação de seu mandato pelo Conselho de Ética, onde responde a uma infração por quebra de decoro parlamentar. Aliás, nos últimos meses, as manobras de Cunha no Conselho tem sido algo usual.

O primeiro movimento do presidente da Câmara foi quando ele conseguiu aprovar uma resolução em que mudava a forma de substituição de membros do conselho que decidissem renunciar. Pela atual fórmula, apenas membros do bloco parlamentar eleito em 2014 poderiam ser indicados para a função de quem renunciou. Um projeto de resolução apresentado pelo peemedebista fez com que as substituições ocorressem apenas por membros do mesmo partido. A interferência nesse aspecto é que, como entre os cem homens de Cunha há um representante de quase todos os partidos, ele teria como influenciar a liderança de uma legenda a indicar para o cargo de conselheiro alguém que lhe fosse fiel. Quando se trata de blocos, a negociação é mais difícil, pois englobaria um número maior de envolvidos. Os adversários do peemedebista conseguiram fazer com que a proposta só passe a viger a partir da próxima legislatura.

A segunda tentativa é algo que ainda está em andamento. Cunha conseguiu indicar para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), um de seus interlocutores na bancada da região Sul. O próximo passo para ele é garantir espaço para um aliado na relatoria da mesma comissão, o que deve ocorrer na próxima terça-feira. Este grupo é quem julga eventuais recursos apresentados por membros do Conselho de Ética.

Entre os opositores de Cunha, há os 47 adversários que decidiram confrontá-lo no último dia 17, durante a votação do impeachment. Neste grupo estão parlamentares que enquanto votavam o chamaram de gângster, bandido, canalha, sacripanta ou ladrão. Contra eles, Cunha usará de uma das armas que mais sabe utilizar, a intimidação. Já prometeu que apresentará queixas-crimes contra todos por ter se sentido difamado.

Enquanto segue inatingível, o peemedebista aproveita que as câmeras agora estão cada vez mais voltadas para si para se defender juridicamente e atacar politicamente. Na sua linha defensiva, diz que não há provas de que ele tenha recebido propina e que as denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República representam uma perseguição política de Rodrigo Janot, o chefe deste órgão. Na posição de bote, ele diz que parte dos que o atacam no plenário da Câmara é uma espécie de ladrão de carteira: “Sou alvo de parlamentares membros de uma organização criminosa, que não tem moral e agem como punguista na praça, que bate a carteira e grita ‘pega ladrão’”.

As 11 razões para retirar Cunha do comando da Câmara, segundo Janot

Em dezembro do ano passado o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou uma denúncia em que pedia que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), fosse afastado de seu cargo por entender que ele usava da função para se beneficiar. Eis uma síntese das 11 razões que embasam o pedido de Janot, que ainda não foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal.

1. O deputado teria usado requerimentos para chantagear o empresário Julio Camargo e o grupo Mitsui a pagarem 5 milhões de dólares em propina no caso em que a Petrobras comprou navios sonda

2. O peemedebista também se usou de requerimentos parlamentares para pressionar donos do grupo Schahin para manter contratos com o doleiro Lúcio Funaro. Como pagamento recebeu a quitação de dívidas de alguns carros que estão em nome de uma produtora pertencente à família de Cunha.

3. Cunha tentou intimidar a advogada Beatriz Catta Preta ao pedir que seus aliados a convocassem para depor na CPI da Petrobras.

4. O deputado interferiu para que a CPI da Petrobras contratasse a empresa de arapongas Kroll com o objetivo de desmentir o que estava sendo dito por delatores da Lava Jato.

5. O peemedebista tentou convocar na CPI familiares do doleiro Alberto Yousseff como maneira de pressioná-lo, já que é um dos delatores da Lava Jato.

6. Tentou mudar uma lei para que delatores não pudessem corrigir os seus depoimentos.

7. Demitiu o diretor de informática da Câmara, Luiz Eira, que o contrariou.

8. Usou cargo de deputado para receber vantagens indevidas para aprovar parte de medida provisória de interesse do banco BTG.

9. Fez “manobras espúrias” para evitar investigação na Câmara com obstrução da pauta com intuito de se beneficiar.

10. Ameaçou o deputado Fausto Pinato, ex-relator do processo de cassação no Conselho de Ética da Câmara.

11. Voltou a reiterar ameaças a Fausto Pinato.

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