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Coluna
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Governo Dilma acabou antes da votação do impeachment

Se a lei for respeitada e houver motivos para o afastamento, o que diferencia um governante que consegue se manter no poder daqueles que são, efetivamente, afastados?

Dilma Rousseff, no Planalto nesta teça feira.
Dilma Rousseff, no Planalto nesta teça feira.Eraldo Peres (AP)

O que motiva processos de impeachment na América Latina nas últimas décadas? O impeachment virou uma nova forma de instabilidade política, substituindo os tradicionais golpes militares? Alvo de um processo de impeachment pelo Congresso brasileiro, a presidente Dilma Rousseff assumiu uma posição e transformou o Palácio do Planalto, sede do Governo, em um bunker para receber aliados. Lá, microfones em mãos, ela anuncia um golpe, que seria cometido por ex-aliados políticos e membros da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário – responsáveis por uma investigação “politizada”. Para juristas, o próprio ato de transformar o Governo em palanque seria ilegal.

Mas nos cabe perguntar quais motivos políticos levam a um impeachment. Se a lei for respeitada e houver motivos para o afastamento, o que diferencia um governante que consegue se manter no poder daqueles que são, efetivamente, afastados?

Há quem aposte em uma intensa divisão entre o Executivo e o Legislativo. Quando há um embate extremo entre os dois poderes, um busca desestabilizar o outro, criando uma crise política que pode levar a um impeachment. Aníbal Pérez-Liñán diz que o impeachment é uma forma extrema de falência política porque transforma a sorte do político de maior sucesso do país em um modelo de derrota. Para ele, as crises governamentais sem a quebra de regime "consistente com um modelo de accountability espasmódica, em que controles institucionais são ativados apenas quando uma administração cai em desgraça”.

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Importante trazer para o debate duas noções. A primeira é a de accountability. Dados disponíveis para diferentes países apontam que uma crise política ganha força quando boa parte da população acredita que o governante – no caso do Brasil e de países da América Latina, o presidente – não foi responsabilizado suficientemente pelos seus atos durante as eleições. Esse parece ser o caso atual da presidente Dilma Rousseff. Não são poucas as pessoas que acusam ela de ter mentido durante as eleições – de ter praticado uma fraude. Por esse motivo, ela deveria ser punida.

Essa noção também está na base do argumento contra as pedaladas fiscais, a contabilidade criativa de que o Governo é acusado. Essa prática teria servido para esconder a verdadeira situação econômica do país, prejudicando a economia propositalmente com o intuito de vencer as eleições de 2014, motivo pelo qual Dilma deveria ser responsabilizada politicamente e em outras instâncias.

A situação de Dilma é diferente da vivida por seu antecessor e líder político, Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2005, no auge da crise do chamado mensalão, a maior parte da população acreditava que Lula não deveria ser punido pelo escândalo e, por isso, não deveria sofrer um impeachment. Agora, com Dilma, a maior parte da população acredita que ela deve ser punida.

Rule of Law

Outro elemento contribui para essa diferença. É a percepção do Rule of Law. As chances de uma crise política são maiores quando há uma percepção de que a lei não está sendo seguida como devia. Em 2005, houve um escândalo do mensalão. Agora, há o escândalo do petrolão. Qual a diferença entre os dois?

Além dos valores, muito maiores no escândalo atual, que atingem bilhões de dólares desviados, existem os fatores como a fadiga com a sucessão de escândalos e, principalmente, a maior facilidade de entender o caso atual. Afinal, é possível ver os prejuízos constantes na Petrobras, além de exemplos concretos de corrupção, como a compra de imóveis e as confissões de grandes empresários, entre outros.

Essa sensação de falta de accountability em relação à presidente e de baixa rule of law levam a uma pressão maior da sociedade sobre o Congresso e sobre os parlamentares. No caso brasileiro, são muitos os exemplos de congressistas que passaram a ser pressionados pelos seus eleitores para votar a favor do impeachment. Do outro lado, o Governo passou a negociar cargos em troca de votos, o que só reforçou a visão de baixa responsabilização e respeito às leis. Um deputado chegou a ser pressionado pela filha, que pediu de presente de aniversário que ele votasse a favor do impeachment. Mesmo que o Governo ganhe a votação, será difícil contradizer a visão de que isso se deu por meio de troca de votos por cargos e favores – o que só reforça uma percepção negativa.

Essa pressão se traduz na visão do Congresso a respeito de Dilma e seu Governo. Em surveys realizadas dentro da Câmara dos Deputados, em fevereiro e março, o JOTA.info captou o sentimento. A nota média dada pelos parlamentares para o Governo Dilma caiu de 3,7 para 3 entre os dois meses. Já a nota dada pelos Congressistas para a relação entre o Governo Dilma e o Congresso caiu de 3,9 para 3,1. Com uma avaliação como essa entre os deputados, não existe Governo capaz de governar. Com ou sem impeachment.

Fernando Mello, máster de Georgetown University, é sócio e diretor da área de análise de risco político do portal Jota.info

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