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Voto de confiança em Governo Temer tem prazo de validade limitado

Se impeachment vingar, vice herda problemas graves na economia

Vice-presidente, Michel Temer.
Vice-presidente, Michel Temer.ADRIANO MACHADO

O desembarque do PMDB do Governo Dilma Rousseff nesta terça-feira torna cada vez mais real a possibilidade da presidenta ser afastada dentro de algumas semanas pela Câmara. Como ato contínuo, o vice-presidente, Michel Temer, assume o seu lugar. Desde já, todos os olhos do Brasil começam a se voltar para o presidente do PMDB, que deve ser o novo chefe de Estado. E agora? O que acontece com o país depois de uma arrastada crise política que ajudou a paralisar a economia brasileira?

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Um novo governo, segundo analistas, traz um certo alento de que o país pode sair da séria recessão em que se encontra. Mas, os problemas graves do país que Dilma não conseguiu superar serão herdados por Temer. Desemprego crescendo, investimentos em queda, uma gorda dívida pública e juros altos. Para cada um deles, uma solução difícil – e lenta. Assim, embora agentes econômicos vejam nele a esperança de um novo capítulo para o futuro, o voto de confiança no atual vice tem prazo de validade. "A agenda econômica é a mesma, o problema fiscal será tão complexo como o de agora. O ajuste fiscal dependerá de escolhas difíceis que a sociedade não está debatendo", explica o economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas.

Diante de um país exaurido pela crise, Temer vê seu poder de negociação com o Congresso inflacionado pelas expectativas de quem deseja ver o fim do túnel escuro em que entrou o trem do Brasil há pelo menos um ano. Se, em um primeiro, o sentimento de mudança pode gerar um impacto positivo, após a euforia serão necessárias medidas impopulares. Para Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, a capacidade do Governo Temer de sinalizar que pode mudar o rumo da economia brasileira, após um possível impeachment, é mais importante agora que os números do ajuste fiscal, por exemplo, que precisa ser adotado. "Se o Temer perceber que não há apoio para aprovar a CPMF, por exemplo, discutirá outra reforma, como a da Previdência. O importante é ter uma agenda de longo prazo, que terá impacto no curto prazo, que acalme o investidor. Hoje, com a Dilma, não temos mais agenda", explica.

Parece simples, mas na prática a história é outra. Só a reforma da Previdência representa um cavalo de batalha que Dilma não conseguiu negociar nem com o próprio partido. A mudança nas regras de aposentadoria para reduzir os gastos públicos foi uma tema tabu para a presidenta. O PT abriu guerra para que ela engavetasse o assunto. Dificilmente movimentos sociais e centrais sindicais vão se comportar diferente com Temer. O vice assumirá, ainda, num clima de desconfiança um país polarizado, o que pode criar resistência a suas investidas políticas.

Latiff, entretanto, acredita que a própria crise, que tomou grandes proporções, vai forçar o apoio a medidas amargas. Para ela, não se pode afirmar que um provável governo do PMDB será um tiro no escuro, ou que criará uma cenário de incerteza, uma vez que as cartas já estão na mesa. "Não é uma queda livre, é um partido que está dizendo a que veio. Hoje é importante ter uma agenda de cunho mais liberal, é bastante óbvio que o Estado não está funcionando", explica.

Desde o ano passado o PMDB trabalha com propostas esboçadas no documento Uma Ponte para o Futuro, que reúne algumas diretrizes, como os limites de despesas, mais controle do orçamento público e reformas estruturais como a da Previdência. "Tem muita coisa interessante no documento, mas aquilo não é consenso nem dentro do partido nem fora. Vai depender da capacidade de articulação para que as medidas sejam realmente aprovadas", explica Mansueto. Temer, portanto, terá que convencer políticos e a sociedade sobre a necessidade de cortes e essa capacidade será colocada a prova de cara.

Mansueto lembra, por exemplo, que o partido ajudou a aprovar um projeto (PEC 01/15) na última semana, que aumenta gastos da União com a saúde. Para ele, isso mostra a incoerência do compromisso com o ajuste e o abismo entre o falar e fazer. "Foram 402 votos a favor contra um. Como fazer ajuste com uma vinculação dessa? O documento do PMDB critica a vinculação [de receitas do orçamento para um fim específico], mas ela foi aprovada com votos do partido", critica Almeida.

Maria Cristina Mendonça de Barros, sócia da consultoria MB Associados, acredita que a escolha de nomes fortes para um ministério pode trazer o choque de credibilidade esperado pelo país. Para a Fazenda, por exemplo, cresce a expectativa de que o senador tucano José Serra seja o escolhido. Outro nome aventado é o de Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central nos oito anos de Governo Lula. Serra e Meirelles gozam de prestígio junto ao mercado financeiro, o que superaria um primeiro obstáculo. Mas, não se sabe a atenção que será dada às pastas que hoje cuidam de programas sociais, fortalecidos durante os anos do Governo do PT. É líquido e certo que estes benefícios são colocados em xeque durante uma crise econômica.

Há, ainda, uma eventual oposição do PT ao Governo de Temer a partir de agora. "Hoje, quem faz mais oposição às medidas do ajuste é o próprio PT, então eles farão uma oposição ainda mais forte”, entende Mansueto, muito embora reconheça que o PMDB possui bons negociadores". Mendonça de Barros pondera que a força da oposição petista não "incendiaria" tanto as medidas no Congresso já que está de olho na disputa das eleições de 2018. "Caso o impeachment realmente aconteça, o PT vai estar muito enfraquecido", prevê.

Outras variáveis ainda não estão claras para um eventual governo Temer. Uma delas é o fator Lava Jato, a operação que já respingou no próprio vice, e que tem sob investigação diversos nomes do PMDB, incluindo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e do Congresso, Renan Calheiros. A consultoria Eurasia avalia que a investigação podem dificultar um possível Governo Temer e mantém viva o risco de uma eleição presidencial antecipada, caso as implicações do partido cresçam e o vice se veja enfraquecido politicamente. Nesse caso a ação de impugnação da chapa Dilma-Temer, que corre no Tribunal Superior Eleitoral, poderia avançar e haveria necessidade de marcar novas eleições para antes de 2018.

Por outro lado, falta saber se Temer se comprometeria a não concorrer à presidência em 2018. O PMDB já declarou no ano passado que abrirá caminho para uma candidatura solo nas próximas eleições. Como o partido pretende conciliar esse projeto com um governo tampão (se Dilma for destituída)  ainda é uma incógnita. Se Temer admitir que cumprirá um mandato transitório, pode ajudá-lo a angariar apoio no Congresso, avalia Zeina Latif. "É um consenso que o ajuste precisa ser feito e ele tem um peso político. Podem chegar a conclusão de que, se é inevitável, o melhor é ele seja executado por Temer que estará neutro nas eleições", explica Latiff. Por ora, há mais perguntas do que respostas sobre o futuro de um Governo do atual vice.

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