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El Salvador sangra

Segundo estimativas do Instituto Igarapé, San Salvador é a capital mundial de homicídios

Soldado faz segurança em bairro dominado por gangue
Soldado faz segurança em bairro dominado por gangueSalvador Melendez (AP)
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A cabeça decepada do sargento foi encontrada em uma ponte. Chamava-se Baltazar Olaizola Díaz e era membro da polícia municipal de Soyapango. O assassinato de Baltazar, segundo o delegado federal, foi obra de implacáveis maras, palavra que significa “gangues”, que estavam exigindo melhores condições carcerárias. Ele foi o 49º policial assassinado em 2015 e uma das 17 pessoas mortas naquele dia.

É oficial. El Salvador é o país mais violento do mundo, e San Salvador é a capital de homicídios do planeta. Mais sangue é derramado nas cidades salvadorenhas do que na maioria das zonas de conflito do globo. Há também um grande êxodo de população, que migra majoritariamente para o México e para os Estados Unidos.

De acordo com novos números do Instituto de Medicina Forense de El Salvador, no último ano houve 6.656 assassinatos no país, o que se traduz em uma taxa de homicídio nacional de quase 116 homicídios por 100 mil habitantes, mais de 17 vezes a média global. Basta comparar os números totais de El Salvador com os 516 assassinatos reportados em 2014 no Canadá, que tem uma população quase seis vezes maior.

Os níveis de violência criminal em São Salvador são ainda piores do que se imagina. Segundo as estimativas do Instituto Igarapé, os homicídios na cidade excederam os de Caracas em 2015, classificada em janeiro como a cidade em que mais assassinatos ocorrem no mundo. O ranking que coloca a capital venezuelana como o primeiro em violência, feito pelo Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal, do México, trabalha com uma metodologia diferente.

Apesar das dificuldades metodológicas, a apresentação de dados e estimativas sobre assassinatos nessas cidades tem provocado um debate mais que necessário sobre a violência homicida. No entanto, para que este debate se traduza em ações práticas de redução da violência, deve basear-se em dados confiáveis. Do contrário, a capacidade de ação é reduzida.

As circunstâncias em que acontecem esses homicídios são bastante conhecidas, o que chega a ser perturbador. Na maioria das vezes, drogas ilícitas estão envolvidas. O governo dos Estados Unidos acredita que a maior parte da cocaína contrabandeada da Colômbia atravessa a América Central e o México antes de chegar aos americanos.

O valor em jogo é tão alto, que disputas violentas pelas rotas de contrabando e pontos de venda no varejo são rotina. O efeito colateral dessa guerra pelas drogas é a vitimização de civis inocentes.

Mas a guerra em El Salvador está super concentrada em torno de pessoas e locais específicos. Mais de 48% das vítimas de homicídio em 2015 são homens de 15 e 29 anos. Mais da metade dos homicídios se dá em apenas quatro áreas: San Salvador, La Libertad, Soyapango e Usulutan. Cada vez mais, as cidades salvadorenhas estão mais inabitáveis.

O surto recente de homicídios começou com o rompimento da trégua entre facções rivais, em 2014. Embora o cessar-fogo tenha reduzido pela metade a taxa de homicídio, não teve efeito sobre outras atividades criminosas como a extorsão. Por isso, o governo passou a aplicar políticas redobradas de supermano dura (mão de ferro), visando derrotar as maras. Desde então, uma agressiva ofensiva policial tem sido responsável por dezenas de massacres e desaparecimentos de líderes de gangues.

Para complicar ainda mais, as principais gangues de El Salvador – a Mara Salvatrucha (MS-13) e a Barrio 18 – estão se desmembrando. Além de lutarem entre si e com a polícia, enfrentam uma guerra civil interna. As gangues têm expurgado e punido “traidores” e “acaguetes”, de modo que o derramamento de sangue não dá sinais de irá cessar e está se espalhando para Honduras e Guatemala, com quem El Salvador faz fronteira. Para impedir que esses países percam o controle da situação, o Congresso dos EUA aprovou recentemente o aporte de US$ 750 milhões para o combate ao crime organizado, às gangues e à corrupção que assombram a América Central.

Esta não é a primeira crise humanitária em El Salvador, mas pode ser a mais grave. Segundo a Comissão de Verdade e Reconciliação, aproximadamente 75 mil pessoas foram assassinadas durante a guerra civil, entre 1981 e 1989. Isso equivale a 113 mortes em conflito a cada 100 mil pessoas, o que significa que, hoje, El Salvador é mais violento do que nos piores anos de um dos conflitos mais sangrentos da América Latina.

Embora urgente, o controle dos homicídios em El Salvador requer mais do que policiais bem treinados e melhores condições carcerárias. Também é preciso implementar medidas preventivas para reduzir a desestruturação familiar e proteger os membros mais vulneráveis da sociedade. A elite do país deve evitar a tentação de impor penalidades ainda mais rigorosas e jogar mais pessoas nas prisões. Para reduzir a criminalidade, deve-se melhorar a vida e as oportunidades das famílias trabalhadoras e dos jovens desassistidos.

Doadores internacionais poderiam trabalhar junto às autoridades salvadorenhas para investir seriamente nas cidades mais atingidas e nas populações mais vulneráveis.

A Fundasal, uma fundação localizada na capital, oferece crédito para famílias chefiadas por mulheres, reforma dos centros comunitários e melhorias nas favelas, em parceria com autoridades locais e moradores. A instituição parece estar fazendo diferença: as famílias que recebem ajuda financeira com fins específicos relatam níveis mais baixos de vitimização. Outro programa lançado recentemente, El Salvador Seguro, é dedicado ao fortalecimento do estado de direito, reabilitando jovens infratores e protegendo vítimas em 50 municípios.

Mas essas soluções são complementares e feitas em baixa escala. Em última análise, a única forma segura de reduzir os homicídios em El Salvador – ou em qualquer lugar da América Latina – é pôr fim à guerra contra as drogas. Embora o modelo proibicionista conte com o apoio da elite conservadora do país, ele causa mais males do que benefícios. Sem regulamentação, controle e aplicação da lei, as violentas gangues vão continuar a dominar o tráfico de drogas ilegais. Políticas elaboradas para lidar com as drogas em El Salvador e nos EUA podem ser responsáveis pela diferença entre a vida e a morte.

Robert Muggah é diretor de pesquisa do Instituto Igarapé e da SecDev Foundation, além de ser consultor da Comissão Global de Políticas Sobre Drogas.

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