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O futuro incerto dos novos autônomos de Cuba

Os 500.000 que trabalham por conta própria enfrentam a abertura com esperança e dúvidas

Silvia Ayuso
Bandeiras dos EUA e Cuba no show dos Rolling Stones em Havana.
Bandeiras dos EUA e Cuba no show dos Rolling Stones em Havana.Joe Raedle (Getty Images)
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Quando Pepe fala em liberdade, pensa sobretudo na econômica. “Queremos poder comprar o que precisamos para nossos negócios”, diz este massagista que trabalha como cuentapropista (autônomo) em Havana. Para Luis, a liberdade deveria ir além.“Gostaria de poder dizer o que penso sem medo”, afirma. Ao seu lado, Orlando explica: “Falta para nós a oportunidade de escolher os que nos governam”. Orlando (nenhum dos entrevistados quis dizer seu nome completo) tem um emprego público como vigilante pelo qual recebe cerca de 20 dólares por mês (pouco mais de 70 reais). Luis, assim como Pepe, é cuentapropista, a palavra da moda nesta Cuba que não sabe ainda se é tão nova ou se recebeu apenas uma mão de pintura reformista.

Há quem sinta grande esperança e entusiasmo pela possibilidade de buscar seu futuro, pela primeira vez longe da sombra do Estado. Os autônomos, esse setor no qual os Estados Unidos apostaram ao determinar a mudança de rumo em sua política em relação a Cuba, já são pelo menos meio milhão na ilha.

Ajudar era perigoso

Luis é um desses cuentapropistas, mas tem sentimentos confusos. Afinal, diz, faz o que já fazia há muito tempo: ajudar os turistas a encontrar “o melhor paladar” (pequenos restaurantes privados) ou locais mais escondidos. Só que até há pouco tempo, aproximar-se dos estrangeiros e oferecer-lhes seus serviços informais como guia era perigoso — no passado, custou-lhe uma condenação de quatro anos de prisão. Agora, conta com uma certa amargura, lhe deram um papel que legitima seu status de operador turístico como autônomo. Em troca de uma taxa substancial para os cofres do Estado, diz com um sorriso torto.

A visita de Obama a Havana deixou um gosto estranho. Foi a primeira de um presidente norte-americano em quase um século. Na única vez anterior, em 1928, a Cuba atual não era sequer pensada, mas esta nova viagem não deixou totalmente claro tudo que Cuba projeta para o futuro.

Quando Obama e o presidente cubano, Raúl Castro, anunciaram em 17 de dezembro de 2014 o início da normalização de relações, a ilha entrou em festa. De repente, a bandeira norte-americana, durante décadas oficialmente vilipendiada, era o enfeite mais desejado. Mas quando Obama chegou a Havana foi preciso procurar muito para encontrar uma bandeira norte-americana fora dos lugares oficiais de protocolo.

Dirigiu-se a todos os cubanos em um discurso retransmitido ao vivo, sem censura, por rádio e televisão. No entanto, nas cadeiras do Gran Teatro Alicia Alonso, os aplausos de um público selecionado pelas autoridades cubanas foram comedidos. Passado o furacão Obama e recolhidos os contingentes de forças de segurança que guardaram as ruas de Havana durante dois dias, as camisetas, calças e vestidos com as listras e estrelas ressurgiram nas ruas.

Pepe, o massagista, atribui à “moral dupla” que há anos permeia a sociedade cubana. Essa história de dizer uma coisa em público e fazer exatamente o contrário em particular é um conceito tão cubano quanto o “almendrón” (os velhos táxis coletivos) ou o “não é fácil” que Obama repetiu com tanto gosto durante sua estadia em Cuba. Mas nem todos que defendem o sistema o fazem apenas para guardar a tradição. Há muitos, inclusive jovens, que afirmam estar orgulhosos das conquistas de um país que lhes garantiu — da melhor ou da pior forma, conforme a quem se peça opinião — serviços como educação e saúde gratuitas, e que não querem que Cuba se lance de cabeça a um sistema capitalista desigual. Acreditam que o sistema atual é passível de aperfeiçoamento, sim, e não querem necessariamente trabalhar contra ele, mas melhorá-lo.

“Tudo se encaixa”

Na sexta-feira passada, os Rolling Stones voltaram a fazer história ao dar seu primeiro show em Cuba. Muitos dos que assistiram sequer conheciam suas músicas, mas não importava. A presença de suas satânicas majestades teve um significado muito além do musical: assim como os Beatles, os Rolling Stones foram proibidos durante anos em Cuba.

“Sabemos que anos atrás era difícil ouvir nossa música em Cuba. Mas aqui estamos”, afirmou em espanhol Mick Jagger. “Acho que finalmente os tempos estão mudando, não?”, acrescentou o cantor britânico entre aplausos.

“Tudo tem a ver, tudo encaixa”, concordava no público o habanero Jorge Ravelo, vestido com uma camiseta de Obama “da época da reeleição”. “Não há ocasião melhor para vesti-la”, afirmou. “Cuba está se abrindo para o mundo e, o mais importante, o mundo está se abrindo para Cuba. Agora é Obama, os Rolling Stones e antes foi o Papa”.

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