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Morre Johan Cruyff, que levou o realismo mágico para o futebol

O mítico jogador do Barcelona e da seleção holandesa falece aos 68 anos após luta contra câncer

Juan Cruz
Johan Cruyff, em uma imagem de arquivo.
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O ex-jogador e treinador Johan Cruyff morreu nesta quinta-feira em Barcelona, aos 68 anos, após uma dura luta contra um câncer de pulmão, segundo nota divulgada por sua família no site oficial dele. O mítico atleta do Barcelona e da seleção holandesa foi um dos melhores da história, no mesmo patamar de figuras como Pelé, Di Stéfano, Maradona e Messi.

Era o García Márquez do futebol, um perfume extraterreste que fazia piruetas em campo com o ar sisudo de um intelectual de mal com o mundo. Como treinador, acalmava a ansiedade de ver os jogos com a memória do que inventou e com o tabaco, que afinal foi o seu inimigo mortal. Sua maneira de jogar remetia ao realismo mágico do escritor de Aracataca, mas, como Gabo, ele enganou o mundo todo fingindo que essas invenções procediam dos céus, ou da magia, e não da terra.

A imaginação que Gabo aplicou aos seus relatos tinha uma parte de invenção que resultava do seu trabalho, mas a metáfora da qual partia estava ao rés do chão, junto à sua casa poeirenta do Caribe, nas árvores enormes de seu quintal, no riacho onde conviviam pedras minúsculas que ele tornou enormes em Cem Anos de Solidão, ou no gelo de verdade que ele transformou em um gelo pré-histórico, como os ovos enormes ou as borboletas que pareciam milagres quando na realidade cobriam, como a chuva de improviso, o céu de Aracataca.

Com Cruyff, esse mago, era a mesma coisa: nos treinos, observava a posição dos próprios pés e dos pés alheios, e disso extraiu uma teoria dos espaços, próprios e dos outros, que lhe deu autoridade nas partidas. Desse modo, mesmo que não estivesse, estava em todas as jogadas, e quando se arriscava a saltar já sabia o resultado, e quando passava sem olhar (como depois faria Laudrup, ou como fez Xavi Hernández até o fim, ou fazem agora Messi, Neymar, Isco ou Modric, entre muitos outros) estava inaugurando uma escola que também foi uma fábrica de ilusionistas que depois pareciam se reproduzir, quando Ronaldinho introduziu os malabarismos.

Mas o negócio de Cruyff, como a literatura mais extraterrestre de Gabo, era puro realismo, tocava a terra, embora seu perfume parecesse vir do sétimo céu. Ele levou às últimas consequências a concepção do futebol como o resultado de uma grande orquestra, sabia de onde o vento soprava, entendia à perfeição que uma bola nos pés de um goleiro vale mais do que uma bola afastada pelo alto, é um verdadeiro tesouro, e compreendia, porque treinou, o jogo dos médios-volantes (como Guardiola, como o próprio Xavi, que foi seu discípulo mais avantajado) como a base fundamental daquilo que ele depois transformava na arte da pirueta.

A todas essas características de futebol perfeitamente realista, porém mágico, Cruyff acrescentava outro fator que o aparentava a Gabo: fazia de tudo dentro do campo, mas tinha dificuldade para falar a respeito, porque a magia se aprende fazendo ou olhando, mas ao contá-la o perfume se perde completamente. E Cruyff, como Gabo, se distinguia por seu incrível perfume.

Para que as comparações não sejam afinal ociosas, ou odiosas, uma odiosa coincidência distingue agora os gênios de Aracataca e da Holanda: os dois morreram numa Quinta-Feira Santa. O céu se quebrou outra vez.

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