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Dois anos de Lava Jato: o ‘rolo compressor’ que abala os Poderes do país

O que começou como uma ação contra doleiros desencadeou crise político-partidária

Gil Alessi
Manifestante, no último dia 13, usa camiseta em defesa do juiz Sergio Moro.
Manifestante, no último dia 13, usa camiseta em defesa do juiz Sergio Moro.Douglas Magno (AFP)

Há dois dois anos um grupo de procuradores e policiais federais lotados no Paraná começou a abrir a maior caixa de Pandora do sistema político-partidário do país. Em 17 de março de 2014 foi desencadeada a primeira fase da Operação Lava Jato. O caso foi noticiado na imprensa como apenas mais uma entre as dezenas de ações semelhantes da PF contra doleiros acusados de lavagem de dinheiro realizadas todos os anos. E podia ter ficado nisso. Mas os agentes descobriram que um dos detidos, Alberto Youssef, antigo conhecido da lei responsável por remessas ilegais de milhões de dólares para o exterior, doou um Land Rover Evoque para o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Foi o fio da meada que a força-tarefa começou a puxar e que, 24 meses depois, resultou na paralisia total do Governo federal e em uma crise política sem precedentes no Brasil: os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, respectivamente—ambos do PMDB—, são investigados no Supremo Tribunal Federal, e a própria chefe do Executivo, Dilma Rousseff é citada em delações premiadas.

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A Lava Jato fez aniversário com um clima de gran-finale de série televisiva no ar, marcado por reviravoltas. Tornado público no início da semana passada, o último acordo de colaboração firmado pela Justiça com um investigado da operação, o do senador Delcídio do Amaral, colocou na mira da força-tarefa não apenas parte da cúpula do Planalto (incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), mas também o maior nome da oposição, o senador tucano Aécio Neves (PSDB-MG), citado pelo delator. Após o teor da delação de Delcídio vir a público, começaram as especulações sobre a possibilidade de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitar ao Supremo Tribunal Federal autorização para investigar os citados que gozam de foro privilegiado — como o senador tucano. Sobre o assunto, Janot afirmou ao jornal O Estado de São Paulo que "nós estamos em uma República (...) ninguém tem privilégio nem tratamento diferenciado". "Se houver um indício a gente vai abrir investigação, independente de quem seja", arrematou.

Já o destino do ex-presidente Lula, levado para depor na última fase da operação (a Alethea) no início do mês, ainda é uma incógnita. Empossado como novo chefe da Casa Civil na quinta-feira (dada da efeméride), o líder petista teria direito a foro privilegiado como ministro, mas teve sua posse suspensa um dia depois por decisão de Gilmar Mendes, que o devolveu às mãos do juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância, em Curitiba

Não dar “tratamento diferenciado” a nenhum investigado talvez tenha sido um dos maiores méritos da operação. As 24 fases da Lava Jato deram um importante passo no sentido de acabar com a impunidade histórica de empresários corruptores e políticos brasileiros. Até então vigorava no país um sentimento expresso na fala de Luís Roberto Barroso, ministro do STF: “Para ir preso no Brasil, é preciso ser muito pobre e muito mal defendido”. A condenação de Marcelo Odebrecht, presidente afastado e herdeiro de um dos maiores impérios da construção da América Latina a 19 anos de prisão no início de março é prova disso.

E ele não está sozinho. Sergio Cunha Mendes, ex-vice-presidente da empreiteira Mendes Júnior, foi condenado em primeira instância a 19 anos e quatro meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O mesmo vale para Léo Pinheiro, então presidente da OAS (16 anos e 4 meses de prisão, sendo 2 anos e 8 meses em regime fechado), Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa (15 anos e 10 meses de prisão), João Auler, ex-presidente do conselho da Camargo Corrêa (9 anos e 6 meses de prisão, sendo 1 ano e 7 meses em regime fechado), e Eduardo Leite, ex-vice-presidente da Camargo Corrêa (15 anos e 10 meses de prisão). Em todos os casos citados ainda cabem recursos – uma vez que a decisão é de primeira instância -, e resta saber se os demais tribunais irão referendar as decisões. Além disso estão presos preventivamente o banqueiro André Esteves e o pecuarista José Carlos Bumlai. Ninguém parece fora do alcance da força-tarefa montada para investigar a corrupção na Petrobras.

O esquema que vem sendo desvendado nos últimos dois anos pela força-tarefa também abalou profundamente a confiança no modelo de financiamento de campanhas eleitorais em vigor no Brasil. Prova disso é que, no final do ano passado, o Supremo decretou o fim das doações de empresas para os partidos. Em seu voto sobre a questão, a ministra Rosa Weber afirmou que “até certo ponto seria normal a presença do poder econômico em eleições, mas a legislação deveria ser capaz de blindar o poder político de influência e de eventual o abuso praticado pelas empresas que participam das eleições”.

Homem leva cartaz contra Sergio Moro em protesto anti-impeachment no dia 18, no Rio de Janeiro.
Homem leva cartaz contra Sergio Moro em protesto anti-impeachment no dia 18, no Rio de Janeiro.SERGIO MORAES (REUTERS)

Críticas e polêmica

No entanto, os métodos usados pelos procuradores e pelo juiz federal Sérgio Moro, não são unanimidade no âmbito jurídico. Desde o início da operação juristas e principalmente defensores dos investigados criticaram o uso de prisões preventivas (por tempo indeterminado) como forma de pressão para obter acordos de delação premiada. O Ministério Público Federal nega, e diz que uma parcela ínfima dos acordos foi obtida com os investigados encarcerados. Além disso, pesa sobre Moro a pecha de politizar alguns dos processos, principalmente aqueles envolvendo petistas. A gota d'água foi o mandato de condução coercitiva assinado por ele contra Lula, que recebeu críticas até mesmo de membros da oposição e de ministros do STF, que consideraram a medida desnecessária e abusiva.

Alçado à uma espécie de herói do antipetismo pelos movimentos que pedem o fim do Governo Dilma Rousseff, e igualmente transformado em vilão pelos que questionam a imparcialidade do magistrado e são contrários à destituição da mandatária, Moro jogou gasolina na fogueira ao autorizar a divulgação dos diálogos grampeados entre Lula, Dilma e outros políticos no mesmo dia em que o Planalto confirmara a indicação do ex-presidente à Casa Civil. Segundo o juiz, os áudios explicitavam a intenção da presidenta em tirar Lula da mira de Moro, o que foi fortemente rejeitado pelo Governo.

Lava Jato internacional

Não foi apenas no Brasil que a Lava Jato provocou impacto. Ao menos dois países também foram afetados por suspeitas de que dinheiro de corrupção do Brasil ultrapassou as fronteiras do país. No Peru, veio à tona a notícia de que a empreiteira Odebrecht é suspeita de ter pago propina de três milhões de dólares ao presidente Ollanta Humala. O marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas de Lula (2006) e Dilma (2010 e 2014) foi preso no final de fevereiro pela 23ª fase da operação. Ele também reforçou os elos internacionais do esquema, ao admitir ter recebido dinheiro da empreiteira em contas offshore como pagamento por campanhas realizadas na Venezuela e em Angola. O publicitário nega que o esquema tenha se repetido no Brasil.

As empreiteiras envolvidas também sentiram o baque: a Camargo Corrêa se desfez de sua participação na Alpargatas, dona da marca Havaianas, um ícone brasileiro, aparentemente pela falta de recursos. A construtora OAS teve sua nota de crédito rebaixada após o envolvimento no escândalo de corrupção, e anunciou há algumas semana que fechou um acordo para vender sua parcela da Invepar para tentar fazer caixa. A empresa, que acumula dívida de 11 bilhões de reais, entrou com pedido de recuperação judicial para tentar renegociar com seus credores. A Odebrecht é outra companhia que teve sua nota de crédito rebaixada. Em seu depoimento à Polícia Federal, Lula chegou a dizer que a Lava Jato estaria "destruindo empresas".

Passadas 24 meses e 24 fases, ainda é difícil, porém, avaliar qual deve ser o legado a força-tarefa para o Brasil e o que vem pela frente com as fases a seguir.

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