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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

“Uma jararaca no tabuleiro de xadrez”

O objetivo da 24ª fase da Lava Jato não era um 'xeque mate' em Lula. Foi um 'xeque' com o objetivo de comprometê-lo publicamente com respostas que poderão ser contestadas no futuro

O ex-presidente Lula, neste sábado em sua casa em São Bernardo do Campo, São Paulo.
O ex-presidente Lula, neste sábado em sua casa em São Bernardo do Campo, São Paulo.PAULO WHITAKER (REUTERS)
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No tabuleiro de xadrez da Operação Lava Jato a Força Tarefa do Ministério Público Federal costuma estar, no mínimo, duas jogadas à frente dos movimentos feitos pelas defesas dos que foram, até o momento, indiciados e processados.

A Operação Aletheia, vigésima quarta fase, seguiu a regra e por esta razão o debate sobre a constitucionalidade da condução coercitiva, que ganhou projeção em função do episódio envolvendo o ex-presidente Lula, não produzirá resultados a tempo de alterar o rumo dos feitos que estão em curso.

A condução coercitiva, que já foi realizada mais de 100 vezes na Operação Lava Jato, conta com a anuência dos tribunais recursais e tem como principal objetivo, inclusive por meio de um questionável “efeito surpresa”, diminuir a margem para que ocorram “acertos entre as versões” das pessoas convocadas a depor, independentemente do fato de serem informantes, testemunhas ou alvos de investigação.

Tudo leva a crer que estas “inovações” por parte dos operadores do Direito que agem em nome do Estado, tornadas públicas ao longo da Operação Lava Jato, foram desenvolvidas para neutralizar as manobras protelatórias, dentre as quais algumas caracterizadas como “chicanas jurídicas”, que contribuíram para o aparente estado de impunidade no Brasil.

O caso em tela, a condução coercitiva do ex-presidente Lula para a oitiva realizada durante a Operação Aletheia, causou comoção e teve repercussão internacional.

Existia uma diferença no posicionamento do ex-presidente Lula em relação ao Ministério Público Federal, e a Justiça Federal, e em relação a iniciativas de alguns membros do Ministério Público Estadual de São Paulo.

Não havia precedente formal de recusa do ex-presidente Lula em depor perante as Autoridades Federais e sim uma legítima arguição de suspeição, apresentada tempestivamente às instâncias recursais competentes, contestando procedimentos instaurados no âmbito das Autoridades Judiciárias do Estado de São Paulo.

Partindo-se do pressuposto de que o mandado de condução coercitiva emitido pelo Juiz Federal Sérgio Moro contra o ex-presidente Lula não se amparou na existência de precedente formal do mesmo em se negar a prestar depoimentos às Autoridades Federais, cabe a pergunta: por que foi emitido, “a priori”, um mandado de condução coercitiva impondo ao ex-presidente Lula a obrigação de prestar um depoimento cuja “necessidade”, tendo em vista a repetição de algumas perguntas, foi questionada pelo próprio?

Dentre as várias possibilidades existentes há duas, uma de natureza objetiva e a outra de natureza subjetiva, que serão objeto desta análise.

Sob o ponto de vista objetivo a autoridade judiciária pode requerer, tantas vezes quanto julgar pertinente, a oitiva dos cidadãos. A repetição de perguntas feitas em depoimentos anteriores indica os pontos que passaram a merecer maior atenção e não deve ser desqualificada, muito menos ridicularizada.

Conclui-se que se tornou “necessário”, por alguma razão, a repetição de determinadas perguntas ao ex-presidente Lula e, por conseguinte, a consignação das respectivas respostas nos autos do processo, num tempo e num estágio processual que certamente atendem a alguma necessidade estabelecida pela Força Tarefa da Operação Lava Jato e/ou pelo Juiz Federal Sérgio Moro.

Sob o ponto de vista subjetivo, não podendo se atribuir tal aspecto a uma intencionalidade do julgador, o “ensaio geral” de sexta-feira permitiu uma avaliação preliminar sobre a correlação de forças e as possíveis reações que a sociedade brasileira terá diante do leque de hipóteses e especulações que estão sobre a mesa.

A Nota Oficial emitida pelo Juiz Federal Sérgio Moro no sábado, abordando os princípios da convivência democrática, e a Nota Oficial emitida pelo Ministério Público Federal, no mesmo sábado, reiterando os termos e o “tom” da sua atuação no caso, demonstram a plena compreensão que as Autoridades Federais tem das tensões sociais que as ações empreendidas poderão desencadear.

Tal posicionamento se traduziu, na sexta-feira, em medidas preventivas que incluíram o isolamento de vias públicas por forças táticas da Polícia Federal, a coleta do depoimento do ex-presidente Lula fora das dependências da Superintendência da Polícia Federal, para onde todos os demais depoentes foram levados, e a manifestação de oficiais do Alto Comando das Forças Armadas, com pelo menos uma tropa de “prontidão” em São Paulo, reiterando o compromisso constitucional de garantia da lei e ordem.

Estes três elementos evidenciam que os dispositivos de Segurança do Estado já estão mobilizados para a contenção de eventuais distúrbios civis.

Merece atenção o fato de que, para explicar os fundamentos jurídicos da mais “ousada” fase da “Operação Lava Jato”, o Ministério Público Federal (autor dos pedidos de busca e apreensão, condução coercitiva e prisões, estas últimas negadas pelo Juiz Federal Sérgio Moro) escalou o experiente Procurador da República Carlos Fernando Lima, poupando os demais membros da Força Tarefa, incluindo o Procurador da República Deltan Dellagnol, que a coordena.

Esta opção tática indica que o Ministério Público Federal ainda está “estocando munição” e buscou preservar os seus quadros para os embates que ainda estão por vir.

Em movimento tático inverso o Partido dos Trabalhadores (principal alvo político da Operação Lava Jato) e o Governo Federal, como demonstração de unidade e força, reagiram: perfilaram os respectivos primeiros escalões e “abriram fogo” denunciando violações e abusos por parte do Ministério Público Federal, do Poder Judiciário Federal e da Polícia Federal.

Ao PT não restava alternativa, uma vez que o Presidente Lula é o presidente de Honra do partido, a sua principal liderança política e o único candidato viável nas próximas eleições presidenciais.

Por outro lado, surpreendido pela Operação Aletheia, o Governo Federal se viu na contingência de tratar, na mesma ocasião do pronunciamento da Presidenta da República, acompanhada de todos os Ministros e Ministras de Estado, da repulsa às acusações do ex-líder do Governo no Senado Federal, “vazadas” na véspera, e do desagravo ao ex-presidente Lula, conduzido coercitivamente a depor, na condição de investigado.

As críticas feitas à Presidenta Dilma Rousseff por ter dedicado a maior parte do tempo do pronunciamento para repelir as denúncias contidas na hipotética “delação premiada” do Senador Delcídio do Amaral são improcedentes pois ela não poderia se desviar da sua maior responsabilidade naquele momento: a contestação às acusações de “obstrução de justiça” feitas contra ela e o contra o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

As circunstâncias tornaram inevitável o entrelaçamento dos temas descritos acima, assim como a própria visita de apoio que a Presidenta Dilma Rousseff fez ao ex-presidente Lula no sábado. Os próximos dias dirão a extensão das consequências da junção destas duas narrativas, considerando a distinção institucional existente entre a Presidenta da República, no exercício da função, e o ex-presidente da República.

Conclui-se que o objetivo estratégico do vigésimo quarto movimento de peças da Força Tarefa, no tabuleiro de xadrez da Operação Lava Jato, não era um xeque mate no ex-presidente Lula.

Foi um xeque com o objetivo de comprometê-lo publicamente com respostas que poderão ser contestadas no futuro.

Em contrapartida, a emissão a priori do mandado de condução coercitiva forneceu ao ex-presidente Lula a oportunidade de “retomar o discurso ofensivo” e agora, entre Reis, Rainhas, Torres, Bispos, Cavalos e Peões, o “Lulinha Paz e Amor” deu lugar a uma “Jararaca” cujos movimentos não são, de todo, previsíveis.

O tempo nos dirá como se joga xadrez com uma “Jararaca” no tabuleiro.

Giovanni Harvey é consultor de Estratégia e Políticas Públicas e ex-secretário Executivo da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República. 

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