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ONU alerta a UE que está proibida a “expulsão coletiva”

Órgão expressa suas dúvidas pela devolução em massa de refugiados

Lucía Abellán
Um imigrante com um bebê chega na terça-feira a Atenas vindo das ilhas gregas.
Um imigrante com um bebê chega na terça-feira a Atenas vindo das ilhas gregas.MICHALIS KARAGIANNIS (REUTERS)

Os receios expressados pela ONU e por organizações de direitos humanos em relação ao revolucionário acordo sobre refugiados esboçado pela UE e a Turquia trazem dúvidas sobre seu futuro. A ACNUR, a agência das Nações Unidas dedicada aos refugiados, manifestou na terça-feira sua inquietação por um pacto que permitirá a partir de agora expulsar em grande escala todos os estrangeiros que chegarem nas costas gregas, incluindo os refugiados sírios. “Estou profundamente preocupado pelo acordo”, disse o alto comissário da ONU, Filippo Grandi. Os líderes europeus utilizarão os próximos dez dias para analisar legalmente a proposta para que seja referendada na próxima semana.

Poucas horas após o fim da reunião entre UE e Turquia que deu uma guinada na gestão da União Europeia sobre a crise dos refugiados, o principal responsável da ACNUR foi ao Parlamento Europeu para falar dos problemas dos asilados. E justificou sua inquietação pelo acordado para aliviar a carga que a Europa sente sobre seus ombros. “Não é possível assinar nenhum acordo que não salvaguarde as garantias que os refugiados têm no direito internacional”, enfatizou. Suas palavras provocaram fortes aplausos da Eurocâmara em Estrasburgo.

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Diante das vozes que tentam alertar sobre os movimentos migratórios gerados pela guerra na Síria, Grandi disse: “Isso é essencialmente um movimento de refugiados”, já que 88% dos que pedem asilo vêm dos 10 países que mais asilados geram no mundo. E desafiou o continente a lembrar de seu passado: “É o momento de reafirmar os valores sobre os quais a Europa foi construída”. Após sua aclamada intervenção, o comissário europeu da Imigração, Dimitris Avramopoulos, rebateu: “Todos os imigrantes irregulares [denominação na qual Bruxelas agora também inclui os sírios] serão devolvidos à Turquia, de acordo com as leis europeias e internacionais”.

Ainda mais contundente do que Filippo, o representante europeu da ONU para os refugiados, Vicente Cochelet, alertou em Genebra que o surpreendente acordo pode ser contra as leis: “Um pacto que é equivalente a um retorno em massa de todos os indivíduos de um país a um terceiro país fere a legislação europeia e a legislação internacional”. Como voz mais autorizada na matéria, a cúpula da ACNUR coloca dúvidas legais compartilhadas por muitos diplomatas e especialistas da UE antes que a ideia de expulsar sírios da Grécia à Turquia ganhasse corpo.

O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, invocou a legislação para avalizar o pacto que suscita dúvidas legais. A chamada diretiva de procedimentos de asilo contempla a possibilidade de reenviar um refugiado ao país no qual recebeu a primeira proteção (neste caso, a Turquia). Mas ele deve receber várias condições. O Estado deve ser considerado um terceiro país seguro, ou seja, capaz de oferecer proteção às pessoas que a exigirem. Em termos práticos, isso implica, entre outros elementos, que a pessoa pode “solicitar o estatuto de refugiado e, no caso de sê-lo, receber proteção sustentada pela Convenção de Genebra”.

Aí surgem os problemas. A Turquia oferece limites muito irregulares de proteção internacional. Subscreveu a convenção do refugiado, mas só concede essa categoria a cidadãos europeus (os que originalmente motivaram o texto de Genebra, após a Segunda Guerra Mundial). Para os sírios, Ancara conta com um esquema de proteção, que não é exatamente o mesmo que refugiado. Os especialistas da UE o consideram equivalente e essa é a brecha legal que lhes permite defender o acordo.

A Anistia Internacional rebate esse argumento, que considera cheio de falhas legais e morais. “Não existe imaginação que possa fazer com que a Turquia seja considerada um terceiro país seguro e que a UE possa repassar suas obrigações a este país”, disse Iverna McGowan, chefa do escritório da Anistia para as instituições europeias.

Fim da política de portas abertas

Mas para além das dúvidas legais, os Estados membros acreditam ter alcançado uma conquista maior com o pacto com a Turquia: acabar com a ideia de que a Europa acolherá todo imigrante e refugiado que colocar os pés em seu território. Esse é o princípio que fica após a longa reunião de segunda-feira, na falta de mais detalhes sobre ele. E apesar do mal-estar demonstrando por alguns Estados – a França entre eles – pela urgência e segredo no qual foi feito, nenhum chefe de Estado e de Governo foi capaz de se opor à mudança no tratamento concedido pela Europa aos refugiados de um conflito cruel como o da Síria.

O grande detalhe pendente está na definição do mecanismo de acolhida pelo qual a UE se compromete a receber um asilado sírio vindo da Turquia por cada pessoa dessa nacionalidade que reenviar ao país vizinho. Fontes da UE admitem que seria complicado impor obrigações de realocação a países com sérias objeções aos asilados (como a Hungria e outros países do Leste) e que por enquanto só é possível trabalhar sobre hipóteses voluntárias.

A Human Rights Watch também criticou o que considera como “expulsões em massa aceleradas”. A ONG afirma que a Turquia de nenhuma forma pode ser considerada um país seguro para se devolver imigrantes de maneira generalizada. “Enquanto os líderes da UE e da Turquia se reuniam em Bruxelas para acertar formas de impedir a imigração ‘irregular’ à Grécia, a fronteira da Turquia [com a Síria] continuava fechada para dezenas de milhares de refugiados sírios que fogem da ofensiva em Alepo, expondo-os a graves riscos”, disse Bill Frelick, responsável pelas questões dos refugiados na HRW.

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