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Edição crítica de ‘Minha luta’ é objeto de desejo no mundo todo

Trinta selos tentam publicar a versão comentada do livro de Hitler, que por enquanto só sairá em inglês

Luis Doncel
Edição crítica de 'Minha luta', em livraria de Munique.
Edição crítica de 'Minha luta', em livraria de Munique.MICHAEL DALDER (REUTERS)
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O mundo editorial alemão sofreu uma pequena revolução no ano passado. O anúncio de Mein Kampf (Minha luta) – o livro maldito que tinha permanecido durante 70 anos fora do circuito comercial – estava prestes a ser reeditado gerou um debate acalorado. De um lado estavam os que defendiam o projeto de apresentar de forma crítica as teses que Adolf Hitler começou a escrever na prisão em Munique em 1924. Do outro lado, os que temiam que servisse de inspiração aos novos filhotes da extrema direita. A polêmica chegou ao serviço secreto alemão, que concluiu que o interesse nos círculos extremistas pela obra institucional do nazismo tinha caído nas últimas décadas.

O que ninguém podia prever era a reação de leitores e editoras internacionais. Passados quase dois meses de sua chegada às prateleiras, por 59 euros, pode-se dizer que os resultados são espetaculares.

História de um livro maldito

  • Em 18 de julho de 1925 é publicado o primeiro volume de Minha Luta, escrito por Adolf Hitler na prisão em Munique. Um ano mais tarde aparece o segundo.
  • Durante a ditadura nazista (1933-1945) torna-se livro de culto, de estudo nas escolas e chega a ser dado como presente de casamento pelas repartições públicas. Até 1945 serão impressos 12 milhões de exemplares.
  • Depois da derrota alemã e da morte de Hitler, o Estado da Baviera assume os direitos autorais. Apesar de o livro não estar oficialmente proibido, as autoridades não concedem permissão para sua publicação, mas é fácil conseguir em livrarias de segunda mão e pela Internet.

Os direitos autorais expiram em 2016. O Instituto de História Contemporânea de Munique-Berlim edita uma versão crítica com 3.500 notas que contextualizam o texto que serviu de base ideológica para o nazismo.

O Instituto de História Contemporânea de Munique-Berlim – o centro de pesquisa responsável pela minuciosa edição com 3.500 notas que explicam, relativizam ou simplesmente desmentem as teses do líder nazista – recebeu nas últimas semanas uma avalanche de pedidos de editoras internacionais desejosas de publicar a obra em seus países.

Várias editoras espanholas também tentaram, como confirma ao EL PAÍS a instituição alemã. Mas após receber uma trintena de pedidos – alguns de países tão distantes como Coreia, China e Japão – o instituto prefere, por enquanto, permitir apenas uma edição em inglês.

“Não temos condições de assumir o trabalho que seria garantir que todas as traduções sejam feitas com nossos padrões científicos. Cada país, além do mais, tem suas particularidades. Não são necessárias as mesmas explicações para um leitor coreano que para um europeu, por exemplo” assegura uma porta-voz do instituto. Dada a complexidade do projeto, os historiadores alemães preferem, por enquanto, concentrar-se unicamente na versão inglesa. Não há nada acertado com as editoras interessadas, mas os pesquisadores do instituto acreditam que o trabalho poderia se alongar este ano para que a nova versão chegue ao mercado de língua inglesa em 2017.

O livro, que até 1945 teve 12 milhões de exemplares impressos, sobreviveu nos últimos anos graças a edições antigas, à Internet ou à surpreendente popularidade em países como a Índia. É agora, depois de expirarem os direitos de autorais que estavam nas mãos do Estado alemão da Baviera, que se torna evidente o interesse na Europa.

Além do projeto alemão, a editora francesa Fayard anunciou no ano passado sua própria versão de Minha Luta, que também contaria com notas para contextualizar um texto publicado na França em 1934. A edição, acompanhada por um breve aviso do conteúdo das páginas, era a única disponível até agora no mercado francês.

Perfil do comprador

Ao mesmo tempo, muitos na Alemanha se perguntam sobre o sucesso do livro que serviu para acender a chama do ódio e a violência por todo mundo. Depois de subir nas listas de vendas, o calhamaço de 2.000 páginas se esgotou em todas as lojas. O perfil do comprador, entretanto, não corresponde ao do simpatizante hitleriano, mas ao de pesquisadores ou pessoas interessadas em história, dizem os responsáveis pela edição. Depois de serem distribuídos às livrarias 24.000 exemplares, já foram encomendadas novas impressões.

“O grande interesse suscitado pelo Mein Kampf está relacionado a sua aura de mistério, especialmente depois de a Baviera fazer todo o possível para evitar sua reprodução. E esse grande interesse tem feito com que os editores não produzam uma obra destinada somente aos especialistas, mas procurem um público mais amplo”, dizia há algumas semanas na rádio pública alemã o historiador e biógrafo de Hitler, Peter Longerich.

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