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Promotor argentino conclui que Alberto Nisman foi assassinado

É a primeira vez que uma autoridade aponta para a tese de homicídio em vez de suicídio

Carlos E. Cué
Manifestação pedindo justiça no caso Nisman, no último dia 18.
Manifestação pedindo justiça no caso Nisman, no último dia 18.David Fernández (EFE)
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O procurador criminal argentino Ricardo Sáenz emitiu nesta quinta-feira um parecer no qual defende que seu colega Alberto Nisman, encontrado morto em janeiro de 2015, dias depois de acusar a então presidenta Cristina Kirchner de acobertar terroristas, foi vítima de homicídio. É a primeira vez que uma autoridade oficial aponta claramente para a tese de assassinato em vez de suicídio. Não se trata de uma sentença judicial, mas a partir de agora o processo pode mudar de mãos e a investigação — já acelerada desde a posse do presidente Mauricio Macri, em dezembro — poderá ganhar mais força, após mais de um ano sem avanços importantes.

“Concordo com os apelantes em que o objeto processual desta ação, até o momento, é constituído pela hipótese de que [o promotor] Alberto Nisman foi vítima do crime de homicídio”, afirma o parecer do promotor Sáenz, da Câmara Criminal da capital argentina.

Ele observa que a investigação deveria ser desenvolvida pela Justiça Federal de Buenos Aires, “que tem a competência mais ampla para conhecer e elucidar qual de todas as hipóteses implicadas afinal será aplicável ao fato”. “Do contrário”, prossegue o parecer, “estaria em risco a legalidade e seria afetada a garantia do juiz natural”.

Nisman, que comandava a investigação do atentado conta a sede da entidade judaica AMIA, que matou 85 pessoas em 1994, foi encontrado morto em seu apartamento, em 18 de janeiro de 2015, com um tiro na têmpora. Horas depois, ele deveria comparecer ao Congresso para detalhar a denúncia que fizera contra Cristina Kirchner por suposto acobertamento de terroristas iranianos.

Desde então, o assunto se transformou no centro de uma duríssima batalha política e deteriorou a imagem do Governo de Kirchner, que inicialmente apontou para a hipótese de homicídio, mas depois deixou que seus seguidores destruíssem a imagem pública de Nisman com a publicação de fotos dele com mulheres muito mais jovens e outros detalhes da sua vida íntima. “Era um sem-vergonha como poucas vezes se viu neste país”, chegou a dizer o número dois do Governo kirchnerista, Aníbal Fernández.

A investigação não obteve avanço nestes 13 meses, e tanto a promotora do caso, Viviana Fein, como os peritos oficiais que participaram da investigação sempre apontaram que não havia indícios de homicídio. A cena do crime foi minuciosamente analisada, com a conclusão de que não havia indícios claros da presença de outra pessoa no imóvel no momento da morte de Nisman. No entanto, a família do promotor e especialmente sua ex-mulher, a conhecida juíza Sandra Arroyo Salgado, sempre sustentaram a hipótese de homicídio e exigiram que o promotor do caso fosse afastado e que o processo fosse entregue a um tribunal federal.

Finalmente, pouco depois da guinada representada pela vitória eleitoral de Macri – que prometeu a colaboração ativa do seu Governo para esclarecer o caso, ordenou a quebra do sigilo de documentos e autorizou que espiões argentinos próximos a Nisman divulgassem seus segredos – a juíza Fabiana Palmaghini substituiu a promotora da investigação e passou a encabeçá-la ela mesma. Ainda assim, segundo a juíza, até o momento não apareceram indícios claros que apontem para o assassinato. A família de Nisman exige que o caso passe à Justiça Federal, o que deixaria Palmaghini fora do caso. O promotor Sáenz recomenda essa opção, mas resta ver a decisão dos magistrados.

Seja como for, vários especialistas consultados pelo EL PAÍS nos últimos meses apontam que a cena do crime foi tão contaminada nas primeiras horas e as provas principais demoraram tanto tempo para serem realizadas que será praticamente impossível saber com certeza o que aconteceu.

O que está evidente é que agora existe mais vontade de investigar. Um elemento importante pode ser o depoimento de Jaime Stiuso, que foi o homem-forte da espionagem argentina e pessoa de absoluta confiança de Nisman, já que investigavam juntos o caso AMIA. Foi uma das últimas pessoas para quem o promotor telefonou antes de morrer, mas o agente não chegou a atender. Stiuso foi destituído pouco antes da morte de Nisman, e essa disputa interna entre Kirchner e a cúpula dos serviços secretos parece chave para entender os acontecimentos que ocorreram depois, incluindo a denúncia de Nisman contra a presidenta.

Os kirchneristas chegaram a acusar Stiuso de estar por trás da morte do promotor. Diante dessa pressão e com alguns processos judiciais abertos, o espião acabou se refugiando nos EUA, onde esteve escondido até recentemente. Kirchner, em discurso oficial na Assembleia Geral da ONU, chegou a acusar os EUA de protegerem Stiuso. Agora, com a mudança de Governo, o espião voltou para a Argentina e está prestes a depor à juíza. Se disser tudo o que sabe, muitas coisas poderão ser esclarecidas, mas é pouco provável que o faça. O caso Nisman está a caminho de se tornar o grande mistério não resolvido da Argentina do século XXI.

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