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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

De FHC a Lula, a zona cinzenta entre o público e o privado no Brasil

Ex-presidentes podem provar que suas atuais polêmicas estão dentro da lei, embora “no limite da irresponsabilidade”

Carla Jiménez
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De uma antena de celular suspeita perto de um sítio vip em Atibaia à lavagem de roupa suja de uma jornalista exilada que carrega o rótulo de ex-amante. Duas polêmicas que envolvem a vida privada de ex-presidentes tomam os noticiários nos últimos dias.

O jornal Valor foi o primeiro a levantar a informação de que uma antena da operadora Oi foi instalada próximo ao sítio frequentado por Lula e sua família, aparentemente uma gentileza para favorecer a comunicação do petista.

Mirian Dutra, por sua vez, contou ao jornal Folha de S. Paulo detalhes de seu relacionamento extraconjugal com o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso, assegurando ter recebido uma mesada para custear as despesas de seu filho Tomás, através de um arranjo com a empresa Brasif que simulava um contrato de trabalho, pelo qual recebia 3.000 dólares mensais.

Inclua neste cesto de roupa a denúncia desengavetada pelo Supremo há algumas semanas contra o presidente do Senado, Renan Calheiros, de supostamente ter recebido dinheiro de empreiteira para pagar pensão à mãe de uma filha que teve fora do casamento. Calheiros defendeu-se apresentando notas fiscais de seus ganhos, mas o Supremo questiona a veracidade dessas notas.

Quem presta atenção ao noticiário sabe bem que o público e privado no Brasil convivem numa zona cinzenta entre os que detêm o poder. É uma relação “no limite da irresponsabilidade”, emprestando a expressão empregada em 1998 por Ricardo de Oliveira, que foi diretor da área internacional do Banco do Brasil, e captada por um grampo telefônico na época da privatização da Telebras.

Oliveira conversava com o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros sobre a concessão de uma carta de fiança generosa ao banco Opportunity para que garantisse a presença de um dos consórcios que iriam comprar parte da antiga estatal de telefonia. O Governo temia que houvesse poucos concorrentes, e precisava garantir o sucesso da privatização, duramente questionada pelo PT, que se refestelou com a repercussão do vazamento das gravações na ocasião, que custaram o cargo de Mendonça de Barros.

Um outro episódio emblemático mostra a dificuldade de separar alhos e bugalhos no Brasil. O aeroporto da cidade mineira de Cláudio, construído com dinheiro público em Minas Gerais num terreno que pertenceu a parentes do senador tucano Aécio Neves, ex-governador do Estado. Em julho de 2014, a reportagem da Folha de S.Paulo visitou o local e encontrou as chaves de acesso ao aeroporto nas mãos de parentes de Aécio.

O assunto rendeu pano para manga a Aécio e o Ministério Público de Minas Gerais acabou arquivando o processo, depois de acatar as justificativas do tucano de que não havia irregularidades no negócio.

É possível que Lula também possa explicar à luz da Justiça, ainda que leve anos para provar, tudo que envolve o famigerado sítio, além do triplex no Guarujá que levanta suspeitas na operação Lava Jato. Idem para o imbróglio de Fernando Henrique e a pensão paga a Mirian Dutra. Tudo pode estar dentro da legalidade, certamente. Mas, como tudo no Brasil, no limite da irresponsabilidade.

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